Evangélicos têm 180 de 513 deputados e agenda ultraconservadora
Nem só de moral e bons costumes vive a bancada evangélica. Ao menos é a ideia vendida no manifesto “O Brasil para os Brasileiros”, uma bússola que a a frente urdiu para a próxima legislatura, quando contará com cerca de 180 congressistas entre os 513 deputados e 81 senadores.
Temas pouco associados ao grupo, como economia, encharcam as 60 páginas do documento, lançado a quatro dias da eleição que consagrou Jair Bolsonaro (PSL). A bancada o apoiou quando o capitão reformado já era disparado o favorito no pleito, e nada por acaso o texto soa como música para ouvidos bolsonaristas.
Ali se fundem o liberalismo econômico feito na medida para o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e uma das plataformas com maior apelo nas hordas conservadoras, a Escola Sem Partido.
“Acho que há um preconceito, achar que a gente só está aqui por causa do tema de costumes, o famoso conservadorismo da bancada. As pessoas achavam que não tínhamos opinião própria”, diz à Folha o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), reeleito com uma forcinha de Silas Malafaia como cabo eleitoral.
Não são só as pautas da frente evangélica que mudarão a partir de 2019. Também a liderança do grupo se renovará, com a saída de seu atual presidente, o deputado não reeleito Hidekazu Takayama (PSC-PR). Sóstenes articula para sudecê-lo.
Outros nomes nessa bolsa de apostas: Paulo Freire (PR-SP), filho do pastor José Wellington, da maior das Assembleias de Deus (o Ministério Belém), e o mineiro Lincoln Portela, pastor batista filiado à costela política da Igreja Universal, o PRB.
Os três já são deputados atuantes da frente evangélica, que em seu manifesto defende ir “além da pauta tradicionalmente por nós defendida, de preservação dos valores cristãos e de defesa da família”.
Há ali o anteparo à “modernização do mastodôntico Estado brasileiro”, que passaria por uma lipoaspiração para diminuir seus quadros, e ao “uso intensivo da terceirização da mão de obra”, sob justificativa de que isso reduz custos e, de quebra, prestigia “o servidor concursado, que atuará apenas nas atividades mais nobres da administração”.
O texto lamenta que “ser servidor público é anseio dos jovens, em detrimento do empreendedorismo ou de uma carreira na iniciativa privada”.
Da independência do Banco Central à necessidade de “reduzir o tempo de concessão das licenças socioambientais”, uma velha demanda ruralista, está tudo alinhado à cartilha do novo governo.
É natural que a bancada evangélica se coloque como escudeira de Bolsonaro, diz seu atual líder, Takayama. “Sabemos que, assumindo um cargo de tamanha envergadura, ele vai se sentir solitário.”
E nada como um time de Deus para respaldar a agenda liberal, diz Sóstenes. “Quando a economia aperta, ela aperta pro evangélico também.”
Há de se considerar um intercâmbio de interesses na chamada BBB, bancada do Boi (ruralista), da Bala (segurança pública) e da Bíblia (religiosa). Amparar causas de outros grupos é como o cheque-caução: quando chegar a hora, eles podem apoiar as suas.
Para o deputado ungido por Malafaia, questões morais “serão secundárias” na próxima legislatura, “pois não vamos mais ficar enxugando o gelo”.
Trocando em miúdos: se com governos petistas o bloco evangélico agia como zaga se não quisesse levar uma goleada dos progressistas, agora ele está livre para buscar novas zonas de influência.
Afinal, espera-se que um Executivo sob Bolsonaro já se incline ao conservadorismo.
É no capítulo “Revolução na Educação” que a verve pela qual a bancada evangélica é mais conhecida, a moral, vem à tona. A começar pela defesa enfática do Escola Sem Partido, que prega o expurgo de uma suposta doutrinação à esquerda na sala de aula.
Segundo o manifesto, nas últimas décadas vem sendo notável o “uso político-partidário das escolas e universidades públicas, que se tornaram instrumentos ideológicos que preparam os jovens para a Revolução Comunista”.
Mais: “O populismo educacional gerou incompetentes em todas as profissões”, e a “ideologia de gênero é a mais nova invenção do pensamento totalitário, imediatamente adotada por autoridades dos governos do PT e demais frações de esquerda autoritária”.
À moda do capitão reformado que ocupará o Palácio do Planalto, o trecho sugere “a universalização do amor à pátria, aos símbolos nacionais, aos heróis nacionais”.
Professor de sociologia na USP especializado no segmento evangélico, Ricardo Mariano critica propostas como a de “instituir o Ensino Moral como conteúdo transversal em todas as disciplinas, visando a sustentabilidade moral, ética e cívica das gerações”.
Todo esse capítulo, segundo Mariano, é “mal escrito, delirante, eivado de pânicos morais sem fundamento na realidade escolar, defensor de uma Escola com Partido da Moral e da Pátria, avessa à laicidade, ao conhecimento científico, à liberdade de cátedra e aos direitos fundamentais”.
O cabo de guerra entre defensores e detratores da Escola Sem Partido se acirrará no ano que vem, com a tentativa de aprovar o projeto não só em âmbito federal, como também estadual e municipal.
Será prioridade da bancada que, assim como Bolsonaro, se guia pelo salmo “feliz a nação cujo Deus é o Senhor”.
Da FSP