Chile prende ex-comandante do Exército acusado de tortura
Já condenado por encobrir o homicídio qualificado de 15 pessoas, o ex-comandante em chefe do Exército do Chile, o general Juan Emilio Cheyre, foi detido em um novo processo nesta quinta-feira, sob a acusação de tortura de 24 presos políticos em La Serena, no Norte do país, entre 11 de setembro e 25 de novembro de 1973.
Cheyre comandou o Exército entre 2002 e 2006 e, durante o seu mandato, tomou iniciativas para que o Exército assumisse a responsabilidade por crimes e violações aos direitos humanos cometidos durante a ditadura de Augusto Pinochet. Agora ele é acusado de pessoalmente torturar presos durante a ditadura, os agredindo com pedaços de pau, murros e coronhadas, além de ameaçá-los de morte, quando ainda tinha o grau de tenente.
Ao menos cinco pessoas o mencionam diretamente como torturador, quando detinha o segundo cargo mais importante do Regimento de Artilharia Motorizada de Arica. Mais detalhes devem ser conhecidos hoje, mas, segundo a Reuters, Cheyre e outros oficiais submeteram presos a torturas, choques elétricos, afogamentos, falsas execuções, estupros e outras formas de violência sexual. Aos 71 anos, o general é o militar de mais alta patente a ser punido pela Justiça chilena por crimes cometidos durante a ditadura militar. Ele, que estava em prisão domiciliar por ter sido condenado em outro processo relacionado à ditadura, foi detido junto com três outros oficiais.
Em depoimentos reproduzidos pelo jornal La Tercera, Nicolás Fuentes Rivera acusa Cheyre de entrar na sala quando os presos estavam ajoelhados, com as mãos na nuca, no quartel. “Ele entrou, mudou de lado e reparou que eu o olhava. Por isso, mandou que os soldados me levassem para fora, um de cada lado. Neste momento, o tenente Cheyre pegou um pau e começou a bater em minhas panturrilhas, na parte posterior da coxa, dos glúteos e das costas”, afirmou Rivera.
Outra vítima, Oscar Ruben Carvajal, menciona o militar como um de seus torturadores. Durante um interrogatório, acusa Carvajal, Cheyre agarrou o seu cabelo e perguntou se ele era cubano. “Respondi ‘não, sou chileno’. Ele reagiu com um soco muito forte em meu estômago, e seguiu o caminho até o seu escritório.”
Nibaldo Pastén Vega afirma que, quando estava com as mãos atadas, recebeu “uma pancada na boca, uma coronhada (…). Por causa do golpe, meus dentes sangraram, e depois caíram dois dentes da frente. Mas eu tinha que ficar parado. Soube depois que quem me deu a coronhada foi Cheyre”.
O advogado do general negou as acusações. “Rechaçamos categoricamente o conteúdo da resolução, porque o senhor Juan Emilio Cheyre nunca participou dos fatos de que ela trata”, afirmou em um comunicado Jorge Bofill, seu advogado.
Cheyre comandou as Forças Armadas do Chile durante o mandato de Ricardo Lagos, do Partido pela Democracia (PPD), de centro-esquerda. Durante seu mandato, o general procurou condenar o Exército por violações aos direitos humanos cometidos durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, distanciando-se de seu antecessor, Ricardo Izurieta.
Em 2004, ele fez uma histórica confissão de culpa, com o texto “Exército do Chile: o fim de uma visão”, no qual assume a responsabilidade do Exército por crimes da ditadura. O documento diz que, durante o regime de Pinochet, o Exército chileno cometeu “feitos puníveis e moralmente inaceitáveis”.
Em novembro de 2018, Cheyre foi condenado pelo juiz Mario Carroza a três anos e um dia de prisão domiciliar, considerado culpado de encobrir o homicídio qualificado de 15 pessoas, no caso da Caravana da Morte, em que 97 presos políticos foram assassinados ou desaparecidos no Norte do Chile, depois do golpe em 1973.
Nesta quinta-feira, ele foi levado ao Batalhão de Telecomunicações, em Peñalolén. Mais detalhes das denúncias devem ser conhecidas hoje. No sábado, ele poderá recorrer no Tribunal de Apelações de La Serena.
De O Globo