Colete à prova de balas é um símbolo de Bolsonaro

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Em duas semanas, Jair Bolsonaro já será o presidente do Brasil. A simples menção ao cargo junto ao nome seria motivo de piada há dois anos, descrédito há um e faria surgir uma enorme lista de considerações prudenciais do bom senso político há meros seis meses.

Isso é história. O presidente eleito deve assumir, literalmente, com um colete à prova de balas. As ameaças são reais, como Juiz de Fora demonstrou —e posse em país com fama de “soft target” assistida pelo primeiro-ministro de Israel enseja cuidados ainda mais específicos.

Mas não deixa de ser um símbolo com duas faces. Uma, triste por refletir o ambiente de ódio em que ao menos a fatia conectada do Brasil vive e o qual retroalimenta. Outra, menos óbvia, personifica uma série de batalhas à frente.

Um bom exemplo disso é a promessa de Paulo Guedes, o faz-tudo da Economia, de mexer no vespeiro do Sistema S. Bastou a ideia, de resto já aventada sem sucesso no passado, para benevolentes fornecedores de piscinas para os acalorados paulistanos correrem para defender o Sesc.

Como se sabe, o Sistema S é bem mais que isso, e exatamente para o bem (justiça seja feita, aqui e ali aparelhos esportivos do Sesc são uma faceta defensável do conjunto). Guedes falou em “meter a faca” no sistema numa casa cheia de beneficiários dele, e o fez sem colete à prova de balas.

Devia, se estiver falando sério. A partir de 1º de janeiro, será posto à prova todo o voluntarismo que ganhou corpo desde a eleição de Bolsonaro. O pleito liberou uma energia enorme, represada não só pelo petismo ungido inimigo pela direita, mas por 30 anos de disfunção prática da Carta de 1988.

Por óbvio e paradoxal, é essa mesma Constituição a barreira última para evitar que o tecido social seja recomposto a partir das tintas autoritárias com que flertam os eleitos na onda Bolsonaro —a começar pelo próprio. É uma ameaça hoje distante, que não deve confundir-se com descontentamento pelo conservadorismo do eleitorado, mas que enseja atenção contínua.

Isso dito, as corporações, públicas e privadas, estão agitadas. Aqui e ali, mandam sinais à balbúrdia que se convencionou chamar de equipe de transição ora pedindo água, ora fazendo ameaças. Esses dias, chegou ao bunker de Bolsonaro um pedido por mais verbas de gratificação por eficiência da categoria bem paga dos auditores fiscais, que vivem entre greves brancas e oficiais há anos.

Reforma da Previdência, simplificação tributária, benefícios como o Simples. Só em temas econômicos, há briga para 20 anos.

Como tudo precisa de interlocução congressual, Bolsonaro terá de fazer escolhas, a começar pela principal, que é ceder e abrir caminho para a reeleição de Rodrigo Maia na Câmara.

A agenda bolsonarista de segurança pública e combate à corrupção, a outra vertente central de sua Esplanada, poderá ser um adoçante pontual enquanto pautas controversas tentam achar seu caminho nos seis meses de lua de mel que o Planalto terá.

Já medidas de governo na área de costumes, ambiente e política externa, que já causam polêmica antes de existirem por nocivas ou toscas, parecem inevitáveis em certo grau; resta saber se drenarão energia ou galvanizarão apoio.

Esse é o quadro incerto como se apresenta agora: terreno fértil para mudança, ausência aparente de um plano coeso.

Da FSP