Ana Estela Haddad recusa título de primeira dama e atua em questões fundamentais
Quando entrou na faculdade de odontologia, Ana Estela Haddad não pensava na carreira acadêmica. Com o tempo, contudo, apareceu seu sonho: ser professora da USP, a mais importante universidade brasileira.
Em entrevista à Folha, ela mencionou a palavra “sonho” algumas vezes, sempre falando da carreira acadêmica que seguiu. Em 2002, Ana Estela virou professora na USP. Hoje livre-docente, almeja ainda o degrau mais alto da carreira: tornar-se professora titular.
Pelo sonho ela abandonou a clínica na qual atendia. Mantém o espaço, agora alugado para colegas, onde por vezes atende voluntariamente.
A especialista em odontopediatria de 52 anos comemorou recentemente 30 anos de casamento com Fernando Haddad. Os dois se conheceram ainda adolescentes, durante férias, num clube da comunidade libanesa.
Ela tinha 14 anos, e ele, 17. O primeiro papo foi para tentar descobrir se eram parentes. O Haddad de Ana Estela não vem do casamento com Fernando. “Como é a colônia, a gente pergunta o sobrenome para ter uma referência. Percebemos então que tínhamos o mesmo. Nossa primeira conversa foi tentar descobrir se havia algum grau de parentesco entre nós”, conta.
Eles se casaram anos depois, em 1988, e têm dois filhos: Frederico, 26, e Ana Carolina, 18.
Ana Estela recebeu a reportagem numa casa nas proximidades do parque do Ipiranga onde está instalada uma parte da equipe da campanha do PT à Presidência. Falou sobre sua carreira, dividida entre a universidade e as políticas públicas, e comentou as eleições.
“Esse expediente que está sendo utilizado pela campanha adversária de usar o WhatsApp para divulgar mentiras, as tais fakenews, numa escala muito grande, torna a campanha um processo subterrâneo e invisível.”
A conversa aconteceu na quarta (17), antes de a Folha revelar que empresas estão comprando pacotes para enviar mensagens contra a candidatura do PT no aplicativo.
“Ao mesmo tempo, o candidato não se dispõe a participar de debate”, completa Ana Estela. Na quinta (18), Jair Bolsonaro (PSL)disse que não pretende comparecer a nenhum debate do segundo turno.
Em 30 minutos de conversa, Ana Estela não nomeou Bolsonaro, referindo-se a ele apenas como adversário ou candidato. Ela diz ainda que os ataques sofridos pelo marido atingem a família, que busca se fortalecer na união entre seus membros.
Quando o tema foram as especificidades desta disputa, disse: “Percebo que o que está em jogo fortemente nestas eleições é maior do que só uma eleição e maior do que as candidaturas em si. Está em jogo a nossa democracia e a nossa soberania”.
E isso, segundo ela, a angustia. Ela se diz preocupada ainda com as reações das pessoas ao discurso de Bolsonaro.
“Há uma escalada de violência a partir de mensagens que estão sendo passadas pela candidatura do adversário. Não o estamos acusando, mas o tipo de discurso que ele faz leva as pessoas a esse entendimento preocupante”, diz.
Se Fernando for eleito, Ana Estela será a primeira-dama do país. Ela já ocupou a posição na capital paulista, na prefeitura petista de 2013 a 2016. Mas o título não lhe agrada.
“No começo eu pedia que não me chamassem assim, mas depois percebi que era uma forma de as pessoas identificarem quem eu era. Tudo bem, então vamos desconstruir na prática essa ideia, não precisa mexer com o nome.”
Enquanto o marido era prefeito, ela criou e tocou o projeto São Paulo Carinhosa, que articula e coordena, com 14 secretarias da administração municipal, ações voltadas à primeira infância.
“Gosto muito de política pública, trabalhei, já fiz, e minha vontade quando estou nesses espaços é arregaçar as mangas”, diz sobre o período. “Mas isso é uma característica minha. Cada um tem que ter o direito a fazer da forma que achar melhor, ou até não fazer.”
Ana Estela foi convidada pelo setorial de mulheres do PT a ser candidata a deputada neste ano. Ela diz que ficou balançada e que pensou em aceitar, porém, no fim, rejeitou. “Nesses 16 anos eu fui com os pés nas duas canoas, eu trabalhei na gestão pública e procurei tocar a minha carreira, mas é claro que isso não foi fácil”, afirma. “Se eu desse essa virada, eu estaria passando um sinal de que a carreira acadêmica não é tão importante assim para mim.”
Desde 2003, Ana já fez parte dos ministérios da Educação e da Saúde. Foi sua, aliás, a ideia do ProUni (Programa Universidade para Todos). No gabinete do então ministro Cristovam Buarque, ela era responsável por ler e responder a algumas das cartas endereçadas ao presidente Lula.
“Muitos estudantes se queixavam do Fies [criado ainda na ditadura e reformulado em 1999, sob FHC]. Percebi que o financiamento estudantil não era o mais apropriado porque não estavam numa faixa de renda de se formar e pagar um financiamento.”
Na época, diz, o ministério não tinha programa de bolsas e, segundo o Censo da Educação Superior, o sistema era majoritariamente privado, com capacidade instalada ociosa.
“Baseei a troca de isenção de imposto por vaga num projeto que o Fernando tinha desenhado na gestão Marta Suplicy [na Prefeitura de SP] de troca do ISS por vagas para professores. Fomos trabalhando a quatro mãos.” Na época, Fernando estava no Ministério do Planejamento e, pouco depois de o ProUni passar a vigorar, ele assumiu a Educação e, assim, Ana pediu para sair.
Foi então que ela passou ao Ministério da Saúde, onde desenvolveu, entre outros, um projeto de formação a distância de profissionais do setor. Em sua avaliação, esses cerca de nove anos em Brasília acrescentaram muito em sua carreira na universidade.
“Estudei temas que têm a ver com a universidade, principalmente com a pública e que normalmente no dia a dia docente não se faz. Isso acabou fortalecendo esse aspecto da gestão acadêmica, então hoje, na volta, eu contribuo na USP.”
da FSP