Sabrina Bittencourt, ativista que liderou denúncias contra João de Deus, se suicidou em Barcelona
Morreu nesse sábado (2/2) uma das mulheres ligadas às denúncias que levaram o médium João de Deus a ser preso, acusado de ter cometido uma série de abusos sexuais contra centenas de mulheres, do Brasil e do exterior. Sabrina Bittencourt foi encontrada no apartamento onde morava, em Barcelona, Espanha, com uma carta, explicando o motivo de ter tirado a própria vida. O filho Gabriel Baum confirmou a informação neste domingo (3/2), nas redes sociais.
“Ela só se transformou em outra matéria. Nós seguiremos por ela. Foi isso que minha mãe me ensinou e ninguém vai poder tirar de mim. Não permitam que manchem o nome dela. Eu estava com a minha mãe quando Marielle foi assassinada, ela me disse: ‘Filho, a próxima sou eu mas estaremos sempre presentes’. Minha mãe passou o ano todo me preparando, mas nunca estamos preparados.
Ela fez mais de 300 vídeos com todas as instruções, deixou tudo em provas, organizado, tem um pacote de cartas. Ela não queria ser morta pelas quadrilhas nem pelo câncer. Minha mãe lutou até o final. Preciso ser forte pelos meus irmãos. Eu sou filho de Sabrina Bittencourt e somos imparáveis”, escreveu.
Antes de cometer suicídio, Sabrina escreveu um post que não consta mais nas redes sociais, em que falava sobre sua vida e a luta pelas mulheres e minorias. “Marielle me uno a ti. Eu fiz o que pude, até onde pude. Meu amor será eterno por todos vocês. Perdão por não aguentar, meus filhos”. Sabrina deixa três filhos.
De família mórmon, Sabrina foi abusada desde os 4 anos por integrantes da igreja frequentada pela família. Aos 16, ficou grávida de um dos estupradores e abortou. Bittencourt dedicou a vida a militar por vítimas de abuso e a desmascarar líderes religiosos, dentre eles Prem Baba e João de Deus.
Bittencourt é uma das criadoras do “movimento” Coame, sigla para Combate ao Abuso no Meio Espiritual, plataforma que concentra denúncias de violações sexuais cometidas por padres, pastores, gurus e congêneres. Sabrina ajudou, principalmente, as vítimas de abuso sexual de João de Deus, investigando as acusações junto à imprensa. Sabrina também auxiliou a filha do próprio médium, Dalva Teixeira, na denúncia contra o pai por abuso.
A seguir, o post de Sabrina postado na noite de sábado (02/02):
“Marielle me uno a ti. Somos semente. Que muitas flores nasçam dessa merda toda que o patriarcado criou há 5 mil anos! Eu fiz o que pude, até onde pude. