Damares, ministra dos direitos humanos, escolhe ignorar assassinato de Marielle
Em coletiva de imprensa em Genebra, ministra de Direitos Humanos justifica ausência de uma referência ao assassinato da vereadora em seu discurso na ONU, diz que ativistas estão sendo protegidos no Brasil e critica “crueldade” da imprensa ao tratar de seus discursos como pastora.
“Por que citar tão somente Marielle?” Foi assim que a ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, justificou sua decisão de ignorar o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, em seu primeiro discurso na ONU, nesta segunda-feira.
Ela foi uma das oradoras na abertura dos trabalhos do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que se reune em Genebra. Apesar de insistir que quer defender os ativistas de direitos humanos, um dos principais casos mencionados pela ONU ao longo dos últimos meses – o assassinato de Marielle Franco – não foi citado pelo governo brasileiro.
O homicídio completa, nesta terça-feira, um ano. Mas até hoje não existe qualquer esclarecimento sobre os autores da morte da vereadora ou sobre a motivação. ONGs e ativistas esperavam que Damares citasse o caso em seu discurso de cerca de dez minutos.
Na avaliação da ministra, porém, o local não era adequado. “Nós temos outros casos no Brasil. Por que citar tão somente o caso de Marielle? Poderíamos fazer uma lista”, declarou. “Não era um ambiente de prestação de conta do caso Marielle. O recado que queríamos mandar é que os defensores de direitos humanos estão sendo protegidos no Brasil”, garantiu.
Relatores da ONU já criticaram em diversas ocasiões a ausência de uma ação do estado brasileiro para proteger ativistas.
De acordo com a ministra, porém, o programa de proteção aos defensores é “abrangente” e garante que ele tem sido eficiente. Para ela, não há uma contradição com sua aposta no programa e com o fato de Jean Wyllys ter deixado o Brasil, supostamente por conta de ameaças. O governo indica entre 2003 e 2018, o orçamento para o programa passou de R$ 3 milhões para R$ 14 milhões.
Sergio Queiroz, secretário de Proteção Global e também pastor, qualificou o assassinato de Marielle como um “crime bárbaro” e garantiu que o estado não está sendo omisso.
Segundo ele, o fato de não haver uma explicação não significa omissão. Uma coisa é inação. Outra é a não elucidação de um crime complexo que corre em segredo de justiça e que certamente tem uma amplitude maior que imaginamos”, justificou.
Durante a coletiva, a ministra ainda criticou o uso de suas falas como pastora pela imprensa. “O que aconteceu é que pegaram frases minhas ditas dentro de uma igreja, para um seguimento, para o meu povo, interpretaram de forma errada e foi o que ocorreu”, disse.
Nessas falas, Damares chegou a mencionar como pais holandeses estariam masturbando crianças e como existiria hotéis no Brasil para promover o sexo com animais.
“Como ministra, nenhuma de minhas declarações foi questionada”, disse. “Questionaram minhas falas como pastora. Isso no primeiro momento me incomodou”, disse.
Ela deixou claro que guarda especial mágoa da forma pela qual ela relatou seu sofrimento, ainda na infância. Num de seus discursos numa igreja, ela contou como a visão de Jesus a impedir que cometesse suicídio.
Segundo ela, foi uma “tremenda demonstração de preconceito religioso”. “Chegaram a dizer como uma pastora pode ser ministra de direitos humanos. Isso me incomodou. Não as críticas. Mas a manifestação de preconceito religioso”, declarou.
Isso, de acordo com ela, veio de “diversos segmentos da sociedade”. “A imprensa, que foi cruel comigo. Pegaram frases minhas isoladas e fizeram chacota. Inclusive com uma história pessoal minha, de sofrimento e dor. Riram e zombaram de minha história de dor. Mas não riram apenas dessa ministra. Mas de milhões de meninas. Riram das crianças que estão tentando suicídio”, declarou Damares, lembrando que esse já é o segundo maior motivo de mortes entre os jovens.
“Eu era uma menina de dez anos, num pé de goiaba e que queria morrer. Eu sei o que é ser menina no Brasil, o pior país para ser menina na América Latina. Eu sei o que é estar no colo de um algoz, de um pedófilo. Quiseram rir de uma ministra. Mas riram das meninas abusadas no Brasil”, disse, citando o fato de que uma a cada três garotas são alvo de abusos antes de chegar aos 18 anos.
Damares também explicou sua fala na ONU, em que apontou que sua prioridade é proteger a vida, desde a concepção. Isso seria proteger o bebe no ventre materno. Precisamos de políticas púbicas para gravidas no Brasil. Nem todas as mulheres estão sendo alcançadas com pré-natal. Precisamos diminuir a mortalidade materna”, defendeu.
“O objetivo é de ter um programa muito grande à gestante. Não quer dizer que vamos fazer ativismo para legalizar o aborto ou descriminalização. Vamos proteger a vida desde a concepção. E é entendimento de todos nós que a vida começa na concepção. As previsões legais estão ai e não vamos propor mudanças”, explicou.
A ministra ainda criticou a imprensa por conta de reportagens sobre a adoção de sua filha de uma comunidade indígena. “Eu achei extremamente absurda a exposição desnecessária da vida de minha filha e da minha via. Ela não foi adotada oficialmente por que ela tem pai e mãe e ama o pai e a mãe”, disse.
“Eu não poderia fazer essa adoçado porque ela foi dada para que fosse cuidada, para ser amada e protegida”, disse. “A minha relação com minha filha é uma relação afetiva e ninguém tira isso de nós. Eu sou mãe e ela é filha. Eu ganhei uma família indígena, ela ganhou uma mãe branca. Então, fiquei impressionada, chocada, impressionada e chateada pela exposição desnecessária da história. Ela não precisa ser exposta”, completou.
Do UOL