Engenheira alimentar da Unicamp detona ração de Doria para pobres

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Comer é um Ato Político, Social, Cultural

Um apanhadão de informações, ressalvas e a minha

opinião sobre o Projeto Alimento para Todos

No dia 6 de outubro, a Prefeitura de São Paulo publicou release anunciando o lançamento do Projeto Alimento para Todos. Eu li a notícia alguns dias depois e, através das redes sociais e da mídia, acompanhei tanto a reação popular quanto o posicionamento de alguns profissionais sobre o assunto.

Eu sou formada em engenharia de alimentos pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (FEA/Unicamp). Isso, obviamente, não significa que sou especialista em nutrição; também não sou acadêmica da área, não sou especialista em políticas públicas ou jornalista (então já peço perdão pela minha tentativa desajeitada de fazer esse texto).

Por outro lado, a relação da sociedade com a comida é um assunto que me interessa, é um assunto sobre o qual leio bastante (conteúdo acadêmico e não acadêmico) e, não encontrando comentários sobre alguns pontos periféricos a respeito do tópico, achei que minha formação dentro da área me dava substratos suficientes fazer considerações adicionais sobre o programa.

Escolhi fazer os comentários em uma sequência de posts no Twitter, a rede social que mais uso ultimamente.

Em reação a essa sequência, outras opiniões e dúvidas surgiram e, acolhendo a sugestão de alguns comentários, resolvi estender um pouco o raciocínio nesse artigo.

Como produzir alimentos e disponibilizá-los de maneira digna aos bilhões de habitantes do planeta não são processos simples (o que, pra mim, deveria ser óbvio, né?), achei que eram muitos os pontos da política da Prefeitura que mereciam comentários.

Pra organizar melhor esse texto, resolvi separar os tópicos em conjuntos de perguntas e respostas. Usei hiperlinks, mas coloquei alguns prints lá embaixo do artigo pra facilitar. Os prints são referenciados pela sequência numérica entre parênteses no meio do texto.

Como já comentei, não sou especialista no assunto. E, ainda que fosse, o fato é que essa é uma medida polêmica — e, como tal, é de se esperar que não haja consenso (não integral, pelo menos) sequer dentro da comunidade acadêmica. Então, como o subtítulo do artigo já esclarece, aos fatos compilados eu acrescentei a minha opinião pessoal sobre o assunto.

> O que é o Allimento e/ou a farinata? As nomenclaturas e definições envolvidas no projeto estão meio confusas, pelo menos nessa primeira análise que eu fiz. O termo Allimento é definido no release da Prefeitura como um “granulado nutritivo”(1), que eu suponho ser o pellet de formato esférico que aparece no vídeo publicado no Twitter oficial do prefeito (anexado ali embaixo). No site da Plataforma Sinergia, instituição com a qual a Prefeitura fechou a parceria para produção do granulado segundo o mesmo release, o termo “Allimento” não aparecia em lugar nenhum no dia em que escrevo esse artigo (15 de outubro). O termo utilizado é “farinata”, definido como “nutrição de emergência” (2). Novamente, só me resta supor que Allimento e farinata não são a mesma coisa (porque o nome farinata me remete mais a uma farinha do que um granulado), mas são correlatos. Farinha É um granulado, tá, que fique claro. Mas o granulado do vídeo definitivamente não é uma farinha, então eu suponho que o granulado do vídeo é feito da farinha, ou é uma outra forma de apresentar o mesmo composto de que é feito a farinha. Mas eu volto a falar sobre as formas com que eu entendi que o Allimento será disponibilizado em outro tópico.

 

