Reportagem da NatGeo revela sofrimento de animais selvagens na Amazônia, vítimas dos ‘selfies safáris’
No deque de madeira de uma aldeia minúscula no rio mais longo do mundo, um tamanduá toma iogurte em um recipiente plástico. Enquanto isso, um homem aproveita para tirar foto do bicho com pau de selfie.
Duas araras-azuis se empanturram de salgados de queijo. Já o tucano pega um outro biscoito. O bando de turistas se amontoa para ver animais selvagens exibidos em cativeiros. As preguiças se penduram nos pescoços das pessoas. Macacos passeiam por cabeças e ombros. E, em um banco, duas tartarugas lutam para escapar de mãos humanas.
À medida que os animais circulam entre a multidão, câmeras clicam e paus de selfie se equilibram em todos os ângulos. Uma mulher segura um jacaré jovem, de boca aberta, ao lado da cabeça do filho. Uma adolescente conversa enquanto envolve uma sucuri ao redor do torso e, ao mesmo tempo, grava um vídeo dela mesma.
As pessoas jogam iscas e descem as escadas da plataforma. Logo se entediam, e o frenesi dá lugar à indiferença.
Se você passar dias ou até semanas na selva amazônica poderá ver, se tiver sorte, uma preguiça selvagem subindo uma árvore ou o brilho dos olhos de um jacaré no rio à noite. Mas dar de cara com qualquer um desses animais é improvável. Com todos eles? É impossível.
No entanto, nesta plataforma tosca sobre palafitas nas margens peruanas do Amazonas, tal experiência é certeira. Essa é uma vitrine única de vida selvagem.
Puerto Alegría é uma cidade com apenas 600 famílias em um local ensolarado da Amazônia chamado Três Fronteiras – onde Peru, Colômbia e Brasil se encontram. Todos os dias, centenas de turistas, principalmente do lado colombiano do rio, chegam em barcos. Tábuas de madeira os levam da água à terra firme para que segurem e tirem fotos com até cem animais selvagens de mais de 20 espécies diferentes – todos em cativeiro.
Essa rotina impulsiona a economia local – a população fica a postos para vender lanches e refrigerantes, estender cestas de gorjeta e oferecer artesanato regional em lojinhas.
O turismo de vida selvagem é um grande negócio – representa entre 20% e 40% do valor anual da indústria turística global de US$ 1,5 trilhão, de acordo com a Organização Mundial de Turismo.
Organizações de conservação e de bem-estar animal concordam que, quando a atividade envolvendo vida selvagem cruza a linha da observação para a interação, os animais sofrem. No Sudeste Asiático, andar de elefante e fazer carinho em filhotes de tigres em cativeiro são evidências do lado sombrio do turismo de vida selvagem.
O turismo na região ainda é tímido. O estado do Amazonas, por exemplo, contribui apenas com 1,4% do PIB do Brasil. Mas o crescimento das economias na América Latina e o maior acesso a voos internacionais fomentam o turismo – especialmente o de vida selvagem, que pode estar prestes a explodir.
A Amazônia abriga mais de 10% da biodiversidade do planeta – 400 espécies de mamíferos, 200 de répteis e 1,3 mil de aves. Turistas geralmente têm duas opções para experimentar a diversidade: a maneira autêntica ou o jeitinho rápido. Para ver a Amazônia crua e selvagem, as pessoas geralmente embarcam em uma excursão na selva que dura pelo menos 3 ou 4 dias e pode custar milhares de dólares. Para viajantes com pouco tempo e dinheiro, a alternativa são excursões de um dia. Oferecidas por diferentes agências de viagens das cidades portuárias, a maioria passa por vários pontos de uma só vez, dando uma degustação da floresta.
O que acontece em Puerto Alegría é símbolo de uma realidade mais complexa. Nas cidades portuárias da região, alguns locais pegam animais selvagens da floresta para mantê-los em gaiolas e levá-los para turistas fotografarem durante o dia em troca de dinheiro.
