Cientista política analisa crescimento da direita a partir de 2013

Opinião, Todos os posts, Últimas notícias

Artigo publicado na Folha de São Paulo em 29 de agosto de 2018.

***

Pela 1ª vez a extrema direita tem um nome com expressão eleitoral

Os direitistas assumidos são hoje numerosos no Brasil

As próximas eleições presidenciais serão diferentes das anteriores —e não só porque o candidato favorito está preso e impedido de concorrer. Pela primeira vez a extrema direita tem um nome com expressão eleitoral. Pela primeira vez, também, nenhum dos competidores faz parte do grupo que se formou na oposição ao regime militar, liderou a transição para a democracia e deixou a marca de suas ideias nas Constituição de 1988.

Esta cristalizou um compromisso robusto com as liberdades individuais, a ampla garantia de direitos aos cidadãos, as eleições livres e limpas e, muito especialmente, com o que então se chamava o “resgate da dívida social”, ou seja, a redução da pobreza e das desigualdades.

No livro “Quem é quem na Constituinte (1987)”, retrato meticuloso dos constituintes, o sociólogo Leoncio Martins Rodrigues mostrou que pouquíssimos se declaravam abertamente de direita, embora muitos decerto o fossem.

A maioria, em homenagem ao espírito do tempo, por convicção ou conveniente hipocrisia, preferia declarar-se de centro ou de centro-esquerda.

A cultura política da transição democrática, expressa na Carta, demarcou um terreno comum em que a disputa eleitoral, a partir de 1994, opôs as coalizões de centro-direita e de centro-esquerda, ambas comprometidas com o reformismo social e, depois do Plano Real, com a estabilidade da moeda.

Por baixo da acirrada competição entre os blocos encabeçados pelo PSDB e o PT havia inegável convergência de valores democráticos e propósitos de progresso social, acelerado na primeira década do governo petista, mas longe ainda de produzir um país minimamente decente.

A meio caminho da realização das esperanças dos líderes que conduziram a marcha para a democracia e da massa de brasileiros pobres, a convergência em torno da agenda de reformas sociais foi se esgarçando.

O PSDB mudou de pele, deixando de ser o partido de políticos engajados na reforma social —como Franco Montoro, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Alberto Goldman — para se transformar na agremiação de políticos conservadores sem grandeza como Aécio Neves, Geraldo Alckmin, João Doria, Carlos Sampaio e outros tantos.

Já o PT, além de abandonar o compromisso com a moderação fiscal e a solidez da moeda, não entendeu a mudança social para a qual tanto contribuiu. Dela resultou uma sociedade com mais acesso à informação, mais consciente de seus direitos, mais exigente com relação à qualidade dos serviços públicos, muito menos tolerante com a corrupção.

Em junho de 2013, essa nova sociedade saiu às ruas com múltiplas vozes e demandas, aspirações por mais mudança ou medo dos efeitos das transformações recentes. PT e PSDB, com os pés atolados no “petrolão”, no asfalto da Dersa ou no cimento da Cidade Administrativa de Belo Horizonte, foram incapazes de responder politicamente à desordenada insatisfação dos manifestantes.

Sua combinação de inércia e alienação abriu e alargou a fenda através da qual a direita mais extremada mostrou sua cara, afirmou-se na crise do impeachment e durante o infausto governo Temer para se transformar em alternativa de uma parcela do eleitorado.

Os direitistas assumidos são hoje numerosos, o que não seria de assustar –partidos e lideranças de direita fazem parte do jogo democrático em todo o mundo— não fosse o fato de a sua banda mais radical e antidemocrática ser a mais robusta eleitoralmente.

Professora titular aposentada de Ciência Política da USP e pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Escreve a cada 15 dias.