O passado “bolivariano” de Bolsonaro
Livro resgata um Bolsonaro fã de Chávez e malvisto no Exército. Sob o título ‘O Homem que Peitou o Exército e Desafia a Democracia’, a obra relata que Bolsonaro era fã de Hugo Chávez. Houve um tempo em que Jair Messias Bolsonaro era visto com bons olhos pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro) e pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil) e como um estorvo por oficiais com mais estrelas na farda.
Um distante 1999 em que o hoje presidenciável elogiava Hugo Chávez (“uma esperança para a América Latina”), sugeria fechar o Congresso caso um dia chegasse ao Palácio do Planalto (“daria golpe no mesmo dia, no mesmo dia!”) e propunha matar “uns 30 mil”, começando pelo então presidente FHC (“não vamos deixar ele pra fora!”).
Ou um Bolsonaro moleque que, na interiorana Eldorado (SP), caçava passarinhos com espingarda de chumbinho e assistia a filmes de Mazzaropi.
Mas, sem entrevistar o político nem seus aliados mais próximos, valendo-se sobretudo de discursos públicos e notícias publicadas pela imprensa nas últimas três décadas, a obra está longe de ser uma biografia definitiva de uma das figuras políticas mais intrigantes dos nossos tempos.
O autor faz um trabalho de corte e colagem ao transcrever na íntegra falas do deputado. Em alguns casos, denota falta de curadoria. Em outros, ajuda a contextualizar controvérsias que alimentam o “mito”, como Bolsonaro é chamado por seus simpatizantes, ou o ódio de seus detratores.
Por exemplo, a certa altura diz que, “se Bolsonaro faz sucesso nas baixas patentes, é visto com desconfiança pelo comando e tratado como um ‘bunda-suja’ —termo usado pelos militares com mais estrelas no peito para se referir aos que não alcançaram posições mais altas na carreira”.
Não põe sob escrutínio uma informação extraída de uma segunda fonte, como um bom biógrafo faria. Mais parece um aluno que copia um parágrafo da Wikipédia e altera algumas palavras para disfarçar.
Bolsonaro contestou quando a revista Veja disse que colegas de patentes mais altas usam a expressão “bunda-suja”. Saint-Clair, em vez de checar se militares de fato a adotam, ateve-se a reescrever o texto da revista: “Termo usado pelos militares de alta patente para designar os que não galgaram posições na carreira”.
Lançada num ponto nevrálgico da trajetória de seu personagem, a obra está mais para um canapé —até tem seu sabor, é verdade— do que para um material que sacie o apetite por investigação mais alentosa do biografado.
Um mérito: ao trazer na íntegra falas de Bolsonaro, dá ao leitor maior contexto para tirar suas próprias conclusões sobre algumas polêmicas que sempre o perseguem.
A briga com Maria do Rosário (PT-RS), por exemplo. O deputado sempre reclama que, ao mencionar o caso, jornalistas só relatam que ele disse que não a estupraria “porque você não merece”.
Saint-Clair remonta o episódio —que na verdade aconteceu em 2003, sem grande repercussão, e foi resgatado no Congresso pelo próprio Bolsonaro em 2014, aí sim provocando uma celeuma que fez dele réu no Supremo Tribunal Federal sob acusação de apologia ao estupro.
A contenda começou quando a petista interrompeu o colega numa discussão sobre maioridade penal. Naquele ano, o país digeria o assassinato de um casal adolescente por um grupo liderado por Champinha, 16. O namorado foi logo executado; a namorada, estuprada coletivamente e morta cinco dias depois.
O leitor pode concordar ou se aviltar com argumento comum entre bolsonaristas, o de que Rosário “pediu por isso”. Pode se alinhar ou não ao presidenciável no tema da maioridade —o vereador Ari Friedenbach, pai da menina morta, é contra a penalização de menores como se adultos fossem, aliás.
Mas é intelectualmente honesto que tenha o máximo possível de elementos da história para formar sua própria opinião. E Saint-Clair, por beber em fontes críticas e amigáveis a Bolsonaro, oferece uma bricolagem decente da carreira daquele que, na juventude, atendia pelos apelidos Palmito (por ser espichado e branquelo) e Cavalão (atlético).
Ali estão as querelas com a alta cúpula militar, após o então capitão reivindicar aumento salarial para a tropa e supostamente armar “a explosão de algumas espoletas” em quartéis, para assustar Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército nos anos Sarney, que tachava de “incompetente e até racista”.
E também a primeira campanha política, para vereador carioca, quando “contava somente com uma moto de 250 cilindradas e dois ajudantes”: Negão Lino, soldado que servira com ele, e Edson Pau de Arara. Nas faixas pintadas à mão: “A esperança está em nós mesmos – Cap. Bolsonaro”.
Por um lado, capítulos reforçam rótulos há muito grudados em Bolsonaro, como o de homofóbico. Numa entrevista, ele diz que um casal gay como vizinho desvaloriza a sua casa. “Se eles andarem de mãos dadas, derem beijinho, vai desvalorizar.”
Há também espaço para o “macho sensível”. No casamento de Bolsonaro com a terceira e atual esposa, Michelle, celebrado por Silas Malafaia, o noivo chorou duas vezes —a segunda quando trocou alianças ao som de “Jesus, Alegria dos Homens”, de Bach.
Qual Bolsonaro vai agradar (ou desagradar) mais, aí fica a gosto do freguês.
Com informações da Folha de S. Paulo.