Analista aponta indícios de que Carlos é quem tweeta por Bolsonaro
Ás 20h de quarta-feira, Carlos Bolsonaro disparou um tuíte saudando a nova reforma da previdência. Vinte minutos depois, seu pai, Jair Bolsonaro, publicou uma mensagem idêntica sobre a proposta apresentada naquele dia. Palavra por palavra, emoji por emoji. Não era um retuíte: era o mesmíssimo texto, colado e publicado em outra conta.
O tuíte reforçou a minha desconfiança sobre quem de fato dá a letra em @jairbolsonaro. Carlos ou o pai?
Estou cada vez mais convencido de que o pai passou uma procuração de plenos poderes para o filho de 36 anos operar o seu Twitter e de que o vereador está logado na conta do pai no próprio celular.
O debate pode parecer pequeno num país que sofre com violência, desigualdade, racismo, intolerância e estagnação econômica. Mas esse foi o canal prioritário que o próprio presidente elegeu para se comunicar com o país. E uma canelada de Carlos com o smartphone coloca fogo no governo – como vimos nesta semana.
Dias atrás, pedi para o jornalista Sérgio Spagnuolo, editor do Volt Data Lab, um levantamento sobre coincidências entre as duas contas em busca de indícios de que Carlos de fato está logado na conta do presidente (junto do Aos Fatos, Spagnuolo criou um arquivo dos tuítes presidenciais).
O principal argumento a favor dessa tese é o número de retuítes: a conta do pai replicou as palavras de Carlos mais do que qualquer outra no último ano. Foram 97 retuítes de Carlos, quase 20% do total. Eduardo Bolsonaro, o outro filho e deputado federal, teve 47. Flávio, o primogênito-problema, das laranjas e dos amigos milicianos, recebeu apenas oito.
Para se ter uma ideia da dimensão da presença de @carlosbolsonaro em @jairbolsonaro, interações com o vereador representam cerca de 5% da atividade total do Twitter presidencial – nenhum outro perfil chega perto desse nível de engajamento.
O número não prova nada. Mas se Carlos, tido como o guru das mídias sociais do pai desde a campanha, de fato usa a conta do presidente com liberdade, faria sentido que aproveitasse o perfil de Jair para bombar seus próprios posts. Carlos tem 900 mil seguidores. O presidente, 3,3 milhões. É um belo empurrão.
Outro indício veio da análise da frequência e proximidade com a qual Carlos e Jair tuitam. O vereador e o presidente são homens ocupados, gastam o dia em reuniões e não podem passar o dia no Twitter como eu e você. Eles conferem as redes sociais em determinadas horas do dia.
Então, se Jair e Carlos usam as redes sociais em intervalos próximos, temos um novo indício de que Carlos está operando o perfil do pai. Nessa hipótese, o vereador aproveita os minutos de folga para movimentar a audiência e conferir notificações das duas contas. A análise de Spagnuolo mostrou que a proximidade entre os tuítes dos dois é maior do que a de @jairbolsonaro com outras sete contas analisadas.
As contas de Twitter mais próximas de Jair Bolsonaro (a do Palácio do Planalto, do PSL Nacional, do vice Hamilton Mourão, do General Villas Boas, além, claro, de seus outros filhos Flávio e Eduardo) possuem publicações separadas, em geral, por 45 minutos. A grosso modo, isso significa que, num período de 45 minutos após a publicação de um tuíte de uma delas, as outras contas também fizeram publicações.
No caso de Carlos e do pai, esse tempo cai mais de 30%, para 32 minutos.
Um exemplo dessas tuitadas próximas ocorreu em 11 de janeiro. Às 10h57, Carlos disparou: “Antes que a imprensa publique, aqui vai: Amigo particular de Jair Bolsonaro desde 1974, General Leal Pujol assume o Exército hoje. Creio que o Presidente só deveria indicar inimigos para certos cargos! ?”.
Um minuto depois, o “presidente” postou no Twitter uma frase de teor desavergonhadamente semelhante: “Peço desculpas à grande parte da imprensa por não estar indicando inimigos para postos em meu governo!” As duas mensagens foram publicadas com um iPhone, aparelho usado pelo vereador.