Em setembro de 2016, pesquisadores da ONG sem fins lucrativos World Animal Protection (WAP), baseada no Reino Unido, iniciaram uma investigação de 6 meses sobre as operações de turismo animal em Puerto Alegría e Manaus, capital do Amazonas. As descobertas foram documentadas em relatório publicado no início deste mês pelo periódico on-line Nature Conservation (em inglês).
Em ambas cidades, os cientistas observaram gente maltratando e colocando em risco a saúde e o bem-estar de animais. Pessoas foram vistas apertando cobras pelo pescoço e fechando a boca de jacarés com tiras de borracha. Em Puerto Alegría, encontraram o réptil preso em uma geladeira quebrada, um peixe-boi morrendo em uma piscina infantil e um residente batendo na cara de um tamanduá.
Os efeitos nas preguiças são particularmente graves. Esses dóceis e delicados animais dormem 22 horas por dia na selva e o estresse causado pelas repetidas vezes em que são segurados por turistas agitados pode ser muito prejudicial, afirma o biólogo Neil D’Cruze, chefe de políticas da WAP.
As leis brasileiras e colombianas são claras: é ilegal remover qualquer animal da natureza para manter como animal de estimação ou possuir animal selvagem sem licença. No Peru, é ilegal ganhar dinheiro com animais selvagens cativos. Mas as leis nem sempre são aplicadas, especialmente no lado peruano do rio. A população de Puerto Alegría, por exemplo, mantém animais selvagens em cativeiro e esse fato não costuma ser alvo das autoridades reguladoras da vida selvagem.
A Corpoamazonia, agência governamental colombiana na cidade de Leticia, responsável pela proteção ambiental, está ciente da exploração de animais selvagens em toda a fronteira peruana em Puerto Alegría, diz Yamile Silva. Administradora da divisão Amazonas da Corpoamazonia, ela acredita que alguns dos animais são trazidos para o Peru pela Colômbia. “O rio facilita o tráfico”, porque praticamente não há controles nas Três Fronteiras. Mas a agência colombiana não pode intervir, mesmo que os turistas venham principalmente da Colômbia, porque Puerto Alegría fica no Peru.
Larisa Campos tem oito anos. De olhos brilhantes e sorriso largo, carrega o material escolar debaixo de um braço. No outro, segura uma preguiça. Um grupo de turistas acaba de deixar a plataforma em Puerto Alegría, e os moradores estão reunindo seus animais e voltando para casa.
A preguiça ainda é filhote, conta Larisa, e dorme em uma casinha nas árvores. Como todos em sua cidade, a garota vive em uma casa muito simples, construída sobre pilares de madeira para evitar inundações na estação das chuvas.
Na casa dela, converso com a sua tia, que descansa na rede. Como outros do vilarejo, a família pesca para sobreviver, conta. A preguiça garante para elas uma grana extra dos turistas. Ela também diz que o bicho dorme nas árvores; todas as manhãs, como descreve, a família chama e a preguiça desce para comer.
D’Cruze diz que isso é improvável. É comum, ele diz, que os locais que mantêm animais em cativeiro façam uma “lavagem cerebral ecológica” – contando histórias que tiram o peso da consciência dos turistas.
Um detalhe sobre as casas em palafitas é que elas apresentam uma nova dimensão estrutural: um lugar para esticar redes, armazenar móveis antigos e, também, empilhar jaulas com animais.
Ao sair da casa da Larisa, segui alguns micos pela estrada que cruza uma ponte de madeira e passa por várias casas de palafita. Sob uma delas, nas sombras, uma jaula de madeira. Um animal se mexe dentro dela. Vejo o olhar parecido com o de um ser humano na escuridão. Garras, três em cada pata, agarram as grades. Uma preguiça. A jaula é rígida e escura.
Quase todos os turistas com quem falei em Puerto Alegría, Manaus e Leticia, ou em trânsito pelo rio, disseram preferir a experiência na selva mais natural possível, mas os passeios diários são oportunidades de ver muita coisa em um curto período.