> Mas nutriente (ou granulado nutritivo, ou nutrição de emergência) é a mesma coisa que alimento? Não vou declamar aqui as definições técnicas das palavras, mas obviamente alimento não é só nutriente. Pra ser considerado um alimento, uma “coisa” deve ter muitos outros atributos além de nutrientes— pra começar, precisa ter textura e sabor (que é formado por gosto mais aroma). Se alimento fosse só nutriente, qualquer doente no hospital poderia ser alimentado via sonda gástrica, por exemplo. Seria muito mais fácil, mais eficiente e até mais seguro do que produzir refeições específicas pra necessidade de cada paciente. Acontece que privar uma pessoa do ato de comer no sentido pleno — sentir a textura, o gosto, o aroma — é, basicamente, reduzir essa pessoa a um objeto, e é por essa razão que os hospitais possuem departamentos inteiros (ou contratam empresas terceiras) que se dedicam a produzir alimentação digna para todos os tipos de pacientes, considerando inclusive particularidades nutricionais (baixo sódio no caso de hipertensos, baixo nível glicêmico no caso de diabéticos, tal). Na sequência de tuítes eu falo que é reduzir gente a bicho, mas na realidade até as rações animais são produzidas considerando as necessidades sensoriais dos animais (falo mais sobre a preocupação da engenharia de alimentos com propriedades sensoriais em outro tópico). Depois que escrevi a sequência, lembrei inclusive de uma reportagem da revista Superinteressante sobre um “alimento” desenvolvido nos EUA pra ter alta carga nutricional, porém sabor totalmente neutro. O intuito era servir essa coisa nas prisões como… castigo. Alguns presos inclusive processaram o estado por tortura. (Eu NÃO estou afirmando que o Allimento e esse negócio desenvolvido nos EUA são a mesma coisa, são parecidos ou coisa do gênero. Não são.)

> O Allimento é feito de lixo? Pesquisei um monte, conversei com pessoas que pesquisaram e também vi relatos soltos de pessoas alegando que está realmente difícil de encontrar detalhes mais técnicos sobre a produção do Allimento/farinata. Dentre esses detalhes não esclarecidos, está o tipo exato de matéria prima usada pra produção do granulado. No site da Plataforma Sinergia, menciona-se “todo tipo de alimento” (3)No release da Prefeitura, menciona-se “todos os tipos de alimentos de boa qualidade” (4)Nesse áudio da CBN, menciona-se “ restos de alimento perto de vencer como feijão, arroz, batata e tomate”. Mesmo sem saber exatamente que tipo de alimento é utilizado, vale dizer aqui que eu acredito que o Allimento não é feito de lixo, de coisas estragadas ou impróprias pra consumo — o que seria um crime, inclusive. Muitas vezes, na indústria de alimentos, o termo “resíduo” se refere a subprodutos do processo principal. Esse subproduto pode ser algo que é, de fato, impróprio pra consumo, mas pode também ser algo que será destinado a outro tipo/setor da indústria pra dar origem a outro produto. Um exemplo: a manteiga é considerada um subproduto da fabricação de leite padronizado — no processo de padronização do leite, parte da gordura é retirada e, depois, é processada em forma de manteiga. Então não, eu não acho que o Allimento é feito de lixo. E eu falo um pouco mais sobre o reaproveitamento de resíduos e subprodutos da indústria de alimentos em outro tópico.

> Foi o Dória que inventou o Allimento ou a farinata? Claro que não. Seria esquisito em vários níveis que o Dória tivesse sido o autor da ideia. Uma porque ele não tem formação técnica, e outra porque ele está na Prefeitura de São Paulo há menos de dez meses e naturalmente nenhum projeto envolvendo a invenção de um novo alimento teria tempo hábil pra ter sido criado nesse tempo. Então foi o vereador Gilberto Natalini que inventou o Allimento? Também não. O vereador propôs o projeto de lei PL 0550/2016, cujas diretrizes foram utilizadas no Projeto Alimento para Todos, depois de anos de trabalho junto à Plataforma Sinergia. Ainda assim, não encontrei nada sobre Natalini propondo o granulado Allimento ou algo similar. Inclusive, essa reportagem do Estadão afirma que Natalini “defendeu o programa, mas não apresentação do granulado” (esse ponto é importante e vou destrinchar logo no próximo tópico). Mas também volto a falar sobre a divulgação e creditação desse projeto mais pra frente.

> Mas e aí? A Prefeitura vai distribuir a Allimento ou a farinata? Ou os dois? Essa é uma outra coisa que não parece muito clara no material oficial de divulgação do projeto. Analisando o release da Prefeitura, eu entendo que é só o Allimento que será distribuído “pronto para consumo”, tipo um snack (5) — concluo isso, principalmente, porque eu entendo que farinha não é algo pronto pra consumo; o granulado, por sua vez, pode ser. No vídeo publicado pelo Dória, ele oferece o granulado para os repórteres, prova e diz que é parecido com biscoito de polvilho, o que reforça essa minha impressão. O mesmo release diz que ele também “pode ser simplesmente adicionado às refeições” (ou seja, entendo que é tipo comer junto com o arroz ou feijão como se fosse farofa), “mas também é possível fabricar outros alimentos, como pães, snacks, bolos, massas e sopas” (5). Então, primeira coisa que é importante destacar aqui: ninguém disse que a ideia é substituir TODA a comida das pessoas beneficiadas pelo projeto por isso. Mas tampouco acho que não há problemas nesse modo de disponibilizar nutrientes. Já falo mais disso logo ali embaixo, porque antes preciso falar sobre…

