Victoria e os anjos da internet

Crônica

Publicado, originalmente, em 4 de novembro de 2013 às 11:43 hs.

Passaram-se 2 dias sem que eu escrevesse neste blog. Faltaram-me cabeça, corpo e membros porque, desde o último sábado, começou a se agravar uma gripe que a minha filha Victoria (15), portadora de síndrome de Rett (paralisia cerebral), contraiu pouco antes. Confesso, pois, um desânimo que aqueles que me leem sabem não ser comum.

Isso porque vínhamos vencendo, a família de Victoria. Desde meados de 2012 que ela não passava por um quadro como o desta vez. Em agosto chegou a ir parar no hospital, mas foi por excesso de zelo. Também ficara gripada e, sabendo de seu quadro de pneumonias de repetição, brigamos com os médicos para que fosse internada. Mas teve alta em quatro dias.

Bem diferente das 11 internações que sofreu desde 2009, quando a doença mudou de patamar e ela começou a passar longas temporadas no hospital, quase sempre superiores a 30 dias e, algumas das vezes, com duração de meses, como quando ficou 90 dias na UTI e chegou a ter uma septicemia diagnosticada, mas que também foi alarme falso.

Tem sido assim desde 2009. De tempos em tempos, Victoria vai até a beira do precipício, olha o fundo e quase cai, mas, ao final, recupera o equilíbrio e volta para casa.

Nos últimos quatro anos, toda vez que a minha filha adoece com gravidade – rotina que se impõe às meninas, e só às meninas, que contraem essa síndrome ainda no útero materno – este criado dos próprios leitores recorre a eles e aos amigos do Facebook para uma corrente contra o que vejo como um capricho da natureza.

Particularmente, reflito se não recorro à fé dessas pessoas porque a minha própria fé, nesses momentos em que a doença de minha filha impõe um revés a ela e à sua família, mostra-se insuficiente…

Alguns amigos já me recomendaram que não fizesse isso, que não escrevesse sobre a doença da minha filha neste blog ou em qualquer parte da internet, sobretudo quando ela sofre um evento patológico como o que está em curso. Afinal, escrevo um blog político, sou um ativista político e todos sabem que a política não tem limites, de forma que sempre aparece alguém para querer me fustigar aproveitando um momento de fragilidade.

Já divulguei aqui os ataques que sofro por escrever sobre a doença da minha filha. Então alguns me perguntam: se há tais ataques, por que você continua escrevendo sobre a menina, quando ela adoece?

A explicação é muito simples: para cada ataque covarde contra quem está fragilizado, meu recurso às pessoas decentes, solidárias e generosas com a própria espécie carreia para Victoria as orações dos crentes e a torcida dos descrentes, formando uma imensa corrente positiva que, misticismos à parte, acredito que ajudam a minha filha.

Há demônios na internet? Há, sim, como no mundo físico. Posso garantir que já li frases literalmente demoníacas de pessoas que, por dentro, em nada lembram um ser humano. Mas há uma legião de anjos sempre disposta a emprestar sua fé infinitamente superior, esmagadoramente superior à maldade de poucos.

Não ia escrever. É duro aguentar os ataques. Uma frase pérfida parece um punhal embebido em ácido que cravam neste coração de pai. Mas sinto que esse ódio não é dirigido a Victoria, mas a este que escreve. Ela fica com a solidariedade, que sobra quando escrevo sobre ela.

Assim, que venham os ataques, as insinuações, a violência e o ódio que alguns proto-humanos guardam nos cantos mais recônditos de suas almas, se é que ainda as têm. Estou certo de que a Victoria serão carreadas a generosidade, a bondade e, acima de tudo, a força da fé desses anjos da internet.

Victoria, pois, precisa de sua fé, caro anjo virtual. Esta segunda-feira será decisiva. Se o quadro se agravar, será rompida uma cadeia de vitórias que temos tido contra essa síndrome tão demoníaca quanto os autores das violências morais que sofre este pai quando pede aos que têm fé que emprestem um pouco dela a si mesmo.

Espero estar escrevendo sobre política em 24 horas após a publicação deste texto. Se isso ocorrer, a fé – inclusive a fé dos descrentes, porém decentes – terá vencido. Mais uma vez.