Após o golpe: mortes violentas disparam e Polícia mata mais
A taxa de mortes violentas intencionais no Brasil atingiu 30,8 para cada 100 mil habitantes no ano passado, quando morreram dessa forma 63.880 pessoas em todo o país, um avanço de 3% em relação às registradas em 2016. Isso representa um total de 175 assassinatos por dia no país. O índice de 2017 foi o maior da série histórica, iniciada em 2013.
No ano passado, disparou também a quantidade de mortos pela polícia. Foram 5.144 em 2017, uma média de 14 mortos por dia, um avanço de 20% em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, o número de policiais mortos recuou 5%. Foram 367 no ano passado.
A taxa de estupros subiu 8%, com 60.018 casos, e a de mulheres assassinadas, 6%, com 4.539 vítimas no ano passado.
Todos esses dados do panorama da violência em 2017 aparecem em levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização de pesquisadores da área e que compila estatísticas de secretarias estaduais de segurança e das polícias Civil e Militar de todos os estados.
O critério para a soma de mortes violentas intencionais inclui homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, mortes de policiais em confrontos e mortes decorrentes de intervenções policiais.
Segundo o fórum, o conceito é considerado um indicador mais avançado para medir a violência no país em relação somente aos homicídios dolosos, por exemplo, comumente divulgados por estados. O somatório de mortes violentas intencionais é feito desde 2013 —por isso, não é possível comparar com os balanços dos anos anteriores.
O estado mais violento do país, segundo o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado nesta quinta-feira (9), é o Rio Grande do Norte, com 68 mortes a cada 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional. O estado foi palco de massacre em janeiro do ano passado no presídio de Alcaçuz, quando uma disputa de facções deixou 26 mortos. Também tem uma polícia sucateada, que, em dezembro do ano passado, decretou greve, fazendo subir também casos de arrastões, roubos e assassinatos.
Na sequência, aparecem Acre (com 63,9 casos a cada 100 mil habitantes) e Ceará (59,1), ambos na rota do tráfico de drogas. O Rio de Janeiro, sob intervenção federal na segurança pública há seis meses, aparece na 11ª colocação, com 40,4 mortes por 100 mil habitantes, alta em relação à taxa de 37,6 registrada um ano antes. Pernambuco, Acre e Ceará foram os estados que tiveram maior aumento de mortes em relação ao ano anterior.
As capitais são, em média, mais violentas. Elas têm juntas uma taxa de 34 casos por 100 mil habitantes. As que têm mais mortes são Rio Branco (83,7 mortes por 100 mil pessoas), Fortaleza (77,3) e Belém (67,5).
Os dados de 2017 colocam o Brasil entre os países mais violentos do mundo. Balanço do Banco Mundial de 2015 (dados mais recentes) mostra, que naquele ano, o país teve 26,7 mortes por 100 mil habitantes, em sexto lugar entre os países mais perigosos, atrás apenas de El Salvador, Honduras, Venezuela, Jamaica e Trinidad e Tobago.
Nos EUA, por exemplo, a taxa foi de 4,9, e na União Europeia, apenas 1 a cada 100 mil. Entre países mais próximos, a situação não é animadora: a taxa na Argentina foi de 6,5. No México, 16,3.
“O modelo pelo qual o país opta na segurança pública faz muitas vítimas. Quando você opta pelo confronto, você gera resultados devastadores”, avalia o diretor-presidente do fórum, o sociólogo Renato Sérgio de Lima. “O Brasil está lidando com o problema com receitas da primeira metade do século passado.” E exemplifica: a legislação que regula polícias é de 1983, anterior à Constituição. As normas dos inquéritos policiais, de 1871, da época do Brasil Império. O Código Penal, dos anos 1940. E a lei de Execuções Penais, de 1984.
A socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do fórum, concorda: “Governos fizeram opção de investir em policiamento ostensivo, à margem das investigações”, diz ela, ao destacar que apenas 8% dos homicídios no país são esclarecidos, segundo o último dado disponível, de 2012. “E são polícias que produzem muitas mortes e que têm morrido muito”.
“A gente vive de apagar incêndio. A atuação na área da segurança pública não tem sido efetiva porque o cobertor é curto”, diz Bueno, sobre os recursos colocados na área. O país gastou R$ 84,7 bilhões com a segurança no ano passado, 2,5% do total das despesas. Na comparação, os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) gastam 4,5% na média.
Em todo o ano passado, 119.484 armas foram apreendidas, quase todas elas sem cadastro no sistema da Polícia Federal.
TEMA PRIORITÁRIO
A segurança pública é tema prioritário nas eleições de outubro, já que as taxas de mortes no país só crescem. E candidatos se apoiam no tema para angariar votos.
O endurecimento de penas e a liberação de porte de armas, por exemplo, são ações exaltadas por Jair Bolsonaro (PSL). A integração entre União, estados e municípios já foi pregada por Ciro Gomes (PDT), defensor da restrição ao porte de armas, assim como Marina Silva (Rede).
A redução de mortes violentas em São Paulo, por exemplo, é uma das principais bandeiras do tucano Geraldo Alckmin, ex-governador paulista. O estado tem a menor taxa de mortes violentas do país. Foram 10,7 em 2017, em constante queda. Ao mesmo tempo, o estado registra alta taxa de mortes por policiais. Segundo o fórum, só na capital, as mortes por policiais representam 1/3 do total de assassinatos na cidade
Para mostrar ações na área, o governo federal criou em julho o SUSP (Sistema Único da Segurança Pública), que, entre outros pontos, prevê a criação de sistemas de compartilhamento de informação entre as forças policiais e entre os estados, além da criação de um banco de dados nacional sobre criminalidade, nos mesmos moldes do Datasus (Sistema Único de Saúde).
A criação da base de dados é fundamental, na avaliação de Renato Sérgio de Lima, uma vez que “o Brasil vive um apagão estatístico”, em suas palavras.
O SUSP, que fica dentro do novo Ministério da Segurança Pública, vai administrar informações e ações de todos os estados e das diversas polícias. O texto prevê a instituição de conselhos de segurança nas três esferas de poder (municipal, estadual e federal). Eles englobarão as polícias, os bombeiros, os guardas municipais e os agentes de trânsito.
Também está previsto o Plano Nacional de Segurança Pública, que institui as políticas para a área e vale por dez anos.
O Ministério de Segurança Pública coordenará o Sinesp, sistema que reunirá dados de crimes de todo o país. Fica a cargo dos estados o envio de dados de ocorrências policiais, perfis genéticos e digitais, rastreamento de armas e execução penal, entre outros. Os órgãos estaduais que não fornecerem as informações de ocorrências policiais serão punidos, tendo dificultado o acesso a recursos federais.
Em relação a estatísticas de violência, há duas maneiras de levantá-las no Brasil: com dados de entidades de segurança, como o caso do atual relatório do fórum, ou com dados de serviços da saúde, como os divulgados no Atlas da Violência, em junho.
Os números da saúde sempre têm uma defasagem de dois anos (os mais atualizados são de 2016) e, por serem coletados em fontes diferentes, não são comparáveis com os números da segurança, embora sejam próximos e apontem as mesmas tendências.
“Do jeito que está sendo feito, não vamos avançar se não dissermos que segurança pública é sim solução e deve ser prioridade no país”, diz Lima. Nas palavras do pesquisador, é preciso, sobretudo, coordenação entre os poderes legislativo, judiciário e executivo, além de coordenação dentro dos órgãos estaduais, como das diferentes polícias.
Com informações da Folha de S. Paulo.