Slogan de Temer sobre voltar 20 anos em 2 é ato falho ou confissão?
Ao ver o slogan de convite enviado pelo governo Temer para evento no Planalto – “O Brasil voltou, 20 anos em 2” -, a primeira reação de qualquer pessoa é de incredulidade diante de uma incompetência que consegue transformar gastos bilionários – e inúteis – com publicidade de um produto péssimo em propaganda auto depreciativa das mais precisas e eficientes.
Temer mandou recolher convites que seu governo enviou contendo essa frase, a qual pretendia dizer que o Brasil estaria “de volta” – não se sabe de onde – e que operou, em 2 anos, realizações que levariam 20 anos se o autor não fosse a quintessência da capacidade administrativa. Contudo, essa entra – para ficar – no anedotário verde-amarelo.
Nesse contexto, vale ler crônica sobre o caso publicada em um jornal paulista
*
FOLHA DE SÃO PAULO
16 de maio de 2018
Slogan ‘O Brasil voltou, 20 anos em 2’ implora para ser interpretado como ato falho
Problema é que ‘voltar’ tem carga semântica de retroceder, retornar ao passado
SÉRGIO RODRIGUES
A nova trapalhada de comunicação do governo Temer é tão perfeita que implora para ser interpretada não como tropeço banal, fruto de incompetência ou desatenção, mas como ato falho.
O ato falho é uma categoria psicanalítica de deslize, sobretudo verbal, descrita por Sigmund Freud. Sendo, em tese, a manifestação involuntária de algum desejo reprimido, o ato falho se caracteriza por revelar uma verdade oculta sobre quem o comete.
Não é possível afirmar que o governo Temer deseje, no fundo, confessar ao país de forma suicida um pacto com o retrocesso. No entanto, a frase “O Brasil voltou, 20 anos em 2” sugere exatamente isso.
Como foi comentado à exaustão nas redes sociais, trata-se de uma formulação dividida em duas partes e separadas apenas por frágil vírgula. Esta, sozinha, fica encarregada de impedir que se imponha a leitura desastrosa: “O Brasil voltou 20 anos em 2” transforma em retrocesso o que pretendia ser citação do ufanismo progressista de JK.
4 7
Michel Temer
Minha Folha
Voltar Facebook Whatsapp Twitter Messenger Google Pinterest Linkedin E-mail Copiar link
https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/1593055892233320-michel-temer-de-cabelo-novo#foto-1593056255600513
Loading
Até aí, poderia ser só mais um episódio de piada pronta num governo que lançou a plataforma “Uma Ponte para o Futuro” ao mesmo tempo que reintroduzia na agenda pronominal brasileira uma peça de museu chamada mesóclise.
Examinado de perto, contudo, o slogan natimorto do aniversário de dois anos do governo Temer revela outros problemas além da vírgula. Sua primeira parte já é estranha: “O Brasil voltou” é uma mensagem obscura que exigiria explicações. Voltou de onde? Quando o Brasil terá saído para dar uma volta, no início da era PT ou no governo Dilma?
Supõe-se que a ideia marqueteira fosse a de ecoar uma frase como “O campeão voltou”, entoada nas arquibancadas para saudar uma recuperação esportiva espetacular. O campeão andava adormecido, combalido, temporariamente por baixo, mas voltou. Retornou. Está outra vez entre nós.
O problema é que o verbo “voltar” tem uma parte pelo menos tão grande de sua carga semântica comprometida com ideia bem diferente: a de retroceder, retornar ao passado. Não ressurgir no presente de forma gloriosa, como o tal campeão redimido, mas involuir, recuar a uma condição que se julgava superada. Entre a conotação positiva e a negativa, pode-se dizer que o verbo se divide meio a meio.
A leitura correta vai depender dos outros elementos da frase, e aí entram os tais “20 anos em 2”. Seguido de uma medida de tempo, qualquer uma, o verbo “voltar” vai ser sempre lido como indicador de retorno ao passado. Mesmo que, em vez de vírgula, houvesse entre as duas partes um ponto, um travessão ou um muro construído por Donald Trump. A vírgula é fraca, mas inocente.
Grosseiro demais até para os padrões de comunicação de um presidente que lamenta nas redes sociais a morte do cineasta Roberto Farias dizendo que ele dirigiu “Toda Nudez Será Castigada”, o slogan dos “20 anos em 2” só fica menos inexplicável quando compreendido como um ato falho escandaloso. A menos, claro, que se jogue na mesa a carta da sabotagem.