Cientista de Yale diz parecer que Lava Jato só queria Lula

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Susan Rose-Ackerman é professora de direito e ciência política na Universidade Yale (EUA) e pesquisa a corrupção no mundo. Em entrevista, ela deixa ver como, fora do Brasil, veem Lula como perseguido político: sutilmente, critica a Lava Jato por parecer que seu único objetivo era o petista

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FOLHA DE SÃO PAULO

19 de abril de 2018

Ofensiva contra a corrupção no Brasil não pode ser seletiva, diz professora

Especialista de Yale, Susan Rose-Ackerman diz que não pode haver percepção de que Lava Jato é contra Lula

19.abr.2018 às 2h00

Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO

A ofensiva anticorrupção no Brasil é necessária, mas é preocupante a percepção de que a Justiça está sendo seletiva.

Esse é o alerta de Susan Rose-Ackerman, professora de direito e ciência política na Universidade Yale (EUA), que pesquisa a corrupção no mundo.

A professora de Yale e especialista em corrupção Susan Rose-Ackerman – Fabio Braga – 11.ago.2016/Folhapress
Segundo ela, para que se mantenha a credibilidade da luta contra corrupção, as investigações precisam continuar após a prisão de Lula.

“Espero que não diminuam o ritmo de prisões e condenações, isso passaria uma mensagem muito problemática de que o alvo real de toda operação era Lula, e não o problema generalizado da impunidade para os políticos mais poderosos.”

Qual é o significado da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Susan Rose-Ackerman – A ofensiva anticorrupção no Brasil é importante e necessária, mas é preocupante a percepção de que Lula está sendo discriminado em relação a outros políticos que também estão envolvidos em casos de corrupção, como o presidente Michel Temer. Existe uma imagem de que a Justiça está sendo seletiva, em vez de estar tratando todos de forma igual, independentemente da posição. Daqui para frente, é importante que as investigações se mantenham, disso depende o desenvolvimento da democracia no Brasil.

O que precisa ser feito para que se mantenha a credibilidade da luta contra a corrupção?

Espero que não diminuam o ritmo das prisões e condenações, isso passaria uma mensagem muito problemática de que o alvo real de toda operação era Lula, e não o problema generalizado da impunidade para os políticos mais poderosos.

É necessário manter a confiança na Justiça e na luta contra a corrupção, mas também manter a confiança no futuro democrático do Brasil. Há outros líderes políticos, além de Temer e Lula, envolvidos nos casos de corrupção, e não seria uma boa ideia que juízes agissem como políticos.

Se os juízes e promotores querem manter a credibilidade da luta contra corrupção, eles precisam ser imparciais e dar prioridade a grandes acordos.

No entanto, eles também precisam apoiar reformas políticas que diminuam os incentivos para os políticos se envolverem em grandes esquemas de corrupção. Senão, eles ficarão com a imagem de que querem apenas destruir tudo, e não ajudar o sistema a se recuperar.

A senhora acredita que o julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF e a condução da operação pela justiça foram politizados?

Os promotores têm tentado ser cuidadosos e estão comprometidos para responsabilizar pessoas que normalmente ficam impunes. Mas fico muito preocupada que as denúncias contra Temer não tenham ido para frente, talvez não seja um problema de indivíduos terem dois pesos e duas medidas, mas sim de o sistema não ter sido capaz de responder de forma eficiente.

Daqui para frente, é uma boa ideia não focar tanto indivíduos, mas sim interações do governo com o setor privado e da sociedade que produzem tanto a pequena corrupção do dia a dia das pessoas como grandes esquemas em licitações e campanhas eleitorais.

Existe um problema estrutural da multiplicidade de partidos no país e da necessidade de criar coalizões, que seria um incentivo para corrupção porque exige contrapartidas. Sem reformar isso, será muito mais difícil combater a corrupção.

Há ex-presidentes presos no Peru, no Brasil, e muitos sendo investigados por corrupção em outros países da América Latina. Trata-se de uma tendência na região de maior empenho no combate à corrupção e na responsabilização?
Sim, acho que podemos falar em tendência não apenas na região, veja o que aconteceu na África do Sul com o ex-presidente Jacob Zuma. Fico esperançosa com o fato de as pessoas comuns não mais tolerarem corrupção em grande escala.

Alguns economistas argumentam que, em certos países, um pouco de corrupção é inevitável e até necessário. O que a senhora acha?

O problema é entender e corrigir os gargalos que “criam a necessidade” de propinas e subornos para conseguir fazer as coisas. Se não houver fiscalização e combate à corrupção, isso dá incentivos para funcionários públicos criarem mais gargalos e burocracia para poderem extrair contrapartidas, gerando um círculo vicioso. Esse pouquinho de corrupção deixa de ser uma graxa que faz as engrenagens do sistema funcionarem para se tornar a areia que o emperra.