> …Quem receberá o Allimento? Segundo o release da Prefeitura, o produto será distribuído para “populações que vivem em situação de insegurança alimentar, como as que são atendidas nos equipamentos sociais da Prefeitura” além de dizer que “o Allimento também será um dos itens disponibilizados nas cestas básicas distribuídas pelos Centros de Referência de Assistência (CRAS) para famílias em situação de risco e vulnerabilidade social.” Ou seja, o Allimento será destinado ao consumidor final (através da cesta básica) e também a órgãos e instituições que atendem pessoas em situação de segurança alimentar.

> Tá, mas qual é a importância das duas respostas acima? A importância principal de saber esses dois pontos remete diretamente à diferença entre nutriente e alimento que eu expliquei lá em cima. Eu tive uma conversa longa com a Andreia Freitas, que pesquisou um monte de coisa sobre o assunto (inclusive, falou diretamente com o vereador Gilberto Natalini). Toda essa discussão e a visão da perspectiva dela sobre os pontos positivos do projeto me fez chegar à conclusão que de fato esse é um dos pontos chave que torna a proposta, pelo menos conforme apresentada nesse momento, inadequada e insensível — embora algumas coisas criticadas (como o uso de resíduos para fabricação) não seja TOTALMENTE inadequado, conforme apontando muitíssimo bem pela Andria. Ela fala de outros tópicos importantes que já mencionei ou vou tangenciar aí pra frente, mas vale uma lida na sequência dela, que deixo ali embaixo. Mas, em resumo, é o seguinte: disponibilizar um granulado liofilizado feito de matérias primas variadas (inclusive, variando de lote a lote) direto pro consumidor final é, de maneira geral, fornecer ração para a população. (Ou até pior, se considerar que produtores de ração têm comprometimento na adequação sensorial do produto). É fornecer nutrientes sem ter preocupação alguma com os aspectos sensoriais do alimento, o que dirá aspectos culturais, sociais e políticos (sobre os quais falarei melhor na conclusão desse artigo). A mesma deficiência de informações quanto à matéria prima exata usada pela Plataforma Sinergia acontece em relação ao sabor, aroma e outras características sensoriais do Allimento. Tem sabor? Tem aroma? Tem textura adequada? Considerando que o produto é liofilizado, meus conhecimentos técnicos me permitem afirmar que a textura é sofrível e que sim, compostos de aroma e sabor são invariavelmente retidos, em maior ou menor quantidade, no produto final. Esse sabor e aroma são aceitáveis? Aí é difícil saber, principalmente considerando o que já foi mencionado à respeito da variabilidade da matéria prima. Mas porque isso não é necessariamente verdade no caso do fornecimento da farinata como ingrediente da produção de alguns preparos?

 

> E se a farinata fosse ingrediente da produção de preparos? Estaríamos, sem dúvida, falando de uma outra circunstância, ainda que eu acredite que muitas ressalvas precisem ser feitas. De novo, há pouquíssima informação disponível sobre os estudos feitos a respeito da aplicação da farinata (se você tiver alguma informação palpável ou oficial, gostaria muito de ler). Mas a questão é que o enriquecimento de alimentos com subprodutos para suplementação nutricional é uma política antiga, digna e muito aceitável… contanto que os aspectos sensoriais sejam considerados, tanto quanto os aspectos nutricionais. Esses aspectos incluem testes que validem coisas como: em qual concentração o composto (no caso, farinata) pode ser utilizado dentro de uma formulação sem causar sabor/odor desagradável? O composto (no caso, farinata) pode perder algum tipo de propriedade nutricional se o preparo passar por tratamento térmico posterior (por exemplo, no caso de um bolo que será colocado no forno, ou uma sopa que será fervida)? Algum composto presente pode ser degradado nesse mesmo processo térmico pra produzir compostos com aroma e sabor desagradáveis? Essa indagação simples toca no outro ponto que mencionei ali em cima: quem prepararia essas formulações? Instituições que serviriam os preparos para os atendidos, ou os próprios atendidos? Em qualquer uma das alternativas, o projeto propõe treinamento para observação dos pontos que eu mencionei logo acima? No item de “alternativas” ali embaixo, quero mencionar alguns exemplos de enriquecimentos que foram considerando essas preocupações.

