Próximo de Bolsonaro, Alexandre Garcia deixa a Globo após 31 anos de trabalho
A direção de Jornalismo da Globo, na voz de Ali Kamel, anunciou nesta sexta a saída de Alexandre Garcia da emissora, após 31 anos de serviços prestados à família Marinho.
Na justificativa para tanto, consta o mesmo argumento apresentado para a saída dos jornalistas que deixaram a casa nos últimos anos (exceção feita a Wiolliam Waack, que teve um motivo concreto para encerrar seu expediente na emissora): Garcia vai se dedicar a novos projetos.
O caso é que o contrato acabou, como aconteceu com outros, e não será renovado.
Nos bastidores, comenta-se que o apoio público de Garcia ao governo de Jair Bolsonaro, por meio de textos assinados por ele, inclusive com agradecimento público do presidente eleito pelo Twitter, gerou desconforto interno.
O episódio gerou até especulações sobre uma possível nomeação de Garcia como chefe da Comunicação do governo Bolsonaro. Mas, segundo o comunicado da Globo, ele continuará se dedicando às colunas de rádio e jornais.
Não que a Globo seja contrária ao novo presidente, mas a política da casa tem evitado ao máximo qualquer posicionamento político público do Jornalismo e de seus profissionais, inclusive por meio de regras formalmente documentadas e assinadas pelos jornalistas da emissora.
No comunicado assinado por Kamel, no entanto, a saída é atribuída a uma decisão dele, e não faltam elogios à trajetória do jornalista, a quem a Globo deseja boa sorte.
Convém lembrar que Garcia também era apontado como um entusiasta do governo Collor, o que Roberto Marinho também foi.
Os tempos, agora, parecem ser outros. Há a exposição potencializada pelas redes sociais e uma revisão de posições editoriais, sob responsabilidade de João Roberto Marinho. Mesmo sob a ameaça de perder uma fatia da verba publicitária do governo federal, a Globo segue, até aqui, um caminho bastante distinto das outras três redes de TV – mais dependentes da publicidade oficial, SBT, Record e RedeTV! declararam apoio público ao novo governo.
Eis o comunicado:
Conheci pessoalmente Alexandre Garcia em 1991, quando fui diretor do jornal O Globo em Brasília e ele era o diretor regional de jornalismo da Globo na capital. Costumávamos nos encontrar às terças, quando o saudoso Toninho Drummond, então diretor da Globo em Brasília, oferecia um almoço com fontes e nos convidava. Percebi em Alexandre, de imediato, o homem que ele é: correto, íntegro e também extremamente gentil e generoso. Ele, um super consagrado jornalista, com presença marcante no vídeo, além das atribuições editoriais do cargo; eu, um recém chegado a Brasília, com 29 anos, nove anos de profissão. Apesar disso, Alexandre me tratava como um igual e me ajudava no que podia. Ao chegar à Globo em 2001 reencontrei o mesmo Alexandre: profissional completo, com conhecimento de pós-graduado na cobertura política, mas o mesmo homem gentil que eu conhecera 10 anos antes. Em decisão muito refletida, depois de quase 31 anos de trabalho aqui na Globo, Alexandre decidiu deixar a emissora para amenizar um pouco o seu ritmo frenético de trabalho. Diante do trabalho exemplar ao longo de todos esses anos, é uma decisão que respeito. Ele deixa um legado de realizações que ajudaram o jornalismo da Globo a construir sua sólida credibilidade junto ao público. O trabalho na Globo foi a sequência de uma vida profissional que poucos podem ostentar.
A naturalidade frente às câmeras sempre foi um dos trunfos de Alexandre. Consta que quando começou na Globo, o saudoso Armando Nogueira dizia que ele estava inovando porque fazia gestos na televisão. Enquanto a norma era uma postura mais formal, Alexandre caminhava, fazia gestos. Essa naturalidade vinha de criança. Aos sete anos já atuava como ator infantil na rádio em que seu pai, o radialista Oscar Chaves Garcia, trabalhava. Aos 15, transmitia a Missa na Rádio de Cachoeira do Sul, onde nasceu em 1940. Aos 16, era locutor, redator, apresentador, repórter de rua da pequena rádio Independente de Lajeado. Ao se mudar para Porto Alegre para continuar os estudos, virou locutor da Rádio Difusora, dos Diários Associados. Ele conta que o salário pagava a pensão e a escola.
