Conheça Rodrigo Duterte, o totalitário presidente das Filipinas comparado com Bolsonaro no exterior
O estilo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) lhe rendeu o título de “Trump brasileiro” em algumas publicações internacionais, como a revista Time e o jornal The Guardian. Mas o militar reformado também tem atraído comparações com Rodrigo Duterte, o presidente que governa com mão de ferro as Filipinas.
Tanto a revista americana The New Yorker quanto o Council on Foreign Relations (CFR), organização que publica a conceituada revista Foreign Affairs, destacam as semelhanças entre seus discursos, em particular no endosso à truculência policial e a execuções extrajudiciais.
O CFR também aponta que, apesar de os líderes serem diferentes ideologicamente (Duterte vem de uma origem à esquerda), ambos apelam para os cidadãos com promessas de respostas duras ao crime e à corrupção por meio da força.
Nesta semana, o filipino voltou a atrair atenções do mundo ao propor a criação de um grupo civil armado para fazer frente ao Novo Exército Popular, um grupo comunista rebelde criado no final da década de 1960 e ativo até os dias atuais.
Duterte afirmou que a milícia que ele pretende criar vai ser chamar “Esquadrão da Morte de Duterte” e terá poderes para matar suspeitos de serem revolucionários, dependentes químicos e até pessoas que vaguem sem propósito pelas ruas.
Dados de 2016 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime mostram os altos índices de homicídios nos dois países. O Brasil registou 29,5 para cada 100 mil pessoas, contra 5,9 da Argentina. As Filipinas, que possuem o pior resultado do Sudeste Asiático, somaram 11,02 casos por 100 mil habitantes, ante apenas 0,49 da Indonésia.
Nesse contexto, as plataformas do brasileiro e do filipino baseiam-se no forte discurso anticrime, incluindo a defesa da violência policial para reestabelecer a ordem. Duterte, contudo, vai bastante além: seu governo prega o assassinato de traficantes e usuários de drogas como política de Estado, além de encorajar abertamente policiais e civis a cometerem esses homicídios.
Duterte nasceu em 28 de março de 1945, em Maasin. Filho de um ex-governador da província de Davao, ele se formou em Ciências Politicas e Direito. Nos anos 1970, atuou como promotor na cidade de Davao, onde se elegeu prefeito em 1988.
À época, o município era conhecido como a “capital dos assassinatos” nas Filipinas. Durante seus sete mandatos não consecutivos (mais de 22 anos), a criminalidade caiu – embora a cidade siga como uma das mais violentas do país.
Duterte introduziu o toque de recolher para menores desacompanhados e baniu a venda e o consumo de álcool em certas horas. Mas a melhora nos indicadores de segurança foi resultado, em grande parte, de assassinatos extrajudiciais de suspeitos de crimes e de usuários de drogas.
Segundo a organização internacional Human Rights Watch, esses homicídios eram conduzidos por homens armados em motos. Estimativas de ativistas indicam que mais de mil foram assassinatos durante as gestões de Duterte na cidade.
A HRW encontrou evidências de “cumplicidade” e “direto envolvimento de oficiais do governo local e membros da polícia” nas mortes. Duterte, por outro lado, sempre negou a existência de esquadrões da morte, embora tenham lhe rendido o apelido de “o justiceiro”.
Duterte foi eleito presidente em 2016 com um recorde de 16,6 milhões de votos. Seus níveis de popularidade chegavam a 88% em julho deste ano, mas atualmente estão em 75%, segundo a Pulse Asia Research. “Ele tem aquele apelo populista, o aspecto da conversa direta. É um homem do povo, disposto a dizer o que outros não dirão”, explica Champa Patel, chefe do programa Ásia-Pacífico do think tank britânico Chatham House.
“A outra parte de sua popularidade está ligada à venda e à produção de drogas, que realmente afetaram a comunidade. Duterte é visto como alguém que vai solucionar isso”, completa.
Durante sua campanha, o filipino prometeu uma guerra incessante contra traficantes e dependentes químicos. E esse discurso antidrogas agrada parte significativa de uma população que sofre, em especial, com a metanfetamina.
“Esqueçam as leis sobre direitos humanos. Se eu for eleito presidente, farei como quando fui prefeito. Traficantes, ladrões armados e vadios, melhor sumirem, porque vou matá-los”, Duterte disse em um comício. “Vou jogá-los na Baía de Manila e engordar os peixes.”
Ao celebrar sua vitória, encorajou civis armados a matarem traficantes que resistissem à prisão. “Fiquem à vontade para nos ligar ou faça você mesmo, se tiver uma arma”, afirmou em discurso transmitido nacionalmente. “Atirem neles e lhes darei uma medalha.”
