Índio Tiryó se forma em enfermagem e prova eficácia de plantas medicinais
Não são raros os indígenas e outras minorias que vencem as distâncias geográficas e culturais para se formar num banco de faculdade. Contudo, a formatura de um índio tiryó em enfermagem, numa faculdade particular de Santana, cidade a 17 km de Macapá, acrescentou um importante capítulo no estudo das plantas medicinais para o tratamento de doenças tropicais, neste caso a leishmaniose.
A doença, que é transmitida pelo “mosquito palha”, provoca feridas graves no corpo do paciente infectado, e é muito comum nas florestas da Amazônia.
Na última sexta-feira (8), ao defender o trabalho de conclusão de curso de graduação em enfermagem, Demétrio Amisipa Tiriyó abordou o “Conhecimento e uso de plantas medicinais tradicionais no tratamento da Leishmaniose pelo povo Tiriyó, da Aldeia Urunai”, no Parque Montanhas do Tumucumaque. Demétrio é o primeiro indígena a concluir o curso de enfermagem pela Faculdade Madre Tereza.
Os tiriyós, kaxuyanas e txikiyanas vivem na faixa oeste do Parque do Tumucumaque, em aldeias espalhadas pelos rios Paru d’Oeste e Marapim entre os Estados do Amapá e do Pará. Eles falam diferentes idiomas, por isso, o TCC foi defendido em língua portuguesa e também em sua língua materna, o tiriyó.
O trabalho identificou as principais espécies de plantas medicinais aplicadas no tratamento da leishmaniose, a doença mais comum dentro da aldeia Urunai, onde ele vive.
“Meu estudo foi para buscar o nível de conhecimento dos moradores de minha aldeia sobre as plantas medicinais usadas no tratamento da doença e descrever como eram manipuladas”, explicou o agora enfermeiro.
“Tudo começou com a observação do aluno sobre o aumento do número de casos da doença na aldeia Urunai. Foi então que percebeu que os indígenas que adoeciam não utilizavam mais as plantas medicinais tradicionais, e sim o medicamento convencional ofertado nos postos da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) próximo à comunidade”, lembrou o professor e orientador, Maurício José Cordeiro Souza, que possui mestrado na área.
Demétrio identificou 22 espécies de plantas medicinais, 4 delas ainda não devidamente catalogadas. O TCC descreveu, ainda, as formas de coleta, preparo e uso das espécies empregadas no tratamento da leishmaniose pela etnia tiriyó.
O estudo foi avaliado e aprovado pela banca examinadora com nota 9,5. A conquista histórica foi celebrada pelo pai do estudante, o cacique Amisipa Kapai Tiriýó; pela filha do enfermeiro, Flávia Damona Tiriýó, colegas e professores que acompanharam a trajetória do indígena.
“Sei o quanto ele se esforçou para chegar até aqui. Agora ele é um enfermeiro e poderá ajudar sua aldeia muito mais com o conhecimento adquirido”, comentou a colega de turma, Luana Silva.
Emocionado, Demétrio Tiriyó agradeceu o apoio da instituição, amigos e profissionais da área. E revelou que pretende escrever uma cartilha sobre as espécies catalogadas para reforçar junto aos habitantes mais jovens da aldeia Urunai a importância da medicina tradicional.
“É uma forma de devolver para a minha aldeia algo real que vai fortalecer entre os mais jovens a importância de conhecer essas plantas e sua forma de uso”, justificou o tiriyó.
Do SelesNafes