PSL defende revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, decidiu incluir na pauta de julgamento da Corte uma ação proposta pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, que pretende retirar artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o objetivo de endurecer as punições a jovens infratores.
A legenda também quer dar carta branca para autoridades apreenderem menores perambulando nas ruas para “averiguação”, mesmo sem indício de cometimento de qualquer irregularidade. O partido sustenta que são “vadios e sem rumo na vida”.
A ação foi apresentada à Corte em março de 2005, quando a projeção política do partido era nula. Em dezembro passado, depois da eleição de Bolsonaro, Toffoli pautou o julgamento para 13 de março — ou seja, 14 anos depois da chegada do processo ao tribunal.
Dois ministros do STF ouvidos pelo GLOBO em caráter reservado avaliam ser pouco provável o plenário atender ao pedido do PSL. Ao contrário: o julgamento deve servir para o tribunal estabelecer um limite à política criminal para a juventude do governo Bolsonaro.
— Essas políticas públicas criminais do novo governo têm toda a chance de esbarrar no ideário da jurisprudência do Supremo — declarou um ministro, sob a condição do anonimato.
Um dos artigos do ECA contestados pelo PSL estabelece como crime a apreensão de criança e adolescente sem ordem judicial, ou situação de flagrante delito. Se esse trecho for retirado da lei, autoridades poderão apreender menores perambulando nas ruas, mesmo que não haja a suspeita de delito praticado.
— As criança e os adolescentes são pessoas em formação, merecedoras da proteção do Estado, da família e da sociedade. Parece contrário ao espírito do texto constitucional o cerceamento da liberdade de crianças e adolescentes fora dos casos de flagrante de ato infracional e sem ordem judicial. Isso, inclusive, configuraria tratamento mais gravoso que aquele dispensado aos adultos — alertou o Defensor Público-Geral Federal, Gabriel Faria de Oliveira.
Na ação, o partido argumenta, primeiro, que as autoridades precisam ter autorização para recolher esses jovens para fins de assistência social. Em seguida, menciona que menores de rua costumam cometer infrações. Hoje, quem apreender uma criança ou adolescente fora das situações previstas no ECA fica sujeito a pena de seis meses a dois anos de detenção.
“Isto quer dizer que as crianças carentes, ainda que integrantes deste quadro dantesco e desumano, não mais poderão ser recolhidas pois adquiriram o direito de permanecer na sarjeta. E os perambulantes, vadios e sem rumo na vida, somente quando estivessem em flagrante de ato infracional”, afirma o texto da ação.
O PSL também contesta que as infrações de menores sejam analisadas por Conselhos Tutelares, e não pela Justiça. “Como é de conhecimento geral, frequentemente crianças praticam sucessivos atos infracionais graves, são apreendidas e encaminhadas dezenas de vezes aos Conselhos Tutelares. Levadas aos abrigos, que são instituições abertas e transitórias, verdadeiras casas de mãe Joana — entram e saem no mesmo dia ou no dia seguinte”.
Indício de infração
O partido argumenta que, pela Constituição Federal, lesão ou ameaça de direitos devem ficar a cargo do Poder Judiciário. “Embora praticado por criança, o ato infracional (crime) constitui, inegavelmente, uma lesão ou ameaça de direito”, diz a legenda.
— O Supremo só vai permitir a apreensão (do menor) com indício (de infração). O tribunal não vai permitir esse constrangimento, pelo contrário. É possível que o STF autorize o recolhimento do jovem para fins de assistência social, nunca para coibir a liberdade de ir e vir — afirmou outro ministro da Corte.
O PSL também quer mudar o trecho do ECA que trata de internação de menor infrator. A medida só pode ser aplicada se o ato for cometido “mediante grave ameaça ou violência a pessoa”. A outra hipótese é de internação pelo cometimento de “outras infrações graves”, desde que o menor seja reincidente. Para o partido, esse trecho deve ser retirado.
O partido não pediu para a ação ser julgada neste ano. Foi de Toffoli a decisão de incluir o caso na pauta. Como elaborou pautas temáticas, Toffoli agendou o julgamento de outros processos sobre o sistema socioeducativo para o mesmo dia.
Há uma série de pareceres enviados ao STF recomendando que o pedido do PSL seja negado. Manifestaram-se dessa forma o Senado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU), ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Em nota, o PSL reiterou a posição manifestada na ação de 2005. “Entendemos que toda criança precisa ser repreendida quando faz algo errado, isso é o que os pais fazem diariamente para que ela compreenda que errou e não repita tal atitude”, diz o texto. “Não estamos querendo colocar as infrações das crianças em condições de igualdade com as dos adultos, apenas entendemos que precisa haver algum tipo de advertência que faça a criança refletir e não voltar a praticar tais atos”, completa o partido.
De O Globo