MBL comprou páginas grandes no Facebook por R$ 10 mil para fazer campanha
Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, o cenário memeiro de política no Brasil se mantinha estável em meio à turbulência. Havia, no fronte, duas correntes: de um lado, as páginas maiores que marcavam suas posições ideológicas, como o Movimento Brasil Livre, o MBL, um dos grandes agitadores do impeachment da presidente; do outro, em maior quantidade e menos influência, havia as páginas e grupos apartidários como Ajudar O Povo De Humanas a Fazer Miçanga, O Legado da Copa, O Brasil Que Deu Certo e a Corrupção Brasileira Memes (CBM). A produção de todas seguia em relativa paz até que forças ocultas se mobilizaram no que seria um prelúdio do uso estratégico das redes sociais no campo eleitoral.
De dois anos pra cá, testemunhamos uma metamorfose política de algumas páginas que antes defendiam um discurso de alopração generalizada, quase niilista, e hoje integram a nova direita brasileira ao lado de Direita Vive 3.0 e Socialista de iPhone. Antes apartidárias, elas passaram a focar numa tiração de sarro com a esquerda e a endeusar figuras da direita, como Jair Bolsonaro. Conforme apuramos, a maior parte delas está diretamente ligada ao MBL, grupo que iniciou sua trajetória militante anti-petista na internet e hoje, segundo fontes, compra outras páginas para manter seu domínio na proliferação de notícias apaixonadas em forma de montagens de fácil assimilação.
A mais relevante aquisição é a da página Corrupção Brasileira Memes (CBM), uma das maiores do país, hoje com mais de 1,2 milhões de usuários. Antigos membros da CBM, insatisfeitos com os rumos que a página tomou, conversaram conosco para explicar como se deu o que chamam de “tomada do poder” do MBL na comunidade.
Segundo Caio* e Felipe* tudo começou quando membros do MBL pediram para ser inseridos no grupo “CBM OFF”, um espaço fechado no Facebook em que assuntos diversos eram discutidos pelos moderadores. Lá os novos novos integrantes idealizaram a “Copa Severino Cavalcanti”, premiação feita em tom de deboche para eleger “o pior parlamentar do ano de 2016”. O evento foi realizado em parceria com Arthur do Val, dono da página Mamãe Falei, MBL e as páginas “Socialista de Iphone” e “Corrupção Brasileira Memes”. (Esta última na época fez uma página exclusiva com memes de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados e um dos principais articuladores do impeachment de Dilma Rousseff, que acabou preso em outubro de 2016 pelos crimes de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Meses antes, por ironia ou não, o MBL havia encontrado Cunha e tirado fotos celebratórias com ele para comemorar um Brasil sem corrupção.)
Segundo participantes da administração da CBM na época, nesse período alguns membros do MBL começaram a influenciar diretamente no conteúdo produzido pela página. Foi uma crescente que culminou na tomada do grupo após a criação de um suposto financiamento coletivo para a produção de camisas por parte do fundador do grupo, Lucas Cristofolini.
“Ficou um clima de mal-estar no lugar, mas todo mundo ficou calado até que vimos que, como recompensa para doação, foi oferecido cargos dentro da CBM”, afirma Felipe*. Na campanha, conta, foi oferecido o cargo de administrador da página por R$ 500. “Depois de um tempo, o Bernardo Quintão do MBL comprou uma assinatura R$ 500, então o bagulho começou a ficar estranho, porque tinha um cara de um movimento político dando dinheiro pra ter um poder dentro de algo nosso.”
Outra fonte que batemos papo também afirma que, por fora, foram pagos o valor de 10 mil reais para compra da página. O grupo de moderadores, que até então tinha em torno de 20 a 30 membros, se desfez após a compra. Todos os administradores da página, então, formaram o atual Partido Memista.
