Em congresso interno, MBL revela estratégia baseada em provocações e discurso de ódio
O cheiro de resto de cerveja derramada e o desagradável odor de quem usou a rua como banheiro após uma noitada ainda estava impregnado na entrada de uma casa noturna na zona oeste de São Paulo nesta sexta-feira (23).
Devido à aglomeração de jovens, quem passava por ali, às 10h da manhã, podia pensar que a festa da noite anterior ainda não havia acabado. Mas os jovens não eram remanescentes da balada noturna, contudo.
Usando bonés com slogans abrasileirados de Donald Trump e camisetas celebrando a prisão de Lula (“Lula está preso, babaca”), a multidão chegava à casa de espetáculos Via Matarazzo, sede do 4° Congresso Nacional do MBL (Movimento Brasil Livre).
De acordo com a organização, cerca de 800 pessoas lotaram a casa noturna. Durante todo o dia, os jovens — em sua grande maioria na casa dos 20 anos — passariam pelo que os organizadores do movimento chamavam de “MBL experience”.
O termo mais cool, na prática, é uma atualização dos cursos de formação política de partidos tradicionais. A estética, contudo, mimetizava o habitat do MBL na internet, evocando memes e frases de efeitos. A “experiência” – mistura de informação com entretenimento – foi dividida em três atos.
No primeiro ato, pela manhã, os militantes ouviram a palestra de Renan Santos, coordenador nacional do movimento e principal cabeça por trás do grupo que nos últimos anos invadiu as redes sociais, ganhou as ruas durante o impeachment de Dilma Rousseff e elegeu, nas últimas eleições, seis deputados federais, dois senadores e fez os deputados estaduais mais votados de São Paulo.
Nesta etapa da “experiência”, Renan reforçou o ideário liberal, exaltou do capitalismo e pregou sobre o “instinto humano” por desejo de ordem e hierarquia. Para ele, coisas como o comunismo não podem dar certo pois nem todos nasceram para ser líderes, nem todos são capazes de realizar as mesmas tarefas.
“A ideia de que existe uma ordem hierárquica natural sempre esteve presente em qualquer sociedade, pois é a ordem natural dos seres humanos”, disse.
Comandante do MBL, Renan Santos foi bastante didático sobre suas ideias de organização política: alguns nasceram para pensar e liderar e outros, a maioria, para executar, como os “guerreiros” que replicam as mensagens do MBL nas ruas e nas redes sociais.
Num momento de empolgação, Renan Santos comparou o deputado estadual eleito Arthur Mamãe Falei (DEM-SP) com Aquiles, herói da mitologia grega.
“Quem conseguiria fazer o que ele faz?”, perguntou Renan à plateia, sem oferecer maiores explicações dos critérios para poderia equiparar o youtuber paulista ao quase invulnerável combatente da Guerra de Troia.
O “Aquiles” do MBL é um bom mostruário do discurso e da prática do movimento: autodeclarado “conservador nos costumes e liberal na economia”, ele é também um campeão de provocações nas redes sociais.
Em seu canal do Youtube, Mamãe Falei por diversas vezes foi ameaçado por militantes de esquerda após abordá-los, em suas manifestações, fazendo perguntas sobre políticas públicas ou conceitos sociológicos que a maioria não sabia responder. Aparentemente, a esquerda seria a Troia do MBL.
O dono da Havan, Luciano Hang, que ficou famoso por aderir de modo estridente à campanha de Bolsonaro nas redes sociais, fez uma aparição-relâmpago em que defendeu que o MBL se declarasse de extrema-direita e defendesse um “governo militar”. As palmas foram tímidas e os coordenadores do movimento aparentavam agonia com o radicalismo do empresário. Coube a Renan, após a fala, ir ao microfone dizer que o MBL não defende o militarismo, mas sim a democracia.
Na segunda etapa da “experiência”, os líderes do MBL ensinavam como os jovens deveriam se portar para ganhar voz no mundo político e ascender nas páginas nacionais do movimento. A tática da provocação e sociedade do espetáculo ganhava corpo.
Aos jovens, foi dito que é preciso provocar os adversários, a esquerda, até que ela responda. Ao conseguir o contragolpe, disseram, quem atacou se qualifica para a briga, vira personagem político.
Sem meias palavras, falavam sobre táticas antigas da política, já usados tanto pela esquerda e pela direita, mas que há alguns anos os personagens da política tinham pudor em admitir publicamente.
Conceitos como o que diz que para existir politicamente é necessário ter um adversário, que para aparecer e ser relevante é necessário fazer barulho e provocações, eram repassados aos jovens ansiosos por fazer parte de um movimento maior que eles mesmos.
Diferentemente de congressos da política tradicional, no MBL não havia nada de sisudo. Cada palestra era pontuada por piadas, os coordenadores do movimento ao tempo todo faziam brincadeiras entre si e trolavam uns aos outros.
Era mais ou menos como estar passando o dia num meme. Fala-se de política, mas de forma leve.
No terceiro ato da “experiência”, o MBL ensinava a turma a botar a mão na massa.
Nesse momento, um dos líderes do movimento Pedro D’Eyrot deu uma aula sobre conceitos de comunicação de guerrilha, sobre a existência sociedade do espetáculo e sobre como, por pragmatismo, todos deveriam aceitá-la.
Segundo ele, hoje a política na internet compete com coisas como vídeos de gatinhos, por isso é preciso roubar a atenção do público e também dos adversários políticos. Para tanto é preciso chocar, provocar, irritar a esquerda para que ela contra-ataque e legitime quem a atacou.
“Precisa de conflito, precisa de Darth Vader contra Luke Skywalker”, resumiu, citando Star Wars.
Em sua palestra ele ainda deu diretrizes sobre as ações e destacou que manifestações devem ser prazerosas para quem delas participa. “Ninguém vai ficar acampado embaixo de um viaduto por 50 dias.”
Além do drama humano, ele contou que tal tática também seria ruim do ponto de vista de comunicação. Após alguns dias, a mídia perderia interesse e o público já não teria mais sua atenção roubada.
Sua fala também trouxe um quê de romantismo para os jovens da direita brasileira.
Segundo ele, são essas as pessoas que hoje representam o que os hippies, os beatniks e a contracultura foram décadas atrás. “Nós somos os punk rockers, nós somos os subversivos de hoje”, disse.
E, a rebeldia atual, seria a defesa franca e aberta dos valores conservadores.
“Quando falamos da biologia, que existe homem e mulher, e não 50 gêneros, estamos sendo subversivos”, resumiu.
Após ele falar sobre as ideias, foi a vez do grupo da ação ensinar aos militantes como colocar aquilo tudo em prática.
Nas palestras, era falado desde a importância dos vídeo-ativistas para cada núcleo do MBL até recomendações sobre iluminação, câmeras e dadas ordens para que ninguém filmasse com o celular na vertical.
Findo o primeiro dia do Congresso, ou da experiência, o MBL realizará neste sábado a segunda etapa de seu Congresso.
Ao contrário da sexta, quando a conversa foi para e pela militância, o segundo dia trará figuras públicas. Será mais midiático e menos doutrinário que o primeiro.
Haverá a participação do futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, do humorista Danilo Gentili e a tomada de uma decisão: deve o MBL fundar um partido?
A expectativa é que a resposta seja positiva e em breve mais uma agremiação surja no cenário político, tirando os eleitos do movimento de siglas como DEM, PP e PSDB e fazendo com que o MBL possa disputar as eleições com os recursos próprios de seu fundo partidário e sem dividir os votos de legenda com as tradicionais siglas da política nacional.