> Não existem outras alternativas? Se existem, porque elas não são colocadas em prática? Existem alternativas à implementação desse projeto da maneira com que ele foi apresentado nesse momento? Sim, muitas. E por que elas não são colocadas em prática? Primeiro de tudo: muitas alternativas já são colocadas em prática por aí. Há bancos de alimentos, há programas de redistribuição de alimentos, há programas de conscientização contra desperdício, há programas de doações (em esfera municipal, estadual, mundial até). Não tem nem como listar todas as “modalidades” de projetos cujo objetivo é fornecer alimentos pra quem não tem condição de comprá-los, tantas são as opções. Como mencionei no tópico acima, o enriquecimento nutricional de alguns produtos é uma modalidade que a engenharia de alimentos pesquisa há MUITO tempo. Eu mesma, que não sou acadêmica, participei de uma iniciação científica quando estava na faculdade cujo intuito era descobrir a melhor maneira de secar o subproduto da fabricação de leite de soja para suplementar biscoitos, macarrões e outros produtos com a farinha seca. Se você tiver interesse em ler a pesquisa, a dissertação de doutorado do meu orientador está disponível aqui, de graça. Mas essa pesquisa, assim como pesquisas sérias, faz uma extensa pesquisa bibliográfica sobre a aceitação sensorial desses produtos (item 2.1.1 da dissertação, que começa na página 9). Essa é UMA pesquisa de UMA universidade. Outra modalidade de alternativa é: trabalhar a logística e os processos de distribuição de alimentos para que menos alimento adequado para consumo se perca, e possa ser redirecionado ainda fresco (ou seja, sem ter que processar em qualquer outra coisa). Segundo um estudo da FAO/ONU mencionado nessa reportagem do Valor Econômico, “ No Brasil, quarto maior produtor mundial de alimentos, 50% do estoque se perde na cadeia de distribuição” (isso em 2014, mas é razoável considerar que, provavelmente, esse problema ainda existe). Outra razão pela qual algumas dessa alternativas não são colocadas em prática é o cabo de guerra político em que se encontra o país (há anos, inclusive, não só nesse momento). É óbvio que uma política pra solucionar o desperdício de 50% do alimento produzido dentro do Brasil não é algo simples que pode ser implementado em um mandato de quatro anos (quem dirá em dez meses). Assim sendo, é uma política que precisa ser implementada com a consciência da apresentação de resultados a longo prazo, provavelmente em mandatos que não necessariamente pertencerão ao mesmo partido. E aí, não é preciso ser especialista em ciências políticas pra entender o quanto esse “detalhe” torna esse tipo de política “inviável”.

(A sequência de tuítes abaixo foi comentada na minha postagem original a respeito dessa questão):

 

> Mas não é melhor comer o Allimento (mesmo com as considerações acima) ao invés de não comer nada? Bom, ideia do tópico acima era deixar claro que a “comer nada” não é a única alternativa a consumir o Allimento. Ainda que fosse, eu acho válido reforçar que essa seria um opção abaixo do ideal mesmo em cenários de guerra ou em países com problemas nacionais de produção e distribuição de alimentos (que, obviamente, não é o caso do Brasil). Então não acho que esse seja um argumento plausível, em especial porque — como mencionado no release — o Allimento não será suprido como única fonte nutricional, o que pressupõe que as pessoas que serão atendidas pelo projeto já não estão privadas de QUALQUER tipo de alimentação.

> E a parte burocrática desse projeto? Outro tipo de discussão levantada pela Andreia Freitas e pela Eva Uviedo, no Twitter, é toda a questão burocrática relacionada à produção de alimentos. Em termos técnicos: qual o tipo de aval e controle que órgãos como a ANVISA e o MAPA tem (ou deverão ter) sobre a produção desse alimento? Em termos políticos: como foi o processo licitatório que levou à contratação da Plataforma Sinergia para fornecimento do Allimento? (Vale ouvir todo o áudio da CBN que já mencionei, uma vez que ele inclusive afirma que a Plataforma Sinergia nunca produziu o composto em escala — apenas em quantidades pequenas para fornecimento de amostras, algo que eu considero, no mínimo, preocupante). Eu acrescentaria ainda questões “secundárias” que não foram consideradas em uma proposta que sugere misturar “todos os tipos de alimentos de boa qualidade”, como (pra mencionar um): há algum tipo de preocupação com alimentos alergênicos? A produção tem rastreabilidade suficiente pra garantir que uma pessoa com alergia severa a algum tipo de alimento (algumas nozes ou crustáceos, por exemplo) não venha a ingerir resquícios desse composto no Allimento?

