Golpistas usam Venezuela para Brasil esquecer a crise
Beira o insuportável a ladainha sobre a Venezuela. Aliás, insuportável não é bem a palavra; indignante seria melhor. As redes sociais estão coalhadas de fascistas que defendem violência policial e repressão a manifestações de esquerda choramingando “cem mortes” que teriam sido causadas pela repressão do governo de Nicolás Maduro.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que é mentira que todos os mortos nos recentes choques na Venezuela sejam todos causados pelo governo. O que acontece na Venezuela decorre de uma estratégia da oposição para gerar o caos e produzir vítimas dos dois lados.
As histórias que relacionam as mortes de venezuelanos a repressão por parte das forças de segurança do país vizinho são os principais elementos da campanha midiática contra o governo.
Desde abril, governo e oposição dividem a culpa pela onda de violência. A verdade, porém, é que por trás das fatalidades há circunstâncias variadas que são todas debitadas ao governo de Nicolás Maduro.
No box abaixo, você pode ver relação parcial dos mortos no país vizinho. Vai ver que muitos deles são governistas e outros nada têm que ver com a luta política e morreram até por causas naturais – apesar de estar em espanhol, é perfeitamente compreensível.
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Das 54 vítimas listadas acima – extraídas das tais cem mortes na Venezuela -, apenas seis têm relação com os agentes de segurança do estado venezuelano. 17 pessoas são funcionários da polícia do estado Carabobo, efetivos da Guarda Nacional da Venezuela (GNB), um policial de Sucre, um policial de Táchira…
E por aí vai.
35 das 54 pessoas listadas morreram por disparo de armas de fogo. Só dois casos ocorreram em choques com a polícia. Todos os outros ocorreram de forma esparsa e as vítimas pertencem a um ou outro lado.
Duas vítimas morreram por outras causas que não disparo de arma de fogo. Uma morreu por ação de uma pistola de disparar pregos, outra foi atingida por um objeto metálico, quatro pessoas pereceram em acidentes de trânsito no local dos conflitos, duas pessoas perderam a direção ao passarem pelas guarimbas (bloqueios) colocadas na pista de rodagem pela direita e faleceram no acidente.
Dentro da narrativa dos “cem mortos” também está incluída vítima que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e não pôde ser socorrida a tempo por conta do bloqueio da rua pelos manifestantes contrários ao governo.
Oito pessoas morreram eletrocutadas ao tentar entrar em uma padaria em El Valle. Três pessoas morreram ao tentar invadir prédios públicos.
O fato é que há um conflito na Venezuela como tantos que há aqui no Brasil. Há pouco tempo, no Maranhão, a Pastoral da Terra, ligada à igreja católica, denunciou um circo de horrores. Indígenas tiveram as mãos decepadas com golpes de facão em um confronto ocorrido no município de Viana, no Maranhão. De acordo com a CPT (Comissão Pastoral da Terra.
Em fevereiro, na segunda maior Terra Indígena (TI) do Brasil, mais uma chacina. Indígenas Kanamari denunciaram, durante um encontro da etnia em junho, um ataque à tribo isolada dos Warikama Djapar, como são chamados pelos Kanamari. O massacre teria vitimado entre 9 e 18 pessoas.
Repressão a manifestantes? Temos para “dar” e “vender” à Venezuela.
A manifestante Deborah Fabri, 19 anos, ferida por bomba da Polícia Militar na manifestação contra o governo Michel Temer na noite de 31 de agosto do ano passado no Centro de São Paulo, perdeu a visão do olho esquerdo.
Montes de manifestantes foram feridos em protesto na Esplanada dos Ministérios em maio. Um perdeu a visão do olho esquerdo. Clementino Nascimento Neto, 35 anos, veio de Goianésia para Brasília só para participar da manifestação e acabou atingido por um tiro de bala de borracha.
Poderia ficar aqui postando casos tão ou mais graves que na Venezuela o dia inteiro e não daria conta de relatar tudo que ocorre aqui que supera milhões de vezes o que acontece no país vizinho, mas para gente intelectualmente honesta é desnecessário.
O que está acontecendo neste momento no Brasil e em vários dos países sul-americanos que caíram na asneira de permitir que a direita tomasse o poder é que os governos reacionários eleitos ou golpistas (como o do Brasil) estão massacrando o povo, roubando direitos consagrados (como os direitos trabalhistas) e usam a Venezuela, que permanece com um governo de esquerda, para vender a povos imbecilizados pela mídia que a situação em países controlados pela esquerda é pior.
Um artigo de autoria de Marcelo Zero, sociólogo, especialista em Relações Internacionais e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI) mostra como as pessoas sabem pouco sobre a Venezuela, em nosso país.
Eis um trecho:
A estrutura social marcada pela desigualdade e a pobreza
Marcelo Zero
Antes do “cruel e ditatorial” governo bolivariano, a Venezuela, o país com a maior reserva de óleo do mundo, tinha 70% de sua população abaixo da linha da pobreza e 40% do seu povo na pobreza extrema. Isso diz tudo sobre os governos anteriores.
Antes do governo de Chávez, em 1998, 21% da população estavam subnutridos. É isso mesmo. No país que, como Celso Furtado escreveu em 1974, tinha tudo para se tornar a primeira nação latino-americana realmente desenvolvida, 1 em cada 5 habitantes passava fome. Essa era a Venezuela dos Capriles, dos López e da “oposição democrática”.
Em relação à saúde pública, é preciso ressaltar que a mortalidade infantil era de 25 por mil, em 1990, quase o dobro da brasileira de hoje (13,8 por mil). Em relação à educação, apenas 70% das crianças concluía o ensino primário e o acesso às universidades era restrito às elites e à pequena classe média.
Além disso, o Estado de Bem Estar venezuelano tinha alcance mínimo. Com efeito, na era pré-Chávez, apenas 387.000 idosos venezuelanos tinham aposentadorias ou pensões. A maioria simplesmente vivia à míngua.
Desse modo, a Venezuela chegava ao fim do século XX com uma contradição gritante e insustentável: apesar das grandes riquezas derivadas da exportação de petróleo, o país convivia com problemas sociais muito graves.
Em 1989, no contexto de uma crise econômica, manifestações populares se multiplicaram por todo o país.
Uma delas, o “Caracazo”, foi duramente reprimida pelo Estado, cujas forças mataram indiscriminadamente entre 1000 e 3000 pessoas. Em muitas ocasiões, as manifestações estudantis foram também reprimidas, tendo sido ordenado o fechamento da Universidade Central da Venezuela, que durou três anos, em 1968.
Durante vários meses, as favelas de Caracas foram cercadas por forças militares e submetidas a toque de recolher.
Entretanto, isso não comoveu muito a “comunidade internacional”, que hoje chora as cerca de 100 vítimas dos embates nas ruas da Venezuela.
Afinal, eram apenas pobres e excluídos sendo submetidos a um regular massacre na América Latina. Em todo caso, já estava claro, na época, que o modelo econômico, social e político plasmado no Pacto de Punto Fijo tinha atingido seu limite.
Pois bem, a eleição de Hugo Chávez, em 1998, se insere justamente no colapso do Pacto de Punto Fijo: para uma população desprovida de sistemas públicos includentes (saúde, educação, moradia, etc.), a plataforma política de Chávez surgiu como proposta sem precedentes na história do país, o que explica, em grande parte, a sua popularidade nas camadas historicamente excluídas do povo venezuelano.
Embora o chavismo não tenha alterado, de forma significativa, a estrutura produtiva da Venezuela, que permaneceu estreitamente dependente das exportações do petróleo, Chávez implodiu as arcaicas estruturas sociais e políticas da Venezuela, bem como a política externa de alinhamento automático aos EUA.
A desigualdade, medida pelo índice de Gini, foi reduzida em 54%. A pobreza despencou de 70,8%, em 1996, para 21%, em 2010, e a extrema pobreza caiu de 40%, em 1996, para 7,3%, em 2010.
O chavismo implantou as chamadas misiones, projetos sociais diversificados e amplos que beneficiam cerca de 20 milhões de pessoas, e passou a criar um verdadeiro Estado de Bem Estar Social na Venezuela. Hoje, 2,1 milhões de idosos recebem pensão ou aposentadoria, ou seja, 66% da população da chamada terceira idade.
Na Venezuela pós-chavismo, a desnutrição é de apenas 5%, e a desnutrição infantil 2,9%.
Após o chavismo, a Venezuela tornou-se o segundo país da América Latina (o primeiro é Cuba) e o quinto no mundo com maior proporção de estudantes universitários.
Em relação à saúde pública, é preciso ressaltar que a mortalidade infantil diminuiu de 25 por mil, em 1990, para apenas 13 por 1000, em 2010.
Atualmente, 96% da população já tem acesso à água potável. Em 1998, havia 18 médicos por 10.000 habitantes, atualmente são 58.
Os governos anteriores ao de Chávez construíram 5.081 clínicas ao longo de quatro décadas, enquanto que, em apenas 13 anos, o governo bolivariano construiu 13.721, um aumento de 169,6%. Barrio Adentro, o programa de atenção primária à saúde que recebe a ajuda de mais de 8.300 médicos cubanos, salvou cerca de 1,4 milhões de vidas.
(…)
Claro que Nicolás Maduro é despreparado para o cargo que assumiu. Se Hugo Chávez estivesse vivo a direita não teria conseguido colocar o país em pé de guerra, assim como a direita brasileira não teria conseguido dar o golpe se Lula estivesse no poder – Dilma foi ingênua e não soube segurar a base aliada. Mas os exageros são inaceitáveis.
Tudo nesta vida tem dois lados, inclusive a questão venezuelana. Mas na mídia brasileira você só vê um lado, porque aos golpistas – ora divididos – interessa que você pense que o Brasil está ruim com a direita, mas onde a esquerda governa a situação está pior.
Conversa fiada. É sabotagem o que está afundando a Venezuela.
Pouquíssima gente no Brasil sabe dos fatos que este post elenca sobre a Venezuela. A rede de mentiras da direita local é tão eficiente que até gente boa da esquerda está caindo na balela da mídia venezuelana, autora da tentativa de golpe de 2002 no país vizinho. Para que a verdade seja conhecida, você tem que se dispor a compartilhar estas informações.
A verdade e a justiça contam com você.
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