De cada 10 casos de discriminação no esporte, 9 estão no futebol
Em estádios e quadras de todo o país, ao menos 69 profissionais da cadeia esportiva foram alvo de discriminação racial, LGBTIfobia, machismo e xenofobia em 2017. Também no ano passado, oito atletas brasileiros passaram por algum tipo de hostilidade ao participar de competições no exterior.
Estes dados constam do Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, fruto de uma parceria entre pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Elaborado com base em reportagens da imprensa nacional e internacional – às vezes enviadas pelas redes sociais por colaboradores voluntários –-, o documento, que está na quarta edição, está sendo lançado oficialmente hoje (29), em Porto Alegre.
Para Marcelo Carvalho, criador do observatório, as conclusões do estudo tiram o campo de futebol do pódio de espaços que disseminam a tolerância, já que este se destacou como o principal cenário das segregações, vinculando-se a 61 (88,4%) dos casos detectados no Brasil.
Foi por desconfiar de que o respeito à diversidade existe, muitas vezes, somente no plano da aparência que o administrador de empresas decidiu investigar a fundo a questão. “O que me chamou a atenção foi a falácia de que o futebol é o espaço mais democrático da sociedade brasileira, onde brancos e negros têm as mesmas oportunidades. Parando para analisar, vi que não é verdade, porque dentro dos clubes não tem negros como técnicos, nem em cargos de comando”, afirmou.
Segundo Carvalho, a alta incidência de atos discriminatórios no futebol talvez se explique pela ampla cobertura midiática reservada a esta modalidade esportiva. Reconhecendo que isso pode se refletir nos resultados do levantamento, já que a metodologia dos pesquisadores abrange a análise de notícias, ele diz que há um ponto positivo na atenção despendida ao futebol. “Fala-se, em 95% do tempo, sobre futebol. Por causa do status que tem, tanto de mídia como econômico. E acaba que ele é mais vigiado,”
De acordo com o relatório, 43 das ocorrências em estádios nacionais envolviam racismo ou injúria racial; 10 a LGBTfobia; cinco reproduziam comportamentos machistas e três tinham como pano de fundo a xenofobia. Vinte e nove crimes relativos ocorreram em estádios, 11 na internet e três em outros espaços.
Dados do relatório mostram que o Rio Grande do Sul, pelo terceiro ano seguido, concentra a maioria dos casos de racismo ocorridos em estádios. No ano passado, ocorreram em arenas gaúchas dez dos 29 casos de racismo, número quase três vezes maior do que o registrado nos estados do Rio de Janeiro e da Bahia, com três episódios, cada um.
Os números do levantamento mostram a tendência de se espalhar o preconceito pelo país, uma vez que Bahia, Mato Grosso e Amazonas, que não constavam da listagem de 2016, apareceram, na do ano passado. Por outro lado, em 2017, não houve registros no Paraná, em Santa Catarina e em Pernambuco, que figuravam no relatório de 2016.
Embora admita que os jornais têm desempenhado papel importante, Marcelo Carvalho disse que estes erram, por vezes, ao não deixar claro que o ofensor cometeu um crime, podendo auxiliar ainda mais na tipificação das violações. “Muitas vezes, é difícil de se entender que foi cometido um crime. Outro ponto é falar muito do fato e pouco das punições”, acrescentou.
Há 15 anos, está em vigor no Brasil o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), que subsidia órgãos da Justiça Desportiva na apreciação dos casos. Conforme destaca Carvalho, aspecto também mencionado no relatório, há casos em que o jogador é punido pelo crime e o clube ao qual pertence é absolvido, quando deveria responder solidariamente.
A justa tipificação também é relevante porque impede outras formas de minimização do crime e até mesmo a subnotificação desse tipo de prática.
“Como o tribunal julga, ele absolve o clube da questão, mas pune o clube pela violência. Mas a violência foi em decorrência da homofobia. Isso me chama muito a atenção. Porque, afinal, qual é a preparação de quem está jogando essas coisas, não é?”, questionou Carvalho.
Para ele, a responsabilidade dos times deve ir além de campanhas restritas a datas como o Dia da Abolição da Escravatura e o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrados em 13 de maio e 20 de novembro.