Alejandra Giraldo, de Cali, na Colômbia, conta que gostou da ida a Puerto Alegría para ver como as pessoas vivem e ter a chance de segurar e observar animais selvagens. Mas, ela comenta, achou incômodo ver um tucano com penas cortadas. “Eu imagino que a comunidade faça isso para que não possam escapar”. Ela para e reflete. “Sinceramente, dentro de mim, eu sei que isso é ruim porque eles deveriam estar na natureza”.
Outros admitiram que algo não parecia certo, mas que os animais aparentavam ser bem-tratados durante a visita. Alguns também alegam não ter ideia de como os animais ficam no resto do tempo.
Essa é grande parte do problema, afirma D’Cruze. Turistas têm uma janela de tempo muito curta nesses passeios. Eles vêm por uma hora, tiram fotos e vão para casa. Animais selvagens não expressam a dor como os seres humanos fazem, então, “o sofrimento talvez não seja registrado”, ele comenta. Por isso, é irreal esperar que turistas sejam capazes de identificar questões do bem-estar, especialmente quando um guia turístico local sanciona ou encoraja a atividade.
De acordo com D’Cruze, a ideia de que isso é a oportunidade da vida de um turista, como um “agora ou nunca”, ajuda a suprimir qualquer preocupação que as pessoas possam ter. “Basta alguém de camisa polo dizendo ‘sim, sim, está tudo bem, não se preocupe com isso’. Aí, você diz ‘ah, tudo bem, vou deixar para lá’”.
Redes sociais, como Instagram e Facebook, expõem outra dimensão. Renata Ilha, investigadora WAP em Manaus, explica que turistas querem compartilhar fotos com experiências exóticas – abraçar uma preguiça ou ser envolvida por uma cobra. “Você não quer apenas ser aventureiro”, ela conta. “Você quer ser um aventureiro e mostrar ao mundo que é aventureiro.” Toda vez que pessoas compartilham essas imagens nas redes, elas avisam seus seguidores que a atividade é inofensiva.
O porta-voz do Instagram disse que eles estão em contato com especialistas de bem-estar animal para encontrar jeitos de informar a comunidade sobre as atividades que podem ser prejudiciais aos bichos, “como postar conteúdo que pode retratar exploração da vida selvagem e práticas ruins relacionadas à vida das espécies”.
O resort On Vacation Amazon é enorme, tem tudo incluso e fica a 20 minutos de barco de Leticia. É no meio do nada, não tem concorrência. Um dos 25 resorts da Colômbia, o estabelecimento é dirigido pela rede de hotéis On Vacation e atrai cerca de 2 mil hóspedes por mês, a maioria colombianos que procuram uma experiência da selva, mas sem a parte difícil.
Segundo Octavio Benjumea, gerente do resort, o negócio leva 150 turistas a Puerto Alegría todos os dias – o que representa grande parte dos visitantes – desde que abriu há 6 anos. Ele reconhece que os animais estão normalmente em condições terríveis. “Caem os pelos, comem comida humana, estão morrendo”, ele diz.
Quando nos falamos, em 8 de agosto, ele contou que o On Vacation Amazon alertou a população de Puerto Alegría que se não parassem de mostrar os animais em 30 dias, o hotel iria suspender as visitas. Em 2 de outubro, 55 dias depois, os hóspedes continuam postando selfies com animais em cativeiro pelo Instagram, com o próprio hotel entre as tags.
A administração do On Vacation não respondeu ao pedido de comentário feito pela National Geographic.
O resort não está sozinho. Entre setembro de 2016 a fevereiro de 2017, a World Animal Protection descobriu 18 agências de turismo em Manaus que levavam turistas para um enclave rural no Rio Negro chamado de Parque Ecológico Januari. Parecida mais com uma pequena comunidade que com um parque convencional, a área é lar de dezenas de famílias que dependem do turismo para sobreviver.
Lá, pesquisadores encontraram jacarés com as bocas atadas e preguiças amarradas a árvores. As preguiças encontradas no início da investigação foram substituídas por novas depois de alguns meses. D’Cruze acredita que os primeiros espécimes vistos provavelmente morreram.
