Whats App vira peça-chave em escândalos de corrupção

Todos os posts, Últimas notícias

Mensagens de WhatsApp foram as principais provas no indiciamento pela Polícia Federal de 43 pessoas no relatório final da Operação Trapaça, que apura suspeitas de fraudes em alimentos da BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão.

Esse tipo de mensagem já tinha sido usado em investigações na Lava Jato de forma pontual. Mas, no caso da BRF, ganhou mais força.

Segundo a PF, executivos montaram grupos de WhatsApp para combinar estratégias e se informar sobre ações para abafar a divulgação, em 2015, da contaminação de cerca de 5.600 toneladas de produtos à base de frango.

Entre os participantes estavam o então presidente da empresa, Pedro Faria, e Marcos Jank, na época diretor de assuntos corporativos da BRF. Jank é colunista da Folha desde março de 2015.

O caso começa em agosto daquele ano, quando a China pede a suspensão da venda de frangos de duas fábricas exportadoras da BRF, alegando suspeita de contaminação por dioxina, substância altamente tóxica e cancerígena.

A PF sustenta, com base nas mensagens, que a BRF se organizou na tentativa de impedir que o ministério desse um laudo contra a empresa e que a imprensa divulgasse o caso.

O delegado da PF Maurício Moscardi Grillo avalia que executivos, gerentes e técnicos da BRF tentaram criar uma “rede de relacionamento interinstitucional com agentes públicos” do ministério buscando “se socorrer para traçar estratégias de defesa”.

Uma das ações, diz o relatório, era argumentar que os níveis de contaminação estavam dentro do permitido pela regra brasileira. Outra foi interferir na análise do ministério.

As mensagens mostram Adriano Zerbini, então gerente de relações corporativas internacionais da BRF, solicitando que funcionários da empresa providenciassem “material convincente” para ser usado na defesa perante os chineses. “O Mapa [Ministério da Agricultura] está disposto a usar nosso material como base de defesa oficial e não realizar investigação profunda própria”, escreveu.

Uma das mensagens detalha a dimensão do caso: “Estudando o destino dos produtos dos contêineres das duas primeiras notificações pela China, temos 11 datas de produção, com aproximadamente 510 toneladas de produtos em cada uma”. Os destinos eram Japão e China, Oriente Médio, África, Europa e também o mercado interno.

O inquérito mostra o momento em que o caso vazou para a imprensa em setembro, quando a BRF, então, adiciona ao grupo de WhatsApp o assessor de comunicação Alexandre Loures, um terceirizado, contratado pela BRF.

Nas mensagens, Loures combina versões que a ABPA (associação do setor) e o ministério contariam a um repórter. Ele diz ser preciso colocar a comunicação da associação “nas rédeas” da BRF.

“Importante garantir que [Francisco] Turra [presidente da ABPA] tenha ligado para ele [repórter] e que o Mapa desminta oficialmente”, diz Loures a executivos da BRF.
Segue-se, no relatório da PF, extensa troca de mensagens em que Loures detalha ações da equipe em veículos da imprensa para evitar a publicação. Em uma delas, ele diz que um membro do departamento de comunicação da BRF “conseguiu convencer a Folha a não entrar na história”.

Folha não cobriu o caso.

O inquérito também mostra outro grupo de WhatsApp restrito a Pedro Faria, Abilio Diniz, à época presidente do conselho da BRF, e José Carlos Magalhães Neto, sócio da Tarpon Investimentos.

Nesse grupo, Faria, aborrecido com o vazamento para uma reportagem (que ele dizia ter partido de dentro do Mapa), conta aos outros dois que conversou com a então ministra, Katia Abreu, “de forma contundente”.

Abilio respondeu que estava fora do país, mas pediu para ser mantido informado.

Todos que participaram da troca de mensagens foram indiciados, entre eles Abilio, Faria, Jank, Zerbini, Loures e Turra. Katia Abreu não foi.

Indiciados negam acusações da PF e interferências.

OUTRO LADO

A assessoria de Abilio diz que o relatório da PF não traz elementos que demonstrem irregularidades cometidas pelo empresário e que o indiciamento não sinaliza culpa.

O Ministério Público Federal decidirá se oferece denúncia com base nas conclusões da PF ou se arquiva a apuração.

Também em nota, a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) diz que refuta as menções feitas pela PF.

Jank diz que suas mensagens tratavam de “esclarecimentos solicitados por embaixadas brasileiras na Ásia”.

Troca de emails entre a reportagem da Folha e a assessoria da imprensa da BRF, datada de 14 setembro de 2015, mostra que a empresa foi procurada, por iniciativa do jornal, para esclarecer o incidente na fábrica de Rio Verde.

Nos emails, a assessoria da BRF informa à repórter que o caso na unidade era “antigo”, estava “sob controle”, envolvia apenas aquela fábrica e que a companhia tinha divulgado nota esclarecendo. Diante da versão, a repórter informa que o editor decidiu não publicar a reportagem.

A BRF também diz que está colaborando com as autoridades e afastou preventivamente os funcionários citados no relatório. “A empresa tem como princípio tolerância zero com conduta indevida”, diz.

Loures diz em nota que foi incluído por seus clientes no grupo de WhatsApp e “os estava informando sobre a publicação de uma reportagem e dando sugestões para evitar que uma versão equivocada fosse publicada”.

Em nota, Faria diz que nunca determinou que desconformidades na produção da BRF fossem acobertadas e sempre estimulou a adoção de sistemas de controle sanitário. Ele diz ter se surpreendido com a conclusão da PF, “totalmente discrepante do que foi demonstrado no curso do inquérito”.

Zerbini não respondeu. A pasta diz que a operação trata de fatos anteriores à atual gestão e apoia as investigações.

Da FSP