O problema maior foi que, depois da dominação, a página aderiu a um discurso reacionário até chegar no momento em que está hoje. Os alvos são sempre esquerdistas; os heróis, por sua vez, são Sérgio Moro, Jair Bolsonaro e outros ícones da direita. “É uma boa ferramenta pra eles tentarem influenciar sutilmente as pessoas. E eles tem outras páginas que fazem isso, não é só a CBM”, confirma ex-membro. (Perguntamos a Lucas Cristofolini, criador da campanha do Catarse e fundador da página, sobre seu envolvimento com o MBL. Ele se negou a falar com a VICE sobre o assunto. O MBL também não quis comentar.)
Nessas páginas envolvidas com compra e forte influência do movimento, segundo fontes, estão Socialista de iPhone e Ranking dos Políticos, que juntas somam mais de 2 milhões de pessoas. No caso da segunda página, de acordo com fonte que preferiu não revelar o nome, a ligação com o MBL foi feita por meio de Ian Garcez, um membro que dedica sua vida a estudar a história da arte e seminários de filosofia do astrólogo Olavo de Carvalho. Não há detalhes de valores ou confirmação se de fato houve uma aquisição.
O Ranking também nasceu em meados de 2013 com o suposto propósito de informar a população sobre a atuação de deputados federais e senadores, colocando-os em posição de melhor pra pior baseados em uma pontuação acumulada a partir da presença nas sessões, processos judiciais, entre outros critérios. A página, porém, é menos imparcial do que aparenta: possui um conselho cujos membros, alguns deles ligados à empresas e outros ao Partido Novo, defendem a “livre iniciativa, a propriedade privada e o regime de mercado”, como anunciam na aba Sobre do site.
Coincidência ou não, a estratégia visual da página no Facebook do Ranking ficou, de meses para cá, muito parecida com a do MBL. São identidades muito similares a de CMB e Socialista de iPhone. Todas satirizam o racismo, o feminismo e defendem bandeiras neoliberais. Tentamos entrar em contato com os moderadores de ambas as páginas para confirmar a relação com o grupo político, mas não obtivemos qualquer retorno.
Origem estética, ruptura e expansão
Se hoje os memes parecem todos iguais, o mérito é do MBL. A estética da nova direita brasileira presente nas páginas de Facebook (e também nos grupos de zap) foi consolidada por eles em torno de 2013. Desde o óclinhos de thug life de Bolsonaro até as montagens propositalmente feias e exageradas, aquilo que se iniciou nos primórdios do meme brasileiro ainda estão presentes na maioria das páginas reacionárias pra tirar sarro de esquerdistas. O seu principal proponente foi Paulo Batista, o primeiro candidato a usar em campanha o termo “mito” e cruzar a linha entre o que era produzido na internet e o que era utilizado como material de campanha.
Membro fundador do MBL, Paulo Batista ficou conhecido por seu vídeo “Raio Privatizador”, carro-chefe de sua campanha, e viralizou durante as eleições daquele ano. No vídeo, o comunicador voa por capitais como Havana e Pyongyang e, como um Zeus bestializado, dispara feixes de luz que modernizam e transformam seus alvos em cidades prósperas. A mesma linguagem colorida, com flashes de imagens absurdas e propositalmente ridículas, ícones cartunescos e frases debochadas, seria usada à exaustão pelo MBL nos anos seguintes.
Batista se diz um visionário dos memes de direita no Brasil. Influenciado pelas manifestações que levaram milhões de brasileiros às ruas em 2013 e pelo sentimento político subsequente no país, criou algo que refletia aos anseios da população jovem por memes e pelo discurso político contrário ao que estava no poder. Ao contrário da alt-right, a direita dos EUA que incorporou virais como o Pepe The Frog, não havia no Brasil uma simbologia para memes de direita. “As gerações mais velhas não comprariam a briga pela mudança. Sou formado em comunicação e precisava colocar as ideias como ‘viral’ na web”, conta Paulo Batista.