Quando entrou na PUC/RS para estudar Comunicação Social(onde foi o primeiro lugar no vestibular e no curso todo e presidente do Centro Acadêmico) era funcionário concursado com primeiro lugar no Banco do Brasil. Agora era o bancário sustentando os estudos do futuro jornalista. Conseguiu seu primeiro estágio na sucursal do Jornal do Brasil na capital gaúcha. Especializou-se na cobertura de economia, com ênfase na Bolsa de Valores. Ao ser contratado pelo JB, apostou no seu talento como jornalista e encerrou sua carreira de bancário.
Em 1973, cobriu o fechamento do Congresso uruguaio, que deu início à ditadura militar no país. Foi transferido então para Buenos Aires, onde ficaria três anos, acompanhando a agonia do governo peronista e a crise que levaria também ao golpe militar. Alexandre teve que deixar a Argentina às pressas depois de uma reportagem em que denunciava o esquema de corrupção da polícia rodoviária argentina próximo à cidade de Mar del Plata.
De volta o Brasil, foi trabalhar na sucursal do JB em Brasília, onde permaneceu dez anos, firmando-se como um bem sucedido repórter de política. Em 1983, estreou no vídeo na extinta TV Manchete. É dele a entrevista do último presidente militar, João Figueiredo, de quem foi porta-voz por um período. Foi a antológica entrevista em que Figueiredo disse: “Eu quero que me esqueçam!” Continuou a carreira como correspondente internacional cobrindo as guerras civis no Líbano e Angola – e a Guerra das Malvinas, o que lhe valeu a Ordem do Império Britânico, concedida pela Rainha Elizabeth II.
Em março de 1988, a convite de Alberico Souza Cruz, começou a trabalhar na TV Globo de Brasília. Entre seus primeiros trabalhos, um quadro no Fantástico que levava o seu nome: A Crônica de Alexandre Garcia, em que divertia os brasileiros com gafes e bastidores do mundo político da capital, num texto irresistível. Como repórter especial dividia-se entre o JN, o JH e o Jornal da Globo. Participou de momentos memoráveis da história recente do Brasil como as primeiras eleições democráticas para presidente, em 1989, depois da ditadura militar. Ao lado de Joelmir Betting, entrevistou todos os candidatos no programa Palanque Eletrônico. Ainda foi um dos mediadores do debate de segundo turno entre Lula e Fernando Collor, realizado em pool pelas quatro grandes emissoras de então, Globo, Band, SBT e Manchete.
Entre 1990 e 1995, como disse, Alexandre Garcia foi diretor regional de jornalismo da Globo de Brasília, sem deixar de lado seu trabalho frente às câmeras. Em 1993, estreou como comentarista do JG, em 96, passou a ter um programa na GloboNews, Espaço Aberto.
De 2001 a 2011 foi o âncora do DFTV. Comentava, analisava, cobrava das autoridades soluções para os muitos problemas que afetam os brasilienses. Nos últimos anos, tornou-se comentarista político do Bom dia Brasil, comentarista local diário do DFTV e faz parte do grupo de apresentadores que se reveza na bancada do JN aos sábados. Durante todo esse período, não houve cobertura de política no Brasil sem que ele brilhasse.
Em nossa conversa, Alexandre me disse que deixa a Globo, mas não o jornalismo. Ele continuará a ter seus comentários políticos transmitidos por duzentas e oitenta rádios Brasil afora. Do mesmo jeito, continuará a escrever artigos para um sem número de jornais por todo o país. E, entre seus planos, está o de acrescentar outro títulos ao seu livro de grande sucesso “Nos Bastidores da Notícia”, lançado em 1990 pela Editora Globo.
Em nome da Globo, eu agradeço tudo de grande que Alexandre fez para o jornalismo da emissora, um legado que deve inspirar a todos nós que aqui trabalhamos: profissionalismo, brilho, correção e competência. E eu agradeço tudo o que fez por mim, seu jeito gentil, sua generosidade. Muito obrigado Alexandre, um grande abraço, que você seja muito feliz, porque você fez por merecer.
Da FSP