Justiça está proibindo iniciativas regionais do “escola sem partido”
Apontada como uma das bandeiras do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para a educação, a proposta de vetar a abordagem de gênero nas escolas, que integra o projeto de lei da Escola sem Partido, tem sofrido reveses em tribunais estaduais e no STF (Supremo Tribunal Federal).
Somente neste ano, as cúpulas dos tribunais de ao menos cinco estados suspenderam leis municipais que proibiam menção a gênero, segundo levantamento feito pela Folha.
Agora, a expectativa é que o tema seja analisado em breve pelo plenário do Supremo.
Desde o ano passado, a PGR (Procuradoria-Geral de Justiça) entrou com ao menos sete ações contra normas de municípios de diferentes regiões do país que proíbem a “ideologia de gênero” nas escolas —dessas, duas tiveram liminares suspendendo as leis.
O argumento é que as normas ferem princípios da Constituição, como o da liberdade de aprender e ensinar, e que apenas a União tem competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação.
Nos tribunais estaduais os fundamentos são parecidos. Alguns entenderam também haver censura a professores.
Para a PGR, que atua no STF, é enganoso dizer que há uma “ideologia de gênero”.
Em São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça já proferiu ao menos sete decisões contrárias a leis que vedam a abordagem de questões de gênero ou que trazem outros pontos do Escola sem Partido. Os casos se referem a São José do Rio Preto, Santos, Taquaritinga, Matão, São Bernardo do Campo, Jundiaí e Ribeirão Preto.
Uma das decisões mais recentes é de setembro. O TJ decidiu declarar inconstitucional lei de Taquaritinga que “proíbe atividades pedagógicas que reproduzam o conceito de ideologia de gênero”.
Sancionada em 2017, a norma define o conceito como a “ideologia segundo a qual os dois sexos, masculino e feminino, são considerados construções culturais e sociais”.
Segundo o TJ, a lei feriu a Constituição estadual, que dispõe que não pode haver “qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como quaisquer preconceitos de classe, raça ou sexo”.
Autor do projeto de lei, o vereador Genésio Valensio (PRB) afirmou que deve recorrer ao STF e que não poderia falar mais sobre o assunto por sofrer ameaças. “Falaram até que eu era contra os professores”, disse. “Independente de eu recorrer ou não, o Jair Bolsonaro já vai cortar.”
A proposta de governo registrada no Tribunal Superior Eleitoral por Bolsonaro não cita o nome Escola sem Partido, mas se alinha aos pressupostos do projeto em tramitação na Câmara.
“Mais matemática, ciências e português, sem doutrinação e sexualização precoce”, prega Bolsonaro.
No Rio, o Tribunal de Justiça suspendeu em setembro uma lei de Niterói que proibia escolas de recomendar qualquer tipo de material que trate de diversidade sexual e questões de gênero. O mesmo já havia ocorrido com lei de Volta Redonda.
Além desses locais, há decisões contrárias a leis dessa natureza nos tribunais dos estados de Minas, Sergipe e Amazonas.
Setores favoráveis às normas contestam. Autor do projeto que originou uma lei contra “ideologia de gênero” em Manaus, Marcel Alexandre (PHS) diz que entrou com a medida após pais reclamarem de “abusos” no ensino.
“Tenho certeza que os pais que geraram um Romeu vão olhar para ele com ideia de Romeu e dar conceitos de Romeu. Chega na escola e recebe conceito de Julieta? É complicado isso”, compara ele.
“Isso é um tema que cabe em universidade ou em ensino de segundo grau. Mas fundamental, não”, afirma.
A Secretaria de Educação de Manaus afirmou, por meio de nota, que tem um grupo de trabalho para fortalecer inclusão nas escolas, o qual trabalha com temas de diversidade sexual.
No STF, a primeira ação que chegou, em maio de 2017, foi contra uma lei de Novo Gama (GO) que proíbe materiais com “ideologia de gênero” e submete todos os conteúdos à análise prévia do município.
Na semana passada, um recurso da PGR nessa ação entrou em julgamento no plenário virtual (via internet). Na terça-feira (6), o ministro Edson Fachin pediu destaque, o que levará a discussão ao plenário presencial.
Ainda no ano passado, a PGR ajuizou outras seis ações contestando leis de Cascavel (PR), Paranaguá (PR), Blumenau (SC), Tubarão (SC), Ipatinga (MG) e de Palmas, que fora liberada pelo TJ do Tocantins.
As leis de Paranaguá e Palmas foram suspensas cautelarmente por decisão do relator, Luís Roberto Barroso. Os casos ainda irão ao plenário.
“Não tratar de gênero e sexualidade no âmbito do ensino não suprime tais questões da experiência humana, apenas contribui para a desinformação”, escreveu Barroso na ação sobre Palmas.
O ministro também suspendeu a ação que tramitava no TJ local. A Câmara de Palmas sustentou que abordar “a ideologia de gênero” extrapola a missão da escola e “implicaria afronta ao direito dos pais de educar os filhos”.
Na ação sobre lei de Blumenau ainda não há decisão. Mas o relator, Fachin, requereu informações e registrou no despacho que as alegações da PGR contrárias à norma “estão amparadas em precedentes desta corte”.
Um deles é um julgamento de 2011 no qual o plenário reconheceu o “direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana”.
O outro, de 2016, assentou, segundo Fachin, que “o direito à educação consubstancia um compromisso com a pluralidade democrática”.
Para Toni Reis, diretor do Grupo Dignidade, que ingressou como amicus curiae (amigo da corte) nas ações no STF, deve haver diretrizes definidas por especialistas e capacitação dos professores para lidar com esses temas.
“Falar sobre isso não é dar aula sobre sexualidade, é aprender que ninguém pode tocar no corpo de outro sem autorizar e que não se pode fazer bullying”, afirma.
20 municípios, ao menos, já aprovaram leis do tipo, que foram barradas na Justiça
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Tratar de “ideologia de gênero” ou fazer apologia a qualquer tipo de orientação sexual extrapola a missão da escola e implicaria afronta ao direito dos pais de educar os filhos.
Da FSP