O Planalto ainda vai apanhar muito do Congresso
Leia a coluna de Vinicius Torres Freire, jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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Congresso desgovernado
O Congresso continua a fazer cara feia para Jair Bolsonaro. Era evidente e previsível desde o começo do ano parlamentar. O Planalto ainda vai apanhar, como nesta terça-feira (19), quando levou
uns tapas de graça.
A Câmara derrubou aquela medida infame, inútil e contraproducente que facilitava a decretação de sigilo sobre documentos do governo.
Dado o tamanho da desordem, o DEM quer assumir de fato a liderança do governo por meio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, um improviso aguado de parlamentarismo, digamos, ao menos para assuntos de reformas. Não resolve o problema do comitê central de birutice odienta do Planalto.
O governo não tem coalizão, é cada partido por si e vários contra o Planalto. Não tem guichê de negociação, no bom e no mau sentido, e lideranças reconhecidas.
A desordem por enquanto nada tem a ver com a incompetente demissão de Gustavo Bebianno, em câmara lenta de horrores.
Entre as motivações importantes do Congresso estão: 1) acordos estáveis de divisão de poder; 2) a confiança de que não vai levar rasteiras do Planalto; 3) os humores da opinião pública.
Faltam acordo e confiança, óbvio. Mas ainda não há evidências, pesquisas ou clamores “nas ruas e nas redes”, de que o governo caiu pelas tabelas no prestígio popular.
O caso do ex-ministro, agora inimigo íntimo, pode ser um pretexto ou instrumento de cobrança futura de dívidas. O laranjal do PSL até pode desordenar ainda mais o partido do presidente, essa mistura incongruente de influenciadores digitais e militares. A crise ferve, pois os Bolsonaro querem a cabeça do presidente do partido, Luciano Bivar. Mas não é o centro do problema.
Uma pesquisa da XP Investimentos, feita, vá lá, por telefone entre 11 e 13 de fevereiro, indicava que o prestígio de Bolsonaro continuava na mesma, embora já tenha decrescido a opinião de que a corrupção vá diminuir. A pesquisa foi realizada antes do caso Bebianno. Mas a julgar por governos passados, essas confusões palacianas em geral demoram a “pegar” na opinião mais geral, pelo menos quando o povo acabou de eleger um novo governo. De início, prevalece a paciência de esperar para ver algum resultado prático para a vida muito sofrida.
Em resumo, esses rolos são passivos grandes e vão ficar pelo menos como brasa dormida. O fogo pode pegar outra vez, a depender da vontade parlamentar e do nível de insanidade do governo, que até agora não demonstra racionalidade básica, no nível primário da autopreservação.
No entanto, mesmo agora nem tudo é lama no Congresso. Maia continua a articular com o Ministério da Economia medidas de socorro aos estados, em troca de apoio para a reforma da Previdência.
É uma tentativa de colocar alguma ordem na geleia e de estabelecer um canal entre a Câmara e o governo, na verdade entre deputados e o Ministério da Economia. Por outro lado, apoio de governador jamais bastou para organizar coalizão no Congresso (isto é, em “tempos modernos”, pós-redemocratização).
No mais, mesmo os governistas fritam os líderes políticos do governo. Ressalte-se, na primeira votação, o governo levou um pescotapa de alerta, caso da derrubada do decreto sobre sigilos. O governo foi incapaz até de contar quais eram as linhas gerais da reforma da Previdência aos líderes partidários, que ameaçaram boicotar um café da manhã com Bolsonaro, amanhã, que acabou cancelado.