O co-fundador do MBL também apresentava outra característica marcante: o confronto debochado. Ele encontrava seus apoiadores e ia até a universidade de Direito da USP abordar e afrontar estudantes, tática que é usada até hoje pelo grupo. Hoje ele tem participação em oito páginas, mas prefere não revelar quais. Resume-se a dizer que quatro são acadêmicas. “A única contundente que eu tenho é essa”, completa, se referindo à página Raio Privatizador, hoje com não mais de 100 mil membros, que administra com a ajuda de três amigos desde 2014, quando ainda fazia parte ativamente como fundador do MBL.
O MBL, lembra Batista, teve seu primeiro momento de destaque em 2014 às vésperas da eleição que reelegeu Dilma Rousseff. O grupo foi um dos principais articuladores das manifestações que tomaram as ruas. As pautas do grupo até o momento eram: luta contra a corrupção, pedidos de intervenção militar e apoio ao então candidato Aécio Neves.
Nos atos, Paulo Batista participava ao lado de nomes como Flávio Bolsonaro e Marcello Reis, do Revoltados Online. Era citado como representante do movimento e defendia a ideologia libertária e neoliberal como resposta a falta de clareza nas reivindicações feitas. “Em 2013, surgiram movimentos estatistas colocando o ‘Estado’ como principal ferramenta de transformação social”, diz Batista. “Na contramão, iniciamos o movimento pela liberdade.”
Batista saiu do movimento assim que percebeu uma manipulação dos conteúdos. “Não faço parte dele desde 2015. Meu sonho era outro”, diz. “Objetivava criar um movimento que abrisse espaço para todas as vertentes da liberdade. Sou contra a manipulação que a esquerda e a direita fazem através de movimentos.”
Questionado sobre as formas de financiamento do MBL em uma entrevista no programa The Noite do SBT, também em 2014, Paulo Batista afirmou que todo o dinheiro vinha do próprio bolso. Essa questão até hoje, quatro anos depois, se mantém nebulosa. O jornal El País apontou que os os recursos que o MBL recebe por meio de doações, vendas de produtos e filiações são destinados a uma associação privada chamada Movimento Renovação Liberal (MRL). Ela está no nome de quatro membros de uma mesma família: Alexandre, Stephanie e Renan Santos, que em 2014 respondiam juntos a mais de 125 processos trabalhistas. Os nomes dos doadores nunca foram abertos ao público.
O site Intercept Brasil também apontou para diversas relações entre o grupo e think tanks como o Atlas Network (Rede Atlas) visando a promoção do pensamento liberal no Brasil. O grupo de jovens memeiros, porém, sempre adota a postura ensaboada. Não concede entrevista a jornalistas que os questionam nem busca esclarecer as origens de seus interesses para seus seguidores. Na parte de comunicação, resumem-se a fazer o que seu público quer: memes e vlogs que ridicularizam quem se opõe a eles.
A transformação do MBL em política real
O monopólio que se formou nos bastidores dos memes mais influentes ajudou o MBL a aumentar seus seguidores e a eleger seus próprios políticos. Depois de eleger vereadores em 2016, a fábrica de memes conquistou cargos legislativos em 2018. A “bancada MBL” hoje conta com cinco deputados federais e dois senadores. O grupo também consultou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tentativa de se formar um partido político.
Por ora, ninguém sabe como lidar direito com o grupo porque os limites jurídicos de atuação não são claros. Estamos lidando com uma empresa, uma agência, um partido ou tudo isso?
Segundo o especialista em direito eleitoral, Arthur Rollo, há uma falta de estrutura nesses influenciadores e movimentos por não obterem uma constituição jurídica e formal. “Fica mais difícil de serem responsabilizados. Não há ilegalidade, mas é uma forma de manipular informação”, indica. “No Brasil esses movimentos têm de ser mais estruturados. Precisa ser exigido uma estrutura jurídica para cada um. Precisam ser melhor regulados porque angariam milhões de seguidores para uma possível propaganda política.”
Enquanto houver brechas, o MBL seguirá rindo. E provavelmente arrebanhando mais pessoas com inverdades em forma de piadas fáceis 😂😂😂
De Vice