As características da biologia, do comportamento e da aparência da preguiça-de-três-dedos tornam muito difícil para o leigo reconhecer quando estão sofrendo, disse D’Cruze. Elas não empurram ou tentam morder quem as prende. “Você combina isso com o fato de que parecem sorrir, e as pessoas projetam para eles o fato de que querem um abraço. É uma combinação assassina. Literalmente.”
Em novembro de 2016, o Ibama multou seis grandes empresas em mais de R$ 1,3 milhão por levar turistas para interagir com animais selvagens em cativeiro na região do Januari.
Botos-cor-de-rosa são nativos das águas do Rio Negro. Fotos destes animais estão espalhadas por propagandas de turismo em Manaus. Nadar com eles é um dos destaques dos passeios diários.
Quando nosso barco de turismo se aproximou da doca flutuante em uma entrada no Rio Negro, uma família de cinco moradores locais nos esperava – assim como dois botos atraídos por iscas. Os animais não são exatamente cor-de-rosa, mas acinzentados. Os botos estão prontos, de boca aberta, esperando um lanche. Por causa da curva de suas faces, parecem estar sorrindo.
Os oito turistas no meu barco estão fascinados. Protegidos por coletes salva-vidas, pulam na água e cercam os botos em um semicírculo apertado.
O guia pendura um peixe acima da boca de um dos mamíferos, afastando a presa sempre que o animal tenta agarrá-la. À medida que o boto se levanta da água, vejo seu corpo arranhado. Nosso guia, Francisco Alvis, diz que as cicatrizes de batalha são comuns, resultados da briga entre machos pelos lanches oferecidos. As pessoas gritam quando os pés tocam o corpo dos bichos.
Um aviso proíbe turistas de tocar nos botos, mas todos na água passam a mão nos animais várias vezes. Ninguém, no entanto, pede para pararem.
Tais interações são inseguras para pessoas e animais, diz Vera da Silva, pesquisadora-chefe do Laboratório de Mamíferos Aquáticos, no Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (Inpa), em Manaus. Os botos podem pesar até 160 quilos, nadam rápido e mergulham nas profundezas. “Qualquer acidente”, diz Silva, pode dar aos humanos “razões para matá-los ou espantá-los”. Ela também alerta para a possibilidade de transmissão de doenças, de animal para humano e vice-versa.
Não existem regras oficiais que regulam a atividade, mas uma legislação que proíbe os turistas de alimentar e tocar os botos – e de entrar na água – foi elaborada. Mas novas regras não resolverão o problema sozinhas, diz D’Cruze. A educação também é necessária. Muitos envolvidos na indústria do turismo não entendem questões de bem-estar animal.
João Araújo, secretário de turismo de Manaus, encoraja o nado com botos se o regulamento for cumprido. Quando perguntei se ele se preocupa com o bem-estar dos bichos, disse apenas que não são agressivos, então, não ameaçam as pessoas.
Luis Humberto Coello da Silva, conhecido por Belo, tem 74 anos, 18 filhos e dezenas de netos. Quando o conheci, ele estava em uma cadeira de balanço em seu deque simples sobre o Rio Negro, próximo ao Parque Ecológico do Januari, onde viveu por toda a vida.
Sobreviver é um desafio para os caboclos que vivem em comunidades ribeirinhas na Amazônia. Diferente das tribos indígenas, que oferecem aos turistas experiências mais “autênticas” que seguem tradições culturais, os caboclos precisam encontrar outras formas de sustento.
Enquanto seu cachorrinho, o Pipoca, pula sobre seus pés, Silva relembra momentos de fama, quando Anaconda, com Jennifer Lopez, foi filmado em suas terras, assim como outros programas sobre vida selvagem. Ele foi convidado para participar de várias outras produções, afirma.
José Leland Barroso, superintendente do Ibama no Amazonas, diz que os animais resgatados podem sofrer traumas irreparáveis do tempo de cativeiro. Cobras, diferente das preguiças, retornam com facilidade à natureza, “mas se estiver cega, vai morrer de fome em algum momento”, ele disse. Ele também alega que os malfeitores simplesmente saem e pegam novos bichos. “Paramos de confiscar os animais porque estávamos dando um tiro no pé.”
