Relator da ONU publica carta defendendo direito de Lula conceder entrevistas
Em uma carta enviada às autoridades brasileiras, o relator independente da Organização das Nações Unidas (ONU) para a proteção da Liberdade de Expressão, David Kaye, criticou a decisão de proibir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, de conceder entrevistas na prisão.
“Expressamos nossa preocupação sobre a decisão de prevenir a imprensa de entrevistar Lula na prisão”, escreveu o relator, numa carta datada de 10 de outubro, em que ele cita como base a decisão envolvendo o jornal Folha de S. Paulo. A comunicação foi dirigida à missão do Brasil na ONU, que teve como responsabilidade repassar o documento para Brasília.
Kaye pedia uma resposta do Brasil no prazo de 60 dias, o que não ocorreu até o vencimento do período. O Estado solicitou uma posição por parte do Itamaraty. Em resposta à reportagem, o Itamaraty esclareceu que enviará o esclarecimento solicitado.
“A comunicação do relator das Nações Unidas sobre direito de expressão foi encaminhada pelo Itamaraty à atenção do Poder Judiciário. Os fundamentos legais da decisão do Judiciário constam do acórdão pertinente, que é público e, como tal, pode ser acessado pelos interessados. Providenciaremos, de todo modo, o envio de cópia do documento ao relator”, disse o Itamaraty, por meio de sua assessoria de imprensa.
“Estamos ainda preocupados com o fato de essa decisão ter sido publicada no contexto das eleições, onde o papel da imprensa e o direito público à informação é de importância maior e podem ter um impacto nos resultados das eleições”, apontou David Kaye, professor da Universidade da California, onde ensina direito internacional. Kaye iniciou sua carreira como advogado no Departamento de Estado norte-americano e, na página oficial da ONU, ele aparece como membro do Conselho de Relações Exteriores, nos EUA.
No documento, o relator pede esclarecimentos às autoridades brasileiras. “Por favor, providencie informações sobre medidas tomadas pelo seu governo para garantir que a imprensa não é impedida ou censurada na cobertura ou na publicação de eventos e entrevistas, em geral e em particular, durante as eleições”, diz o texto, que indica que o ex-presidente foi “sentenciado a 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro”.
Enquanto aguardava por uma resposta, o relator solicitava que medidas preventivas fossem tomadas para impedir que as supostas violações fossem mantidas.
O texto diz que sua decisão em pedir esclarecimentos ocorreu depois de receber informações sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal, de 28 de setembro, que impedia o jornal Folha de S. Paulo de entrevistar Lula na prisão. O texto traz as diferentes decisões nas semanas que se seguiram, com recursos e os argumentos apresentados.
O relator ainda cita a medida provisória do Comitê de Direitos Humanos da ONU que, em agosto, solicitou que o estado brasileiro garantisse que Lula usufruísse de seus direitos políticos, mesmo na prisão.
No início de outubro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, decidiu manter a proibição do ex-presidente conceder entrevistas da prisão. Para o presidente da Corte, deve ser cumprida “em toda a sua extensão” a decisão liminar do vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, que impediu Lula de falar com a imprensa no período eleitoral no final de setembro.
Toffoli também reiterou que a proibição vale até o plenário da Suprema Corte analisar definitivamente a questão, que foi alvo de uma guerra de liminares no tribunal que envolveu nos últimos dias o próprio Toffoli, Fux e o ministro Ricardo Lewandowski.
No dia 19 de outubro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ainda defendeu, em manifestação enviada ao STF, que Lula seja impedido de conceder entrevistas da prisão. Segundo ela, Lula “é um detento em pleno cumprimento de pena e não um comentarista de política”.
Dodge afirmou, ainda, que “a proibição desta entrevista não exclui, pois apenas limita a liberdade de expressão do condenado recluso. Ele continuará podendo se comunicar com o mundo exterior por correspondências e visitas de seus familiares e amigos”, de acordo com a legislação em vigor. Em sua visão, a medida era “proporcional e adequada a garantir que as finalidades da pena a ele imposta sejam concretizadas, sendo, portanto, compatível com a ordem jurídica do país”.
Do Estadão