STF deve tirar do ar reality show do golpe, em cartaz na TV Câmara
O processo de impeachment aberto na semana passada pelo gangster que ora ocupa a Presidência da Câmara dos Deputados faz fé nos baixos índices conjunturais de popularidade do governo Dilma Rousseff, gerados por problemas na economia decorrentes de literal sabotagem e não, como dizem, de má gestão.
Antes de prosseguir, vale explicar que o problema de desequilíbrio fiscal que adentrou 2015 era absolutamente contornável e já poderia ter sido solucionado se politicagem barata e uma visão míope da gestão pública não tivessem sido edificados em torno do problema, impedindo que fosse atacado pelo ajuste das contas públicas proposto pelo governo.
Com a inoperância do Legislativo, fundada em interesses políticos em ver o circo pegar fogo ou de manter o discurso demagógico para “as bases”, o problema foi se agravando e saiu do controle. Ao mesmo tempo, a Operação Lava Jato paralisou o setor mais dinâmico e vultoso da economia, o da construção pesada.
E a maior empresa do país, a Petrobrás.
Mas, voltando à questão do impeachment, a aposta da oposição golpista e de seus braços na mídia, no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal apostam agora na manipulação da opinião pública para encurtarem o tempo constitucional que tem que ser percorrido para que grupos políticos contrários ao PT possam tentar voltar ao poder.
Com expectativas em baixa – e as expectativas ruins sobre a economia são piores do que os problemas reais -, o governo Dilma mergulhou em uma espiral descendente de popularidade e é com isso que conta a direita midiática para manter o terceiro turno da eleição presidencial.
O pedido de impeachment acolhido por Eduardo Cunha na semana passada só pôde ser perpetrado por conta da indisposição conjuntural da sociedade com o governo federal, já que a iniciativa carece dos motivos reais exigidos pela Constituição para que processo dessa magnitude possa ser desencadeado.
A ausência de base constitucional para que tal aventura possa ser levada a cabo desnuda a razão por trás de editorial de um dos vários instrumentos midiáticos à disposição dos golpistas, a Folha de São Paulo. O texto foi publicado na última sexta-feira (4/12) e contém a pretensão de pautar o Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à análise que a Corte fará do que está sendo tentado na Câmara.
Confira, abaixo, a pretensão da família Frias
Não é pouco o que essa empresa pretende; “simplesmente” quer determinar que a Corte Constitucional se exima de suas atribuições e deveres e, pior, que permita que um processo inconstitucional como o desencadeado por Cunha ocorra à luz do dia no formato de um reality show golpista encenado para as câmeras legislativas a ser difundido em rede nacional.
Ao pregar que o STF se exima de analisar o mérito do pedido de impeachment desfechado na semana passada, a empresa Folha da Manhã pretende que o processo por si só golpista se transforme em uma quartelada legislativa ainda mais ilegal, já que tentará se valer da pressão da opinião pública em vez de se basear na lei.
Diante disso, na semana que entra um exército de juristas começa a produzir uma enxurrada de pareceres contra o reality show golpista que querem colocar em cartaz.
Um dos juristas que deverá ter protagonismo nessa reação ao pisoteamento do Estado de Direito ora em curso no país é Luiz Moreira, doutor em direito pela UFMG, professor da PUC RIO e ex Conselheiro Nacional do Ministério Público, com quem este blogueiro tem mantido intensa interlocução e que acaba de produzir um parecer extremamente eloquente, objetivo e que desnuda completamente a ilegalidade do processo que pretende derrubar Dilma Rousseff.
Vale a leitura desse texto demolidor para a pretensão dos golpistas.
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Parecer sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff
por Luiz Moreira
É por todos conhecido o motivo pelo qual Eduardo Cunha deflagrou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Após ser denunciado pela Procuradoria Geral da República, por possuir contas secretas na Suiça, e por constatar que as chances da perda de seu mandato aumentam na proporção em que lhe são atribuídos diversos crimes, ele passou a constranger os poderes constituídos.
A situação é a seguinte: ao invés de se licenciar da presidência da Câmara, Eduardo Cunha segue em sua tentativa de submeter a República a seus caprichos. Se é certo que ainda não foi condenado, também o é que sua condição de denunciado não lhe permite exercer protagonismo político a ponto de deflagrar processo de impeachment, sobretudo quando é inegável que ele se move com o propósito de chantagear, de retaliar a decisão dos deputados federais do PT em admitir, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, processo disciplinar que pode produzir a perda de seu mandato.
Embora Eduardo Cunha não tenha credibilidade nem idoneidade para sugerir a interrupção do mandato presidencial, evidente que esse ato conturba o cenário institucional brasileiro, constituindo-se como golpe parlamentar.
