Laudo de barragem da Vale aponta erosão e problemas de drenagem
O laudo técnico que atestou a segurança da barragem da Vale em Brumadinho (MG) emitido em setembro do ano passado —cinco meses antes de a estrutura se romper e matar ao menos 134 pessoas— apontou erosão e problemas de drenagem.
A Folha teve acesso aos atestados de estabilidade da barragem 1 da mina do Córrego do Feijão emitidos desde 2006.
O documento de 2018 deveria garantir a resistência da estrutura por um ano. Nele, estão citados pontos de erosão superficial da ombreira (lateral da barragem), indícios de alagamento a jusante (logo após a barragem), assoreamento e trincas em canaletas de drenagem e danos nos tubos de PVC das saídas do sistema de drenagem, entre outros problemas que deveriam ser sanados pela Vale para garantir as condições de segurança da estrutura.
O atestado foi emitido pela empresa alemã Tüv Süd e assinados pelo engenheiro Makoto Namba, sob a condição de a mineradora manter as atividades de inspeção, monitoramento e manutenção, segundo trecho do documento que foi enviado em setembro à Fundação Estadual do Meio Ambiente, órgão do Governo de MG que cadastra e monitora indicadores das barragens.
O documento avaliou como “local de permanência eventual” a ocupação próxima à barragem. O termo, segundo critérios de avaliação de barragens do Conselho Estadual de Política Ambiental do governo mineiro, significa que não há habitações na área, e sim locais de permanência periódica, como estradas, indústria, mina operante ou escritórios.
Neste caso, havia a estrutura administrativa e o refeitório da mina —onde estima-se que morreu a maior parte das pessoas—, mas a lama de rejeitos também atingiu bairros da zona rural de Brumadinho. O critério é condicionante nas liberações de licenças ambientais no estado de Minas Gerais desde 2017.
O responsável técnico-operacional da barragem, de acordo com o documento, era Lúcio Rodrigues Medanha, que morreu na tragédia.
Makoto Namba, que assinou o documento, está preso temporariamente desde a semana passada, junto de outro engenheiro e três funcionários da Vale responsáveis pelo licenciamento da estrutura.
O laudo emitido em setembro de 2018 é o que tem o maior número de recomendações dadas à Vale. Foram 17 apontamentos de ações que a empresa deveria realizar para manter a barragem em segurança. No ano anterior, constaram dois apontamentos.
Uma das recomendações citou a necessidade de instalar monitoramento microssísmico (que acompanha pequenas movimentações do solo) no corpo da barragem para controlar a estabilidade durante obras e detonações por explosivos.
A Vale alterou em outubro de 2017 o sistema de monitoramento sismográfico das minas situadas no Quadrilátero Ferrífero, onde está Brumadinho. Antes feito individualmente em cada barragem, o monitoramento de movimentações passou a ser feito de modo remoto, eletrônico e mais abrangente a partir de sismógrafos instalados em 35 pontos que enviam informações a uma central de controle.
A mudança também diminui a emissão de relatórios de movimentação, que passaram a ser anuais, em vez de trimestrais e semestrais, como eram antes. A Vale investiu R$ 25 milhões na implantação do sistema de monitoramento automatizado.
Em parecer contrário à mudança no monitoramento, o Fonasc (Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas) avaliou a medida como “inaceitável” e afirmou que o Quadrilátero Ferrífero é uma das regiões brasileiras com maior risco sísmico.
O engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila assinou os laudos da barragem 1 do Córrego do Feijão por dez anos, de 2006 a 2015 —ele não garantiu as condições da estrutura nos anos de 2006 e 2007.
Pimenta de Ávila foi o projetista da barragem da Samarco em Mariana que se rompeu em 2015. Ele chegou a ser investigado como um dos responsáveis pela tragédia que deixou 19 mortos e um rastro de destruição do interior de MG ao litoral do ES, mas depois passou a ser considerado testemunha. Ele não chegou a ser indiciado ou denunciado.
Na tragédia da Samarco, a barragem também tinha um laudo de estabilidade emitido meses antes de ruir.
A Vale afirmou via assessoria de imprensa que “o documento não apresentava problemas e, sim, continha recomendações”. Todas foram cumpridas ainda em 2018, diz a empresa, que ressalta que são “recomendações rotineiras em laudos deste gênero.”
A mineradora diz que a instalação do monitoramento microssísmico estava prevista para 2019 e que já faz monitoramento sismográfico na região desde 2017 —as análises sismográficas ainda estão em andamento, diz.
A empresa diz que a estrutura já estava submetida a auditorias técnicas de segurança com frequência anual, a maior prevista na lei, e que o laudo de setembro atestava a estabilidade da barragem.
COMO É A FISCALIZAÇÃO DE BARRAGENS NO PAÍS
Dona da barragem precisa contratar uma auditoria externa e independente para garantir a estabilidade da estrutura
Engenheiro faz uma inspeção visual e analisa também projeto, licenciamento e dados dos instrumentos de medição instalados na estrutura, como indicadores de nível de água e medidores de pressão. O resultado é a declaração de condição de estabilidade
Validade do laudo depende do potencial de risco de cada barragem. No caso da Vale, atestado valia por um ano. Especialistas dizem que essa é a maior deficiência do sistema, já que o laudo seria um retrato da barragem no momento da inspeção
Mesmo atestando a estabilidade, documento lista problemas que devem ser corrigidos pela mineradora —mas há pouca fiscalização do cumprimento desses pontos
Além do laudo anual, há inspeções a cada quinze dias, que são registradas em sistema da Agência Nacional de Mineração; houve duas dessas em janeiro, segundo a Vale
Da FSP