Mas as batidas do Ibama tiveram certo efeito. Até julho, algumas das maiores agências de turismo de Manaus, como Amazon Explorers e Amazon Day Tours, tinham parado de levar grupos para manusear animais em cativeiro no Januari.
Ele oferece sua casa para visitas turísticas há 50 anos. Já teve um mico chamado Burguette que, segundo ele, adorava beber Coca-Cola. E também um jacaré apelidado de Baú, que supostamente atendia pelo nome quando chamado.
Agentes do Ibama confiscaram ambos os animais e os entregaram a um zoológico em Manaus. Silva diz que, agora, os únicos animais que tem são os peixes Juan e Juanita. São pirarucus, espécie que pode atingir 3 metros de comprimento. Ele os mantém em um tanque de concreto e deixa turistas os alimentarem por uma pequena taxa. Eles vivem no tanque há 18 anos, conta.
Silva alega que nunca mais teve outros animais, mas é rápido ao apontar quão fácil é capturá-los. Cobras podem ser capturadas com redes de pesca, jacarés são tranquilos de agarrar com as mãos se são menores que 1,2 metro. “Quando são maiores, você tem de amarrá-los. Foi assim que peguei Baú”.
Também é fácil pegar preguiças, ele conta, porque são lentas e dóceis. Mas nega ter mantido preguiças em cativeiro.
De acordo com Renata Ilha, do WAP, Silva é um dos que mantém animais em cativeiro no Januari para o turismo de selfie. Ela comenta que, em certa ocasião, viu uma preguiça escapando de um galpão escuro próximo à casa dele. A preguiça estava fazendo barulhos. “É muito raro ver isso porque é um barulho que fazem quando estão muito estressadas”, Renata diz, acrescentando que uma das filhas viu e a puxou de volta para o galpão.
Renata comenta também que tenta convencer Silva a encontrar outras formas de fazer a vida com o turismo, como oferecer a oportunidade de observar pássaros, mas ele está “preso à ideia de ter outro jacaré”.
Alcimar Oliveira, 29, vive próximo, descendo o rio. Um pequeno barco turístico está amarrado em sua doca, e meia dúzia de turistas estão passando uma preguiça de um para outro. Oliveira pega uma jiboia-constritora pelo pescoço e a estica no chão de madeira para que um turista a fotografe. Outro homem bate na cauda da serpente várias vezes no chão. Como reflexo, o animal se enrola em cada uma das vezes.
“Só eu e o Belo que temos os animais agora”, relata Oliveira.
Ele também conta que as grandes agências de turismo não têm vindo com muita frequência por causa das vistorias do Ibama, mas grupos menores vão normalmente. Os animais são a atração, mas o artesanato indígena, como máscaras e animais talhados em madeira, é o que garante a renda mensal.
“Sem os animais, ninguém viria aqui”, alega. Se ele tivesse de mudar para Manaus, seu artesanato teria muita concorrência e ele teria de pagar aluguel para expor o trabalho. “As pessoas de outros lugares não entendem como é nossa vida, então, dizem coisas ruins sobre a gente”. Alcimar reclama que o Ibama envia com frequência agentes de São Paulo ou do Rio de Janeiro. “Eles não conhecem nossa realidade”, explica.
“Pessoas que nascem na comunidade deveriam ficar aqui”, diz Silva. “O caboclo vive melhor na selva. Ele pode construir uma casa, criar galinhas, comer peixe, cultivar uma plantação e viver uma vida boa.”
Na Colômbia, descendo pela correnteza do rio desde Puerto Alegría, uma comunidade descobriu como prosperar ajudando os animais em vez de machucá-los.
Quando se chega a Mocagua, um assentamento indígena de 650 pessoas, você poderia até pensar que está em Puerto Alegría – as mesmas margens lamacentas dos rios, as mesmas construções de madeira, a mesma língua. Essa população caçou tanto o primata Oreonax flavicauda pela carne que a espécie quase foi extinta.
