Damares irá atuar para que igreja possa converter índios
Missionários que trabalham na conversão de índios à fé cristã deverão receber mais liberdade de ação da futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a pastora evangélica Damares Alves.
É essa a expectativa expressa pelo líder do trabalho missionário na Igreja do Evangelho Quadrangular, o reverendo Fernando Camargo. Damares é pastora da Quadrangular e, a partir de janeiro, a Fundação Nacional do Índio (Funai) estará subordinada ao seu ministério.
Camargo lembra que a própria Damares já se envolveu com trabalho missionário com índios.
“Trabalhamos para levar o Evangelho a todos os povos, tribos e nações, o que é uma ordenança bíblica”, afirmou Camargo ao Valor por e-mail.
“Sendo assim, esperamos liberdade e apoio da área governamental, em vez de sermos perseguidos ou vistos como aqueles que prejudicam a cultura indígena”, declarou ao falar de sua expectativa em relação ao papel de Damares no governo de Jair Bolsonaro.
A expectativa do reverendo parece ser a mesma que a de outras igrejas com ações missionárias.
A Quadrangular é uma entre as diversas igrejas protestantes que desempenham trabalhos missionários em terras indígenas no Brasil. Padres e freiras da Igreja Católica também têm forte e histórica atividade com objetivo de evangelizar índios.
Missionários são muitas vezes criticados por acadêmicos, indigenistas e servidores da Funai por tentarem alterar visões e ritos ancestrais de povos indígenas, substituindo-os ou mesclando-os com valores e com a moral cristã. Um processo que teria como efeito mudanças culturais e na organização desses povos.
A resposta, em geral, dos religiosos é que os próprios índios têm interesse pela mensagem bíblica e que esta os ajuda a reduzir problemas de alcoolismo e casos de violência doméstica nas aldeias. “Por que as etnias indígenas deveriam ser privadas de ouvir a mensagem de Cristo e não terem liberdade de fazerem suas próprias escolhas? Por que outros deveriam escolher por eles?”, questiona o reverendo Camargo.
Segundo ele, a Quadrangular mantém atualmente nove missionários trabalhando em tempo integral com índios das etnias Kaxinawa, Macuxi, Pataxó e Parakanã. Suas aldeias estão no Acre, Roraima, Bahia, Minas Gerais e Pará. Mas há um número muito maior, difícil de ser estimado, diz ele, de missionários voluntários.
A Funai exige que interessados em ingressar em terras indígenas formalizem ao órgão seus objetivos e o período de tempo que pretendem ficar. Em respeito ao preceito constitucional de autodeterminação e liberdade das populações indígenas, visitantes podem entrar em aldeias uma vez que sejam convidados a fazê-lo – mesmo sem prévio consentimento da Funai.
É o caso dos missionários. O que não tem efeito legal são convites da comunidade a visitantes interessados em atividades vetadas por lei, como a mineração em terra indígena.
Uma das missionárias da Quadrangular trabalha atualmente na tradução da Bíblia para os Parakanã, cuja família linguística é o tupi-guarani. “Dois Evangelhos já foram traduzidos”, segundo Camargo. A Quadrangular tem hoje 18 mil igrejas pelo país e é presidida pelo reverendo Mario de Oliveira, que foi deputado federal por sete legislaturas.
Camargo disse que a pastora Damares “tem dedicado parte de sua vida e vem há anos lutando pelos direitos humanos e, em especial, pela causa indígena.” E acrescentou: “Damares é a pessoa certa no lugar certo”.
Assim como outras, a igreja da futura ministra associa evangelização e prestação de serviços de saúde. Em janeiro, por exemplo, segundo Camargo, médicos e dentistas estarão nas aldeias Pataxó em Porto Seguro.
Uma dos temas que mobilizam missionários é a prática de alguns povos indígenas de matar crianças acometidas por certos problemas de saúde. É um tema que suscita longas discussões sobre defesa da vida e o respeito à cultura de povos indígenas.
A ONG Atini, que teve Damares Alves, como uma das fundadoras, é alvo de duas ações do Ministério Público Federal, uma no Distrito Federal e outra em Rondônia, por conta de um vídeo sobre a morte de crianças indígenas. A Funai é parte das ações, ao lado do MPF. Uma delas pediu que a ONG fosse autuada em R$ 1 milhão e a outra, em R$ 3 milhões. O primeiro pedido foi negado pela Justiça em Brasília. O outro, ainda não foi julgado.
A advogada da ONG, Maíra de Paula Barreto Miranda afirmou ao Valor que Damares Alves não é parte da ação porque deixou a Atini em 2015, antes das ações.
O filme tem o título de “Hakani, uma menina chamada sorriso”. Contém depoimentos reais e encenação e trata da história de uma menina e um menino, irmãos de 3 a 5 anos, da etnia Suruwaha, do Amazonas que tinham hipotireoidismo e, pela tradição, tiveram de ser enterrados vivos. A menina foi desenterrada por outro irmão. Levada por um casal de missionários para cuidados médicos, sobreviveu.
Em uma das ações, o MPF afirma que o vídeo gerou “manifestações preconceituosas e discriminatórias” contra índios e que um objetivo dos produtores era “legitimar” a presença de missionários nas terras indígenas.
A advogada da ONG disse que não se trata disso, mas sim de alertar contra a prática de infanticídio.
“Um setor do Ministério Público Federal tem um visão relativista dos direitos humanos, uma visão segundo a qual dependendo de onde você nasce e da sua cultura você não tem direito à vida”, disse ela. O vídeo, por ordem judicial, foi retirado do site da Atini e do da Jovens com uma Missão (Jocum). Mas continua no YouTube.
A advogada recorre da decisão. E diz – reiterando um argumento comum em igrejas com atuação missionária indígena – que índios têm direito de conhecer informações sobre saúde e outros pontos de vista que não os seus. “E têm o direito de saber que existem outras religiões”, defende a advogada.
Do Valor