148 parlamentares receberam doações de desmatadores e escravagistas
Um quarto dos parlamentares que tomaram posse na última sexta-feira (1/02) foram financiados por executivos autuados pelo Ibama por infrações ambientais ou ligados a empresas que já estiveram na “Lista Suja” do trabalho escravo. São pelo menos 131 deputados federais e 17 senadores eleitos que receberam, ao todo, R$ 8,3 milhões em doações de campanha de empresários com a ficha socioambiental comprometida.
Entre os parlamentares que receberam esse tipo de doação, estão dois ministros do presidente Jair Bolsonaro: Onyx Lorenzoni (DEM-RS), da Casa Civil, e Tereza Cristina (DEM-MS), da Agricultura. Apesar de já atuarem como ministros, ambos deixaram o cargo temporariamente para tomarem posse na Câmara dos Deputados.
O presidente reeleito da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o o candidato derrotado à presidência do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), também integram o grupo, que corresponde a 25% da Câmara e 21% do Senado. Os senadores Cid Gomes (PDT-CE), Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Luis Carlos Henize (PP-RS) estão entre os 14 congressistas que receberam tanto de desmatadores quanto de escravagistas.
O levantamento, feito pela Repórter Brasil, considerou os sócios e administradores de empresas ativas, segundo dados da Receita Federal, e os financiadores de campanhas que constam no site do Tribunal Superior Eleitoral. Foram consideradas ainda empresas e empresários que já foram autuados pelo Ibama por crime ambiental, além daqueles que já entraram na “lista suja” do trabalho escravo – base de dados publicado pelo Ministério do Trabalho semestralmente desde 2003.
A legislação não impede esse tipo de doação, contudo, o financiamento de campanha feito por doadores-infratores pode ser um caminho para entender os interesses por trás da atuação dos parlamentares.
Entre os que mais receberam estão os senadores Renan Calheiros e Rodrigo Pacheco: R$ 500 mil cada um. O alagoano recebeu doação de R$ 500 mil de Cícero Rafael Tenório da Silva, empresário do ramo de logística em Alagoas, que já foi autuado dez vezes pelo Ibama por desmatamento. Ele chegou a pagar R$ 168 mil em multas pelo crime ambiental.
Tenório foi responsável pelo financiamento de um quinto do total recebido pela campanha de Calheiros. O empresário, com patrimônio declarado de R$ 71,2 milhões, fez parte da chapa e foi eleito como primeiro suplente. Procurados, Calheiros e Tenório não responderam às questões enviadas pela reportagem.
Já Pacheco, que derrotou a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) na disputa para o Senado por Minas Gerais, teve R$ 500 mil doados pela mesma família, a Menin, controladora da construtora MRV. O presidente da empresa, Rafael Menin, assim como seu pai Rubens Menin doaram, cada um, R$ 200 mil para o senador. Maria Fernanda, filha de Rubens e irmã de Rafael, também é sócia da Costa Atlântica Incorporadora, empresa autuada pelo Ibama e doou R$ 100 mil.
A MRV foi flagrada com trabalho escravo cinco vezes, entre 2011 e 2014, somando 203 trabalhadores resgatados, como mostra reportagem da Repórter Brasil. Em um dos flagrantes, em outubro de 2014, os auditores-fiscais do extinto Ministério do Trabalho relataram que fezes escorriam dos sanitários usados pelos trabalhadores da MRV e que eles tinham que tomar banho de botas, por causa da sujeira. O refeitório ficava em cima do banheiro. “O cheiro era insuportável. Ninguém consegue fazer sua refeição em um local cheirando a urina”, relatou Márcia Albernaz, auditora-fiscal que comandou a fiscalização.
O fundador da MRV e atual presidente do conselho de administração, Rubens Menin, teve protagonismo nas tentativas do meio empresarial de barrar a divulgação da “lista suja” do trabalho escravo. No final de 2014, quando era presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a entidade conseguiu liminar para suspender no Supremo Tribunal Federal a publicação do cadastro. Essa decisão, porém, foi revertida meses depois, no mesmo tribunal.
