Insulto de Bolsonaro a cubanos deixa metade dos indígenas sem médicos
As primeiras impressões do médico Thiago Ramos, 32, sobre Brejo da Madre de Deus, no agreste pernambucano, resumem a semana de estreia dos brasileiros substitutos dos cubanos que deixaram o programa Mais Médicos.
A expectativa pelo novo emprego contrasta com uma sobrecarga de pacientes, com receitas médicas atrasadas e com o desafio de cumprir a carga horária do programa e ao mesmo tempo manter os plantões antigos que dava no interior de Pernambuco.
“Estou me adaptando ainda. Fui selecionado e tinha me comprometido. Estou tentando conciliar tudo.”
Até agora, Thiago atendeu diariamente entre 30 e 40 pacientes —e o dia não termina. “São plantões de 24 horas que eu tenho em outros lugares. Estou tendo que colocar alguém no meu lugar e tentando ir no fim de semana”.
Segundo o ministério da Saúde, até as 9h desta quarta-feira (19), 8.411 médicos completaram a inscrição no Programa Mais Médicos. Destes, 5.972 compareceram ou iniciaram as atividades nas localidades, o que significa que, mesmo com um maior prazo, 29% dos médicos não se apresentaram nos locais de trabalho.
A Folha ouviu médicos e funcionários de saúde em 17 cidades brasileiras onde mais se abriram vagas de cubanos. São locais, em sua grande maioria, de difícil acesso, sem alguns atrativos para a carreira médica como universidades ou grandes hospitais próximos.
Para alguns gestores, há o temor de que os novatos abandonem o programa em poucos meses. “Eles têm plantão em outros lugares. Disseram que podem desistir se não conseguirem conciliar”, diz o secretário de Saúde do município do Brejo da Madre de Deus, José Edson de Souza.
Em Cajazeiras (PB), o médico Rodrigo Moreira, 25, formado há seis meses, diz saber do desafio. “Eu morava em João Pessoa. Tenho consciência que preciso ter disponibilidade. Se for pegar um plantão, tem que ser no fim de semana”, avisa ele, que agora atende em um posto na zona rural até 30 pessoas diariamente.
O trabalho em Chapadinha (MA) é o primeiro da recém-formada Gilvânia Rocha, 30, que escolheu a cidade de parentes da amiga e colega de trabalho. Lá, até sexta-feira (14), 5 das 15 vagas do Mais Médicos ainda não haviam sido preenchidas.
“Estou com muita expectativa. É meu primeiro emprego oficial na área de atenção básica”. Ela pensa em ficar ao menos dois anos no Mais Médicos, mas sair antes dos três previstos no programa para cursar uma especialidade.
Em Marechal Thaumaturgo, no Acre, as quatro vagas abertas pela saída dos cubanos não haviam sido preenchidas até a última sexta-feira (14). Isolado em meio à floresta, a pelo menos sete horas de lancha da cidade mais próxima, apenas um médico serve à população da cidade, que tem 14 mil habitantes.
“Minha amiga, a população está abandonada”, disse o secretário de Saúde José Maria da Silva. Um dos quatro médicos aprovados chegou a se apresentar, mas desistiu da vaga no mesmo dia. “É muito longe, isolado. Médico com CRM não vem, não adianta.”
Na gaúcha Santo Angelo, 11 das 15 vagas foram preenchidas. Três deles são cubanos que já haviam ficado no Brasil e fizeram o Revalida. “Tem sido uma experiência muito bonita”, diz o médico Rafael Machado Ramos, 34, que é cubano e fez a prova em 2016.
Ele e a mulher, também médica, começaram a atender há uma semana, substituindo os médicos que regressaram ao país deles. Eles vieram no começo do programa, em 2014. “Fizemos uma escolha de ficar aqui, na liberdade, na democracia. Posso dar entrevista, falar o que eu quiser”, diz Ramos.
Enquanto a situação não volta ao normal, a saúde ainda está em alerta nesses locais. Alguns municípios diminuíram o horário de atendimento nos postos, transferiram pacientes e precisaram fazer rodízio de equipes médicas.
Cruzeiro do Sul, no Acre, sem 8 dos 12 médicos, teve a demanda aumentada nos hospitais.
Em Duque de Caxias, cidade historicamente violenta na região metropolitana do Rio, 4 das 13 vagas disponíveis também não foram ocupadas.
Em Euclides da Cunha, na Bahia, 11 das 16 vagas foram ocupadas até a última sexta-feira (14), os outros cinco ainda não se apresentaram. Vieram de vários estados, até de Rondônia. Até o fim da última semana, das 19 vagas abertas em Dseis (Distritos Sanitários Especiais Indígenas) da Bahia, dez médicos haviam se inscrito mas desistiram, e um disse que só se apresenta em janeiro.
Em Itapajé –distante 129 quilômetros de Fortaleza–, dois inscritos desistiram, das 13 vagas disponíveis, um deles porque foi aprovado numa residência médica.
Um ponto observado é que em algumas cidades há uma migração de profissionais da rede municipal para o Mais Médicos.
Em Tucuruí, no Pará, por exemplo, 9 das 13 vagas foram preenchidas, mas só cinco substitutos chegaram. E dos inscritos, três deles migraram do emprego na própria rede municipal para o Mais Médicos, desfalcando a rede.
Da FSP