Votar redução da maioridade penal transformaria o Congresso em circo
Mais do que impossibilidade jurídico-constitucional, a intenção alardeada por certos partidos de colocarem em tramitação na Câmara Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com o fim de reduzir para 16 anos a idade de responsabilização penal não passa de farsa, de espetáculo cujo objetivo é muito diverso do alardeado.
Por que o Congresso pende para a redução da maioridade penal
Para entendermos o que está acontecendo, voltemos a recente pesquisa Datafolha que deu conta de queda ainda maior da popularidade (avaliações bom e ótimo) do governo Dilma Rousseff, agora em 13%. Essa mesma pesquisa mostrou que a imagem do Congresso é ainda pior, com aprovação de 9%.
É nesse contexto que se insere a tendência da maioria da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados de colocar para tramitar, de uma hora para outra, um texto que está em debate naquela Casa há 23 anos e que jamais prosperou pela pura e simples razão de que é inconstitucional.
Setores da Câmara, portanto, querem fazer média com a população. Outras pesquisas de opinião mostram que cerca de 90% dos brasileiros acreditam no conto do vigário de que reduzir a idade de responsabilização penal reduziria criminalidade.
Desse modo, mesmo com o previsível veto do Supremo Tribunal Federal a uma tentativa de mudança de cláusula pétrea da Constituição, o Congresso passaria à sociedade a ideia de que tentou fazer o que ela queria, o que, supõem esses políticos demagogos, render-lhes-ia dividendos políticos.
O mesmo professor Dalmo de Abreu Dallari que deu entrevista recente a este Blog, entre muitos outros constitucionalistas já tratou desse assunto em várias de suas obras. Eis algumas de suas análises, bem como de outros especialistas, sobre a questão redução da maioridade penal.
Por que uma PEC e não um Projeto de Lei
No Brasil, a imputabilidade penal é fixada a partir dos 18 anos, conforme consta no artigo 228 da Constituição Federal: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos (…)”. Desse modo, só uma emenda à Carta Magna poderia reduzir a idade de imputabilidade penal, o que requer uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Vale comentar que, como a Constituição brasileira é rígida, ou seja, burocratiza e dificulta as tentativas de mudá-la ou emendá-la, qualquer tentativa nesse sentido implicaria em votação em dois turnos nas duas Casas do Congresso, com quórum de aprovação de pelo menos 3/5 (três quintos), nos termos do artigo 60, §2º da Carta Política.
Por que a idade de responsabilização penal é cláusula pétrea
A Constituição reza que há imposições de seu corpo que não podem ser suprimidas ou emendadas, conforme reza o artigo 60, §4º da Constituição Federal, sobretudo quando o tema resvala na segurança jurídica do Estado Democrático de Direito.
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
- 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.”
É no inciso IV que reside a imutabilidade da idade de imputabilidade penal, pois esse preceito se insere nos direitos e garantias individuais.
A maioridade penal, portanto, não pode ser objeto de deliberação pelo Congresso.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), anteriormente, já barrou o tema com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para bloquear a tramitação no Congresso da Proposta de Emenda Constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. O instrumento foi utilizado com base no entendimento de que a medida é inconstitucional, sob o argumento de que a maioridade penal é uma cláusula pétrea da Constituição.
A ação teve o apoio da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude e foi redigida pelo jurista Dalmo Dallari. “Segundo a Constituição, não pode ser objeto de deliberação emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. E não responder criminalmente é direito individual do menor”.
Por que redução da maioridade penal é uma falácia
Não há que ficar puramente na possibilidade legal de o Congresso discutir a redução da maioridade penal. Digamos que fosse uma medida que de fato pudesse contribuir para redução da criminalidade. Ora, em um país com o nível de criminalidade que há no Brasil a sociedade deveria encontrar um meio de mudar até uma cláusula pétrea da Constituição, caso fosse verossímil que tal mudança produziria os efeitos desejados.
Não é o que acontece. Senão, vejamos.
Frequentemente, os defensores da redução da maioridade penal argumentam que se um jovem de 16 anos pode votar, também pode responder penalmente como um adulto. Isso é uma falácia. Nessa idade, o voto não é obrigatório e, o mais importante, a pessoa de 16 anos não pode ser votada, ou seja, não pode se eleger.
Contudo, as principais razões pelas quais não há sentido em reduzir a idade de imputabilidade penal são as seguintes:
1 – Segundo texto do Padre Joacir Della Giustina, da Pastoral do Menor, o último Censo revelou que o percentual de adolescentes infratores no Brasil corresponde a 0,1% da população, ou 20 mil pessoas. Desse contingente, apenas 6 mil cometeram crimes alta periculosidade. Enquanto existem 87 delitos graves cometidos por adultos para cada 100 mil habitantes, existem apenas 2,7 infrações graves praticadas por adolescentes.
2 – Outro argumento bastante usado pelos defensores da redução da maioridade penal é o de que os criminosos adultos usam menores de idade para cometer crimes em seu lugar porque, em caso de serem apanhados, não sofreriam penas tão graves. Isso é uma bobagem extrema porque se estabelecermos a idade penal em 16 anos, os criminosos usarão jovens de 15, 14, 13 anos. Isso se houvesse esse surto de crimes cometidos por menores, o que não é verdade.
3 – Ao colocar aspirantes ao crime para cumprir pena com criminosos seniores, a sociedade estaria aumentando o contingente de criminosos perigosos, já que o sistema penal brasileiro atua no sentido de punir e não de recuperar os que infringem a lei, sempre sob aquele conceito estúpido de que criminosos são irrecuperáveis, o que todos os países mais desenvolvidos já descobriram, há muito, que não é verdadeiro.
4 – A redução da maioridade penal atingiria desigualmente os infratores de diferentes classes sociais. Todos sabemos que não haveria redução igualitária da maioridade penal; essa redução seria efetiva para os mais pobres, os filhos das classes mais abastadas se safariam com bons advogados que o dinheiro pode comprar.
Ao fim, portanto, conclui-se que essa movimentação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é uma farsa que não busca, realmente, reduzir a maioridade penal coisa alguma. Esses deputados da Comissão de Constituição e Justiça estão jogando para a torcida.
O que está acontecendo na Câmara dos Deputados não passa de um espetáculo espúrio encenado com o fim de melhorar a imagem do Congresso, por isso está unificando essa maioria de picaretas que infecta aquela Casa, tudo graças a outra aberração legal, o financiamento privado de campanhas eleitorais.