Outro caso suspeito aconteceu na demissão de Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Às 12h56 do dia 13, Carlos publicou uma mensagem acusando Bebianno de mentir que havia falado três vezes com o presidente e resolvido suas diferenças (o ex-ministro estava certo, e Carlos, errado).
A conta do presidente retuitou a mensagem do filho às 22h31, dando ares de endosso à crítica do filho ao então ministro. A imprensa embarcou no suposto aval. A Folha de S.Paulo manchetou “Bolsonaro endossa ataques de seu filho a ministro Bebianno”. No Jornal Nacional, a repórter Delis Ortiz também disse que “o próprio Bolsonaro endossou a tese da mentira”
Mas quem realmente apertou o botão?
Uma hipótese seria a de que o próprio presidente, horas depois da mensagem do filho, de fato decidiu bancar o tuíte e colocar fogo na República.
Outra seria que o vereador, lendo as críticas que recebeu ao longo do dia por prensar o ministro contra a parede, tirou o celular do bolso, selecionou o perfil do pai e retuitou a si próprio com a conta do presidente, numa espécie de autoendosso.
Assim, daria um verniz de autoridade à sua opinião e afastaria as críticas de que estava se metendo onde não é chamado. Talvez com alguma espécie de consentimento do pai, é claro, mas, ainda assim, um endosso que nasceu de um impulso de Carlos e foi direcionado a ele mesmo – e não partido do presidente.
Presidentes compõem equipes porque não podem dirigir a nação sozinhos. Natural que Jair, aos 63 anos, peça ajuda do filho “fera em redes sociais” para dar uma força na sua comunicação.
O problema é que Carlos Bolsonaro não faz parte do estafe do pai. Na verdade, em novembro, chegou a anunciar que estava se afastando do governo federal e retomando as atividades de vereador. Hoje, recebe salário líquido de R$ 14 mil dos cidadãos do Rio de Janeiro, cidade que tem problemas suficientes para ocupar sua rotina de trabalho.
Num Brasil utópico, toda a influência no governo deveria ter uma justificativa legal para que os cidadãos pudessem saber exatamente o que cada pessoa faz, sob quais condições, obrigações e deveres, como me disse o professor Rubens Beçak, professor de direito constitucional da USP, quando conversamos sobre a situação de Carlos. Mas o presidencialismo brasileiro é historicamente permissivo com “conselheiros pessoais” rondando o Planalto sem crachá.
Carlos teria de pedir licença da cadeira de vereador para ocupar um cargo na comunicação da Presidência. E, ainda assim, esbarraria num problema: as leis contra o nepotismo impedem a contratação do filho – em tese.
Me preocupar com isso talvez seja excessivo apego à legalidade numa era que as instituições estão com a credibilidade no buraco. Mas o Twitter se tornou o principal e mais direto meio de comunicação de alguns dos principais líderes globais.
Será que os eleitores de Jair Bolsonaro (e todos os brasileiros, francamente) estão confortáveis com a aparente procuração que o pai deu para o filho falar em seu nome? Na prática, é como se Carlos pudesse transmitir um pronunciamento presidencial pela cadeia de rádio e TV a qualquer momento, sem pedir licença.
Supostamente logado na conta do pai, Carlos toma o lugar do porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, e da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Os eleitores de Jair tinham noção que o vereador desempenharia papel tão central nesse governo?
Carlos Bolsonaro tem cabeça quente. O jornal O Globo analisou 500 tuítes do vereador entre 15 de dezembro e 15 de fevereiro e constatou que 72,2% são ataques. Consigo imaginar o vereador à noite, sentado no sofá com a cachorrinha Pituka no colo, cansado após um dia de reuniões frustrantes e rosnando silenciosamente de ódio contra inimigos reais e imaginários.
Vejo ele sacando o celular do bolso e disparando pela conta do pai palavras descontroladas que podem atrasar ou arrasar planos que afetam as vidas de todos nós.
Sem cargo formal na administração, o tuíte de Carlos não passará pelos filtros do governo que poderiam desarmar a bomba. Ninguém sabe as regras, limites e obrigações deste contrato familiar. Carlos flutua no vácuo legal e não pode ser fiscalizado. E nem demitido.
Perguntamos ao Planalto se Carlos tem acesso à conta do pai. A assessoria da Presidência ainda não respondeu. Quando (e se) o fizer, atualizaremos este texto.