‘Votar Bolsonaro é falta de caráter’, afirma pai de jovem estuprada e morta

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O advogado e ex-vereador em São Paulo Ari Friedenbach anda irritado. É assim que ele define a sensação frente ao cenário político brasileiro às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais. Para ele, política é dialogar com todos, inclusive opositores, mas há um limite. “É até o cara ser pró-Bolsonaro, aí eu não consigo ter diálogo”, dispara, entre um cigarro e outro. “Bolsonaro destampou o que há de pior nas pessoas”, aponta, pedindo desculpas por ‘às vezes chorar’. Há motivos para tal reação: apoiadores do capitão da reserva do exército têm usado o assassinato de sua filha em prol da campanha.

Em 2003, Liana Friedenbach foi estuprada e morta na Grande São Paulo quando ia acampar com o namorado, Felipe Caffé. Feitos reféns, acabaram assassinados. Um dos envolvidos era Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, então com 16 anos. O caso ganhou repercussão, segundo Ari, pela brutalidade em si e também pelo fato de Liana ser branca, de olhos claros, uma “menina linda”. “Morrem ‘Lianas’ todos os dias, mas não são filhas da classe média”, diz. A perda motivou a entrada na política. Na eleição de 2018, ele concorreu a deputado estadual pelo PDT em SP, mas, apesar dos mais de 10 mil votos, não conseguiu uma cadeira.

Seguidores de Bolsonaro usam e abusam da trágica história da família Friedenbach. Em uma montagem disparada em grupos de Whatsapp, o rosto de Liana aparece com a frase “Eu fui estuprada por cinco dias e depois degolada com um facão”. Abaixo, uma foto do presidenciável dizendo que “Bolsonaro quer impedir que isso aconteça novamente”. O advogado se revolta: “Eu me sinto triste, usado. Usaram a história da minha filha e eu não admito, ainda mais como fazem: distorcendo como argumento de forma burra”, critica.

Ele ainda é atacado nas redes. “Ari, tua filha morreu na mão da marginália que o PT, PCdoB, PSOL e PDT apoiam. Tu é uma vergonha para o mundo”, escreveu um rapaz de Porto Alegre, em mensagem privada no Facebook. Ari respondeu em público na mesma rede social, acusando-o de covarde e canalha, adjetivos que tem usado repetidamente ao se referir ao candidato de extrema direita. “Eu tenho raiva do Bolsonaro, mas tenho mais raiva de quem vota nele. Agora é plebiscito. Não tem mais essa de PT ou PSL. É fascismo ou democracia“, sentencia.

Ponte – Você tem se posicionado bem diretamente contrário ao candidato Jair Bolsonaro. Como analisa o cenário político polarizado?
Ari Friedenbach – No tempo em que cumpri mandato, estive na Câmara dos Vereadores, sempre procurei me dar bem com todo mundo. Do PSOL até o DEM, me relacionava com todo mundo, até com o PSDB, com quem tenho diferenças, guardo respeito. Entendo a posição de uma pessoa que não pensa como eu. Mas eu tenho um limite que é até o cara ser pró-Bolsonaro. Aí eu já não consigo ter diálogo.

Ponte – Por quê?
Ari – Porque eu acho assim, quem vota no Bolsonaro não merece meu respeito. É falta de caráter. Eu até tenho raiva do Bolsonaro, mas eu tenho mais raiva de quem vota nele. Quem vota no Bolsonaro mostra falta de caráter, falta de cultura, falta de conhecimento. Falta, no mínimo, de leitura de história. Sabe, eu não sou um judeu religioso, mas, por exemplo, essa mistura que tem acontecido de política com fé. No final das contas, quando o cara vai na igreja de domingo, na mesquita, na sinagoga, no terreiro, qualquer coisa que o valha, no fundo todo mundo está buscando a mesma coisa por caminhos diferentes. É um Deus, uma força maior, mas o destino é o mesmo. É uma coisa de respeito ao próximo, ética, o objetivo é o mesmo. Agora, eu acho inadmissível que a pessoa vá na igreja, coma a hóstia e, quando sai, dali pra frente, da porta para fora, é um filho da puta. É uma coisa antagônica. E faço essa comparação porque no fundo é isso. O cara quer ter essa pureza evangélica, judaica, ou seja lá o que for, e é um canalha. Porque para mim quem vota no Bolsonaro é como ele: canalha.

Ponte – O que te faz classificá-lo dessa forma?
Ari – Um cara que fala que não aceita gay, negro, qualquer pessoa diferente dele. Outro dia minha mãe falou de algo que leu, que era uma provocação assim: vamos trocar gays por judeus? Fiquei pensando nisso, porque eu tenho um problema muito sério com a comunidade judaica, porque muita gente acha que sou comunista. Eu não sou comunista. A questão é que não aceito as diferenças sociais que a gente tem no Brasil. Aí, se isso é ser comunista, então beleza, eu sou comunista.

Ponte – Como se define politicamente?
Ari – Uma pessoa com uma visão social. Eu não sou comunista, ser esquerda não quer dizer comunista. Penso que ser esquerda é ser uma pessoa que tem uma visão social, que não aceita desigualdade, que não aceita a pirâmide social que a gente tem no Brasil. Por exemplo, eu sou bem nascido, nasci em Higienópolis, tenho uma vida bem tranquila, privilegiada, não preciso da política para viver. Eu podia, com toda minha história, com toda a história da minha filha, pegar meu chapéu e ir pra casa e foda-se. Ou virar como a maioria dos caras que perderam filhos como eu perdi, que eu conheço toneladas, e virar um louco, um matador. Eu nunca defendi isso. Nunca aceitei isso.

Para ler a entrevista completa, acesse: https://ponte.org/votar-no-bolsonaro-e-falta-de-carater-dispara-advogado-que-teve-filha-estuprada-e-morta/