Do ponto de vista estritamente constitucional, o pedido de impeachment se fundamenta na ocorrência de fato que configure crime de responsabilidade. Ainda que o processamento siga regras próprias e o julgamento seja político, trata-se de processo-crime e, como tal, há normas constitucionais que não podem ser mitigadas.
Os fatos que já foram apreciados e tidos como inadmissíveis, pelo presidente da Câmara dos Deputados, não podem ensejar, agora, a deflagração do processo de impedimento e não deveriam sequer ser conhecidos, na apreciação da admissibilidade de novos pedidos, já que se trata de mera reiteração de matéria já deliberada, sendo irrelevantes se embalados por argumentações novas. Ou seja, os mesmos fatos foram apresentados em várias representações e uma vez que esses fatos não se enquadraram como crimes, a questão está encerrada.
Para que houvesse deflagração de processo de impeachment seria imprescindível a ocorrência de fatos novos, o que não existe.
No direito, a reapresentação de fatos já apreciados e devidamente arquivados gera seu não conhecimento, isto é, a mera reiteração do pedido não muda o fundamento da decisão anterior, evidenciando a falta de justa causa quanto aos fatos que já foram objeto de deliberação e que geraram seu arquivamento.
No pedido ora admitido, restaria um único fato novo: aquele apontado pela área técnica do TCU, na questão da suposta manobra contábil no corrente ano de 2015.
Essa suposta manobra contábil passou a ser conhecida como pedalada justamente por ter sido praticada sem a devida autorização legislativa. Havendo lei a autorizar o ato, essa conduta passa a ser legal.
Com a recente aprovação, pelo Congresso Nacional, do PLC 05/2015, com o qual foi deferida autorização para que o Governo adeque suas práticas contábeis à legislação vigente, não há mais falar de contas irregulares ou do cometimento de qualquer ato ilícito. Ou seja, ainda que houvesse fato criminoso, esse crime foi desconstituído pela aprovação de lei pelo Congresso Nacional.
A situação é a seguinte: qual o crime atribuído à presidente Dilma? A prática de artifícios contábeis não previstos em lei. No entanto, ainda que editada posteriormente ao fato tido por crime de responsabilidade, a lei aprovada retroage para todos os efeitos, gerando aquilo que tecnicamente é conhecido como “abolitio criminis”.
Portanto, o único fato novo apontado na representação, e que ensejou a deflagração do processo de impedimento do mandato presidencial, foi agasalhado pela aprovação da nova lei pelo Congresso Nacional.
Desse modo, a chamada pedalada passou a ser atípica, pois sua prática está prevista em lei e isso conduz à falta de justa causa para ensejar processo de impeachment.
Por conseguinte, por absoluta falta de justa causa, deve o STF exercer o controle judicial do ato deflagrado pelo presidente da Câmara e declarar sua inconstitucionalidade, determinando o trancamento do presente processo de impedimento do mandato presidencial.
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No último parágrafo, o jurista referenda a percepção da maioria da comunidade jurídica sobre o processo de impeachment em tramitação na Câmara, que foca justamente no que a Folha de São Paulo não quer, ou seja, no mérito do processo.
O jornal paulista não quer que o STF se debruce no mérito do pedido de impeachment porque esse mérito simplesmente não existe. O editorial supra reproduzido quer a prevalência do político sobre o constitucional, ainda que o primeiro vá de encontro ao segundo.
Como bem mostra o jurista Luiz Moreira, porém, a Constituição impede que um processo de impedimento de um presidente da República seja levado a cabo sem que exista um crime de responsabilidade praticado pela chefe do Executivo Federal.
Ora, que crime de responsabilidade cometeu a presidente? “Pedaladas fiscais”? Isso não pode ser tipificado como crime de responsabilidade. Não existe amparo legal para fazer essa ligação entre uma medida administrativa e um ato criminoso da mandatária.
É por isso que os juristas que a mídia vem tirando do bolso do colete têm se restringido a apontar que Cunha tem prerrogativa de abrir o processo – o que jamais foi questionado – em vez de se concentrarem na constitucionalidade da abertura desse processo.
É por essa e por essa que o jurista Dalmo Dallari declarou na semana passada a esta página que o STF, no frigir dos ovos, em maioria não terá como decidir de forma diferente sobre o impeachment que não seja mandando a Câmara arquivá-lo, já que não detém os requisitos legais para ser levado a cabo.
E, como bem disse Dallari, apesar de haver um ou outro ministro do Supremo que dará uma banana para a Constituição, o colegiado não terá escapatória. Nem querendo poderá afrontar dessa maneira a lei. Seria um escândalo de repercussões internacionais.