Críticos de Duterte temiam que assassinatos extrajudiciais se espalhassem pelas Filipinas. Poucas semanas após a sua posse, quase 2 mil indivíduos supostamente ligados ao tráfico foram mortos por policiais ou grupos de vigilantes. Atualmente, de acordo com a HRW, já são mais de 12 mil – o que inclui inocentes e vítimas atacadas por engano.
Parte dos homicídios é executada por assassinos de aluguel atuando sob o comando de autoridades locais. Em 2016, a BBC News entrevistou uma mulher que disse receber cerca de US$ 430 (cerca de R$ 1660) por cada execução de traficantes.
Para a Anistia Internacional, trata-se de uma guerra aos pobres e de uma “indústria da morte” que afeta populações carentes urbanas. A polícia também é acusada de matar suspeitos para ganhar recompensas, além de plantar evidências e roubar vítimas.
Duterte não tolera críticas à sua política. A senadora Leila de Lima, a mais proeminente opositora da guerra antidrogas, tentou responsabilizar o presidente pelos esquadrões da morte de Davao. Está presa desde 2017, acusada de tráfico de drogas. Ela alega que a prisão tem motivação política e visa silenciá-la.
“Ele ataca todas as instituições. É muito crítico de direitos humanos e da mídia e demitiu uma juíza da Suprema Corte. Há dissenso no país, mas o espaço para isso é muito reduzido e a custo pessoal. Ele ataca qualquer um que for contra ele”, afirma Patel.
O presidente filipino frequentemente causa espanto com suas declarações. Em setembro de 2016, por exemplo, comparou-se a Adolf Hitler em um discurso em Davao. “Hitler massacrou 3 milhões de judeus. Agora há 3 milhões de viciados em drogas nas Filipinas. Eu ficaria feliz em massacrá-los.”
Os números mencionados por ele são incorretos. Cerca de 6 milhões de judeus foram mortos na Europa durante o regime nazista.
Sua gafe mais famosa ocorreu em uma cúpula de países asiáticos no Laos. À imprensa, Duterte afirmou que chamaria Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, de “filho da p…” caso o americano criticasse sua política antidrogas.
Em um comício em 2016, Duterte lamentou não ter tido a chance de estuprar uma religiosa australiana, morta durante uma rebelião em uma prisão de Davao em 1989, quando era o prefeito da cidade. Jacqueline Hamill foi feita refém por detentos e estuprada.
Duterte disse que “quando os corpos foram retirados (…) olhei para o rosto dela, filha da p…, ela parece uma linda atriz americana. Estava bravo porque a estupraram, mas ela era tão bonita que o prefeito deveria ter sido o primeiro. Que desperdício”.
Tanto Bolsonaro quanto Duterte são apontados como integrantes de uma crescente lista de líderes políticos com perfil autoritário, nacionalista, populista e que desprezam normas liberais, como a independência do Judiciário – o brasileiro nega ser o caso dele. Entre essas figuras estão ainda Vladimir Putin (Rússia), Viktor Órban (Hungria), Recep Tayyip Erdogan (Turquia) e Donald Trump (Estados Unidos).
“Os homens fortes nunca saíram completamente da história. No século 21, em muitos casos, eles representam uma projeção para os homens que no cotidiano perderam poder devido à maior igualdade entre homens e mulheres e à diversidade de padrões de sexualidade”, diz o sociólogo Sergio Costa, professor do Instituto de América Latina da Universidade Livre de Berlim.
Para Costa, essa tendência também reflete a falha de instituições criadas para proteger a democracia e promover o bem-estar ao cidadão comum.
“Homens fortes podem parecer uma resposta a essas instituições, mesmo que isso não seja verdade. Eles prometem soluções simples e insuficientes para problemas complexos. A ideia de que se resolve problema de segurança matando traficante de drogas e usuário é ilusória.”
Uma das cartadas mais relevantes dos “homens fortes” é, entretanto, usar a insegurança a seu favor. “Eles brincam com esse sentimento coletivo de medo e prometem restaurar a lei e a ordem. São figuras autênticas, com tendências autoritárias”, explica Léonie de Jonge, especialista em populismo de direita da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
“Do lado de fora, pode parecer uma loucura, mas por dentro eles estão revitalizando a autoconfiança do povo. Eles finalmente prometem algo novo, recuperar a lei e a ordem. São como salvadores, heróis”, completa.
Outro aspecto desses líderes, destaca Costa, é a tentativa de trazer a política para o campo da existência. Ou seja, a discussão passa a ser sobre proteger um estilo de vida contra, por exemplo, refugiados, imigrantes, muçulmanos – e não sobre propostas de governo.
“No Brasil, a sexualidade tem sido muito usada para mostrar uma forma de vida supostamente ameaçada: a família e as crianças inocentes. Construiu-se um inimigo imaginário para que as decisões do eleitor seja motivada pelo medo existencial. É onde esses homens fortes são capazes de controlar melhor seus eleitores.”