Bolsonaro finge modernidade no que não passa de eufemismo para o conhecido “balcão de negócios”
O presidente Jair Bolsonaro prometeu enfaticamente, durante a campanha eleitoral, acabar com o chamado “toma lá dá cá” na relação entre o governo e o Congresso. E, de fato, suas nomeações para a formação do Ministério indicaram disposição de cumprir essa promessa, abandonando aquela prática tão nociva para a democracia, base do chamado “presidencialismo de coalizão”.
No entanto, assim que começou a temporada de negociações para a aprovação dos projetos de maior interesse do governo, especialmente a reforma da Previdência, duas coisas ficaram claras: que o Palácio do Planalto não tem articulação política capaz de arregimentar votos em quantidade suficiente sem recorrer ao fisiologismo; e que os parlamentares, cientes das limitações do governo, não apoiarão as reformas sem alguma forma de compensação.
Como resultado, Jair Bolsonaro parece empenhado agora em encontrar maneiras de ressuscitar o “toma lá dá cá” sem dar a entender que aderiu àquela nefasta prática. Em reunião recente com a bancada de seu partido, o PSL, o presidente anunciou a criação de um “banco de talentos”, no qual os parlamentares governistas poderão indicar nomes, com seus respectivos currículos, para ocupar vagas nos escalões inferiores da administração federal.
Com base nessas indicações, os ministros escolherão os funcionários. Tudo, dizem, de acordo com critérios absolutamente técnicos.
Na prática, ao criar o tal “banco de talentos”, o governo Bolsonaro tenta dar ares de modernidade administrativa ao que não passa de um eufemismo para o conhecido “balcão de negócios”, em que os governos anteriores costumavam pagar pelo apoio de parlamentares e de caciques partidários – seja com cargos, seja com emendas ao Orçamento.
Nem os governistas se deixaram iludir pelo palavrório de Bolsonaro. “Banco de talentos é um nome bonito, né?”, disse o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), eleito presidente do Senado sob o patrocínio do Palácio do Planalto.
Para o senador, a iniciativa do governo é uma forma de aceitar indicações políticas, “só que com outro nome”. E questionou: “Será que no outro modelo as pessoas não tinham talento? Não tinham talento, mas tinham voto”. Para o deputado Jhonatan de Jesus (RR), líder do PRB na Câmara, “isso vai virar um show de calouros”.
O fato, a esta altura negado apenas pela exaltada militância bolsonarista, é que o governo não se preparou para a árdua tarefa de formar uma base consistente no Congresso. As queixas pela falta de interlocução começam pelo próprio partido do presidente, o PSL.
“Nem cheguei a tomar um café”, reclamou um parlamentar sobre a falta de contato com Bolsonaro ou algum de seus representantes. Consta que na reunião da bancada com o presidente Bolsonaro, o senador Major Olímpio (SP), líder da legenda no Senado, reclamou que o PSL estava sendo preterido na distribuição de cargos.
Tudo isso vai se refletir na tramitação da reforma da Previdência. Com sua desorganização política, o governo está com dificuldades até para assegurar mais votos do que a esquálida oposição, formada hoje por cerca de 130 deputados. Considerando que o governo precisa obter pelo menos 308 votos na Câmara para aprovar a reforma, tem-se a dimensão do desafio à frente.
Esse cenário, contudo, não pode servir de pretexto para que o presidente descumpra sua promessa de acabar com o “toma lá dá cá”. Os brasileiros demandaram nas urnas uma nova forma de fazer política, centrada em princípios e programas, e não em promiscuidade. Ao contrário do que fazem parecer alguns políticos, a atividade parlamentar pode ser limpa e praticada no melhor interesse dos cidadãos.
Para isso, no entanto, é preciso haver capacidade de diálogo e de convencimento, algo que este governo está longe de demonstrar. Talvez por isso esteja se rendendo ao recurso fácil do fisiologismo, que abastarda a política. Afinal, para usar o eufemismo do governo, não é preciso nenhum “talento” especial, além da impudência, para mercadejar votos.
Do Estadão