Mas, em 2004, as comunidades de Mocagua e região concordaram em parar de caçar as espécies em perigo, em pareceria com a recém-inaugurada Fundação Maikuchiga Foundation (em inglês) e sua fundadora, Sara Bennett, bióloga especialista em primatas que vive na Colômbia. Maikuchiga, uma enorme estrutura de madeira na floresta atrás de Mocagua, é o primeiro e único centro de reabilitação para macacos resgatados no país.
Pouco a pouco, ex-caçadores se tornaram guias, usando o conhecimento no comportamento dos macacos para informar visitantes. As pessoas pintaram suas casas com retratos coloridos de animais selvagens, e modestos alojamentos foram abertos. Cada visitante de Mocagua paga dois dólares para o fundo da comunidade local. O dinheiro é usado para projetos de melhoria da área.
Hoje, Maikuchiga reabilita oito macacos, trazidos pela Corpoamazonia e por locais que resgataram os animais do tráfico ou de caçadores.
Leoncio Sanchez Bolivar, nascido e criado em Mocagua, controla todas as operações do centro desde o começo. Ele diz que já recebeu uma macaca doente de Puerto Alegría mas que morreu depois de uma convulsão, cuja causa ele acredita ter sido desnutrição.
Maikuchiga cobra 40 dólares por grupo de seis visitantes e depende de voluntários – é comum que turistas que querem uma experiência amazônica significativa ajudem nas tarefas cotidianas.
O centro se esforça para se manter financeiramente, mas Sanchez Bolivar não quer abrir para grandes operações como a de On Vacation. Ele enxerga nelas uma complacência com as atividades de Puerto Alegría.
“Seria ótimo expandir de onde estamos e oferecer ajuda a outras comunidades que precisam”, ele comenta. Isso se soma ao fato da chave para resolver o problema ser o esforço para entender as circustâncias de cada comunidade. Renata, da WAP, concorda. “É importante encontrar o que é melhor para essas pessoas, essas comunidades, esse lugar”, diz.
No entanto, o ônus também está nos próprios turistas, ela complementa. Embora a ação do Ibama tem diminuído as atividades que envolvem tocar os bichos em Januari, enquanto as pessoas continuarem procurando por turismo “fast-food”, os animais vão sofrer.
A comunidade de Mocagua não é a única trabalhando para oferecer uma degustação natural do que a Amazônia pode oferecer por uma taxa modesta. Em Manaus, há opções para que as pessoas não precisem sair da cidade.
O Museu da Amazônia tem cerca de 10 hectares de selva, parte da grande Reserva Florestal Adolfo Ducke, e fica nos limites da cidade. Os visitantes podem tomar um táxi, pagar cerca de 40 reais e imediatamente entrar em uma floresta tropical protegida.
Aqui, pode-se ver um animal selvagem ou não. Entrando com minha guia de campo Marina Souza, sinto como se tivesse sido transportada para a Amazônia das memórias de Percy Fawcett, o famoso arqueólogo e explorador Britânico.
Está anoitecendo, e chegamos a uma clareira onde uma escada de aço enorme aparece entre as árvores. Começamos a subir. Os sapos são ensurdecedores. Passamos por videiras penduradas, samambaias e copas de árvores, superadas por outras ainda mais altas. Continuando, as pernas já estão queimando e os sapos seguem gritando. Eu fico desacreditada que árvores possam ser tão altas.
Eventualmente, os troncos de 500 anos dão lugar às folhas. Aí, de repente, as árvores cessam e chegam os raios de sol. Estamos acima do dossel, em uma plataforma com uma visão de 360 graus da Floresta Amazônica. Olho para muito além e vejo Manaus, com a fumaça de chaminés desaparecendo no céu alaranjado. E depois, o Rio Negro.
O que tem depois do rio? Pergunto a Marina. “Nada”, ela responde. Apenas floresta. Eu tiro uma selfie. Quero lembrar desse momento.
Da NatGeo