> Bônus: o Allimento é tão bom que é igual comida de astronauta? Vou me controlar pra não rir aqui. Vamos lá. Não. O Allimento é um produto liofilizado. Liofilização é um processo de secagem em que a água dos alimentos é retirada por sublimação, a baixas temperaturas. Sem água, o produto se torna muito mais estável e, portanto, pode ser estocado sem estragar por mais tempo. Retirar a água por um método que não exige o aquecimento do produto (que é o caso da secagem com ar quente, por exemplo) tem a vantagem de não causar a degradação térmica de alguns nutrientes/compostos. Agora, a liofilização é um processo SUPER comum. O seu café instantâneo, muito provavelmente, foi produzido através de liofilização (um modo de tornar o café instantâneo sem perder o aroma, um composto que é instável a altas temperaturas). A comida da NASA é liofilizada? Algumas, sim, mas a própria NASA diz aqui nesse artigo (em inglês) que, hoje, há diferentes tipos de alimentos “a bordo”, porque a comida liofilizada (freeze-dried food) apresenta algumas limitações (quem não lê em inglês, pode ler esse artigo do Tecmundo sobre comida de astronauta). Além disso, a comida geralmente é reidratada. Mas mesmo que o Allimento fosse exatamente igual à comida de astronauta, eu gostaria de destacar aqui que esse é o tipo de comida que os astronautas comem exclusivamente porque é um dos únicos tipos viáveis de alimentos pra missões espaciais. Não é por opção, e definitivamente não é porque é uma comida melhor. Então, meu ponto é que eu sinceramente não entendo porque o prefeito usa esse argumento pra complementar a defesa do Allimento.

> Conclusão: o problema dessa proposta é que comer não é só se nutrir. Comer é um ato político, social e cultural — mesmo em situações extremas. Pelo tamanho desse textão, já deu pra entender que comer não é algo simples. Tampouco descobrir como alimentar dignamente milhares, milhões ou bilhões de pessoas. Todos os seres humanos devem ter o direito de comer — algo digno, em QUALQUER circunstância. Devem ter o direito de escolher o que comer, e não “todos os tipos de alimentos de boa qualidade” misturados indiscriminadamente. A cultura e dignidade tenta surgir no âmbito alimentar mesmo quando a situação é tão extrema que dói. No Haiti, cuja população noticiadamente se alimentava de biscoitos de terra (com sal, para tornar o biscoito palatável), em uma das maiores demonstrações da triste miséria humana, tratou de encontrar uma maneira de transformar essa mazela em aspecto cultural — um modo de procurar dignidade, talvez. Além disso, acabar com a fome é uma das maiores preocupações da humanidade (ou daqueles preocupados o bem-estar dela) há muito tempo. A indústria de alimentos tem propósitos capitalistas duvidáveis, muitas vezes, mas (por sorte) alimentar o maior número de pessoas possível é um objetivo que não vai contra a finalidade do capitalismo, que é ganhar o máximo de dinheiro possível. Além disso, há toda uma força (dentro e fora da academia da área) que tem posicionamentos sociais que direcionam forças para soluções aceitáveis que possam alimentar de maneira digna pessoas que não podem pagar por essa alimentação. É inocência acreditar que ninguém nunca pensou em pegar resíduos (cuja destinação é um problema das indústrias que é reduzido com a medida), liofilizar sem maiores cuidados e disponibilizar como alimento final. O que deve despertar desconfiança quando for apresentado como uma solução para a fome de uma das maiores cidades do país.


A ideia é ir editando esse post com comentários e novas informações, então sinta-se a vontade pra comentar aí embaixo caso saiba de alguma informação que desconheço.

Aos interessados em se aprofundar no assunto, recomendo os livros do jornalista americano Michael Pollan. Apesar de não abordarem o caso da fome no Brasil, livros como “O Dilema do Onívoro”, “Cozinhar” e “Em Defesa da Comida” dão uma ideia da complexidade relacionada ao ato de produzir, processar e distribuir alimentos no mundo em que a gente vive.