Jobim antecipou o Brasil deste 2019

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Leia a coluna de Clóvis Rossi, repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Tristeza não tem fim, felicidade sim

Comecei no jornalismo em 1963, cobrindo momento da conspiração que desaguou no golpe do ano seguinte.

São, portanto, 56 anos tentando sentir o pulso do país, pelo menos o pulso do país que o jornalismo acompanha.

Esse percurso já longo demais me dá uma microautoridade para suspeitar de que nunca antes neste país a tristeza foi tão grande, tão avassaladora.

Tristeza tão disseminada que impregna até os textos de colunistas, ambos excelentes, que cuidam habitualmente de temas mais específicos, casos de Vinicius Torres Freire (economia, política econômica) e Juca Kfouri (esporte).

Curioso que, no Facebook, Vinicius brincou comigo, após o texto que tinha por título “Uma ruína chamada Brasil”, chamando-me de radical. Se fui radical (ou sou radical), que rótulo pespegar no texto de Vinicius deste domingo (10)? Ruína ao cubo, talvez.

É óbvio que a causa do abatimento geral da pátria que está ao alcance dos meus olhos é a sucessão de desastres em tão pouco tempo. Fica a impressão de que, durante séculos, o brasileiro se acomodou à crença de que desastres acontecem, fazer o quê? É a versão algo mais erudita da frase com que muito caboclo nordestino recebe uma seca particularmente severa: “Deus quer”, dizem. Fazer o quê, então?

Agora, a ficha está caindo: desastres de fato acontecem, mas um punhado deles tem causas que vão além da vontade divina: “imprevidência, descuido, desleixo, negligência, irresponsabilidade, escolha o sinônimo”, para ficar com a indignação de Juca Kfouri.

Uma vez, ano 2000, cobria a inauguração do pavilhão brasileiro na Feira de Hannover, na Alemanha. O governador de Pernambuco à época (Jarbas Vasconcellos) levou um grupo de frevo para abrilhantar a festa, como diria um cronista social.

Era a primavera do Hemisfério Norte, mas fazia um friozinho desagradável. Mocinhas e mocinhos com as roupas típicas da dança (impróprias para aquela temperatura) se encolhiam num cantinho até a exibição começar. Aí, dançaram com a alegria que só a música popular brasileira exala. Pensei: tão pobrinhos, mas tão alegres.

O Brasil parecia ser assim até não faz muito. Agora, continua pobrinho, mas a alegria se foi como no maravilhoso poema de Jobim:

“Tristeza não tem fim/

Felicidade sim/

A felicidade é como a gota/

De orvalho numa pétala de flor/

Brilha tranquila/

Depois de leve oscila/

E cai como uma lágrima de amor/

A felicidade do pobre parece/

A grande ilusão do carnaval/

A gente trabalha o ano inteiro/

Por um momento de sonho/

Pra fazer a fantasia/

De rei ou de pirata ou jardineira/

Pra tudo se acabar na quarta-feira”.

Pois é, caro Tom Jobim, agora a felicidade já não cai como uma lágrima de amor, mas como muitas lágrimas de dor. E já não sabemos em que quarta-feira se acabaram a ilusão e a felicidade do pobre, sempre as maiores vítimas, e até a dos não tão pobres.

Da FSP