Questionado se as doações do grupo poderiam interferir em sua atividade parlamentar, Pacheco respondeu que desconhece a existência processo ou condenação de qualquer dos seus doadores por trabalho escravo. “Minha campanha recebeu doações de pessoas físicas quem confiam no meu trabalho.”
A MRV não respondeu às questões enviadas pela Repórter Brasil.
Além de Pacheco, o dinheiro dos executivos ligados à MRV ajudou a eleger nove deputados federais. Rubens Menin foi o sexto maior doador na última eleição desembolsando ao todo R$ 2,7 milhões. Recentemente, ele anunciou que será um dos sócios da rede de televisão CNN no Brasil.
O maior doador das eleições do ano passado foi Rubens Ometto, fundador e presidente do conselho de administração do Grupo Cosan, que entrou na “lista suja” em 2009 por ter submetido 42 trabalhadores a condições análogas à escravidão durante a colheita da cana-de-açúcar no interior de São Paulo. Ao todo, ele ajudou a financiar, com R$ 7,5 milhões, a campanha de 65 candidatos.
As doações de Ometto ajudaram a eleger dois senadores e 15 deputados federais, entre eles dois ministros: Onyx Lorenzoni, que recebeu R$ 200 mil, e a ministra Tereza Cristina, com R$ 50 mil. A campanha de Tereza também recebeu R$ 100 mil do diretor-presidente da Cosan, Marcos Marinho Lutz.
A Cosan informou, em nota, que as doações foram realizadas de acordo com as regras estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
A ministra Tereza Cristina afirma que as doações foram registradas e aprovadas e negou a existência de conflito de interesse entre sua atuação e os negócios dos doadores. “Tenho orgulho de ser ficha limpa e da vida pública que construí até aqui”, afirma. Em setembro, a Repórter Brasil revelou doações de empresários ligados à agrotóxicos para a campanha dela. Cristina foi presidente da comissão especial da Câmara dos Deputados que aprovou projeto de lei que facilita a liberação dos agrotóxicos, o que lhe rendeu o apelido de “Musa do Veneno”.
Procurado diversas vezes, Lorenzoni não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Outro financiando por Ometto, foi o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que chegou a ser cogitado para ocupar o ministério da Agricultura. Goergen diz que encontrou “duas ou três vezes” com Ometto em eventos do setor agropecuário, mas que não tem relação pessoal com o empresário. “Recebi doações de setores ligados ao agronegócio, que se organizaram através de pessoas físicas que tinham condições legais de doarem”, afirma Goergen.
Outro doador da campanha de Goergen é o empresário Ariel Horovitz, produtor de soja e algodão no Oeste da Bahia, nas cidades de São Desidério e Luís Eduardo Magalhães. Horovitz doou R$ 15 mil para a campanha do deputado e foi autuado sete vezes pelo Ibama por desmatamento. As multas somadas chegam a R$ 2,5 milhões. O empresário pagou R$ 60 mil referentes a duas das sete multas. Ele questiona administrativamente as outras multas. A reportagem enviou as questões para Horovitz, mas não teve retorno.
O deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ) não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem. Candidato à reeleição para presidência da Câmara, a sua campanha recebeu R$ 94 mil de um empresário ligado à uma construtora autuada pelo Ibama.
O senador eleito Luis Carlos Heinze (PP-RS), que também recebeu doação de R$ 100 mil de Ometto, entende que por ter sido uma campanha curta, não há como os candidatos solicitarem certidões dos doadores para saber se eles praticaram algum crime trabalhista ou ambiental. “As doações são legais conforme prevê a legislação vigente”. Heinze recebeu também R$ 25 mil de um empresário autuado pelo Ibama por desmatamento.
Outro senador que recebeu dinheiro tanto de desmatadores quanto de escravagistas foi Cid Gomes. O irmão do candidato derrotado à presidência Ciro Gomes recebeu R$ 250 mil de três empresários ligados à duas empresas que já estiveram na “lista suja”: a Esperança Agropecuária e a Siderúrgica Norte Brasil. Outros R$ 100 mil foram doados por um empresário ligado a Cascaju Agroindustrial, já autuada pelo Ibama. A assessoria de Cid Gomes não retornou aos pedidos de entrevista da reportagem.