Governo Bolsonaro reabre a porta do inferno dos hospitais psiquiátricos

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Por Ricardo Lugon Arantes*

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O fim do fim dos manicômios

Uma Nota Técnica publicada no início desta semana marcou a manifestação explicita de que o atual governo vai produzir estragos duradouros sobre algo que foi construído ao longo de 20 anos: uma politica de Saúde Mental orientada para enfrentar os manicômios.

A historia da Reforma Psiquiátrica Brasileira, movimento que congrega trabalhadores, gestores e usuários dos serviços de Saúde Mental no Brasil tem como finalidade superar a ideia de que a internação fechada é a forma principal de tratamento.

Este modelo produziu (e ainda produz) cenas de horror Brasil afora (e adentro). Em 1979, Franco Basaglia, ao visitar o hospital de Barbacena, afirmou estupefato: “estive hoje em um campo de concentração nazista”. Em 2018, o Conselho Federal de Psicologia, o Ministério Público Federal  e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura realizaram vistorias em vinte e oito comunidades terapêuticas e encontraram situações de privação de liberdade, trabalhos forçados e internação de adolescentes, dentre outras violações a direitos fundamentais. O manicômio ainda convive entre nós.

Como substituição a esse modelo, a lei 10216 e uma serie de marcos jurídicos e administrativos afirmam outras formas de cuidar de todos aqueles em sofrimento psíquico (sejam transtornos, sejam vicissitudes da existência) por meio do que chamamos “clinica da atenção psicossocial”, relacionada às abordagens que consideram não somente o “sintoma” de uma “doença” mas um olhar para as pessoas em seus contextos de vida, suas possibilidades e pensa a participação destas pessoas como inegociável, construindo possibilidades de autonomia e de superação do estigma da loucura.

Os serviços de Saúde Mental, no seio da politica publica, passam a ser considerados como substitutivos aos manicômios.

A Nota Técnica, de maneira direta e incisiva, violenta e sepulta esta conquista , ao afirmar que “não considera mais serviços como sendo substitutos de outros”, reafirmando o hospital psiquiátrico como lugar privilegiado no tratamento e redirecionando o financiamento para as instituições asilares.

As outras barbáries da Nota Técnica envolvem considerar as comunidades terapêuticas (justamente estas que foram denunciadas como lugar de violação de direitos) como locais estratégicos para cuidar das pessoas com envolvimento problemático com álcool e outras drogas e prevê financiamento para a realização de eletroconvulsoterapia.

No campo da Saúde Mental para crianças e adolescentes, não há uma linha propositiva, apenas ressalvas para que os CAPS tipo IV (dirigidos às “cracolândias”) possam atender adolescentes e adultos “conjunta ou separadamente” e debatendo o mesmo problema em relação á internação, embasando-se em um parecer do Conselho Federal de Medicina.

Vemos ao longo de todo o documento que a Psiquiatria ganha primazia em detrimento dos outros campos de saber que se ocupam das experiências de cuidar e incluir na sociedade a loucura e o sofrimento psíquico.

Voltaremos a décadas atrás, onde a política oficial era silenciar e enclausurar a loucura, produzindo bolsões de excluídos confinados em manicômios.

Para ler o conteúdo da Nota Técnica clique no link: http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf

 

*Ricardo Lugon Arantes é médico psiquiatra da Infância e Adolescência, graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo com Residência Médica no Instituto Municipal Philippe Pinel/RJ. Mestre em Educação pela UFRGS. Doutorando em Psicologia Social pela UFRGS. Professor na Faculdade de Psicologia da IENH. Psiquiatra no Capsi de Novo Hamburgo. Supervisor clínico-institucional em serviços de saúde mental infantojuvenil.