Ministros de Bolsonaro podem ter de se explicar por candidaturas laranjas e espionagem na Igreja
Opositores do Governo Jair Bolsonaro (PSL) tentarão convocar dois de seus ministros para se explicar sobre o uso de uso de recursos públicos para irrigar campanhas eleitorais de candidatas supostamente de fachada no ano passado e sobre a eventual espionagem de membros da Igreja Católica. Os alvos são Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência da República, e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Na prática, há poucas chances de que as convocações ocorram porque oficialmente o número de opositores não chega a um terço dos 513 deputados. Mas esse será um teste para medir o tamanho da base de Bolsonaro na Câmara, assim como para saber qual é o seu comprometimento com investigações – já que boa parte dela foi eleita com o discurso de firme combate à corrupção e pela renovação do pensamento político. Em caso de aprovação das convocações, os ministros são obrigados a irem à Câmara para responderem a uma série de questionamentos dos parlamentares. Outro que será colocado à prova nessa jogada política é Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da Câmara, que é o responsável por colocar requerimentos como esses em votação.
Na tarde desta quarta-feira, a bancada do PSOL protocolou um requerimento de convocação de Bebianno para que ele se manifeste sobre candidaturas fantasmas do PSL que obtiveram recursos públicos na eleição de 2018. No ano passado, a mando de Bolsonaro, Bebianno assumiu interinamente a presidência do PSL para comandar a eleição presidencial.
Nas últimas semanas, o jornal Folha de S. Paulo revelou que ao menos três candidatas a deputadas por Minas Gerais e por Pernambuco teriam se inscrito no pleito apenas para atingir a cota de 30% de candidaturas femininas. Além disso, uma delas, Maria de Lourdes Paixão, recebeu 400.000 reais do fundo partidário, provindos do diretório nacional dirigido por Bebianno, quatro dias antes da eleição. Paixão é secretária-administrativa do PSL em Recife, é do grupo político do atual presidente da legenda, o deputado federal Luciano Bivar, e obteve apenas 274 votos.
A representação, assinada pela bancada do PSOL, alega que há sinais de que a candidatura de Paixão, e de outras militantes do PSL, teriam sido fictícias. “Os fatos levantam suspeitas de lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos e outros tipos penais que merecem ser investigados”, diz o documento protocolado na Câmara. Nesta semana, a candidata derrotada será oficialmente ouvida pela Polícia Federal sobre o caso, que após a reportagem resolveu abrir uma apuração própria para checar qual foi a real destinação dos recursos e quais crimes teriam sido cometidos por ela e pela direção do PSL.
Clero progressista
Com relação ao ministro Heleno, a tentativa dos opositores é que ele se explique sobre a suposta espionagem que Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) estaria fazendo a representantes da Igreja Católica que participarão do Sínodo da Amazônia, um encontro religioso que ocorrerá em outubro no Vaticano. O Governo Bolsonaro demonstrou desconforto com um suposto “clero progressista” vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e que poderia usar o evento católico, com ampla cobertura da mídia internacional, para tecer críticas sobre as políticas ambientais e indigenistas do Brasil. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Na terça-feira, o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) protocolou um pedido de convocação de Heleno. A proposta ainda não foi posta em votação. “Não é admissível que se transforme a Abin em uma polícia política”, reclamou Jerry.
Na terça-feira, Heleno disse que se for convidado não irá à Câmara, só iria em caso de convocação, e que a questão da Amazônia é um tema de segurança nacional, por isso, seu ministério estaria preocupado. “A preocupação com o Sínodo é uma preocupação real porque algumas pautas são de interesse da segurança nacional. Então, acaba preocupando a Abin e o GSI, mas em nenhum momento [tem a ver com] espionar alguém, monitorar alguém, algo com essa conotação”.
Ex-comandante do Exército na região amazônica, Heleno ainda se queixou de supostas interferências de entidades internacionais. “Quem cuida da Amazônia brasileira é o Brasil, não tem que ter palpite de ONG estrangeira, de chefe de Estado estrangeiro. O Brasil não dá palpite no deserto do Saara, na floresta de Ardenas, no Alasca.”
Em resposta às críticas de Heleno, o secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, disse que o Sínodo é voltado para a igreja católica e que tem como objetivo encontrar novos caminhos para a evangelização na região. “É um evento, uma celebração da Igreja para a Igreja. É claro, da Igreja para a Igreja, envolve toda a questão da Pan-Amazônia: os povos, o meio ambiente, toda essa realidade certamente será abordada”, afirmou em um vídeo divulgado pela entidade nas redes sociais.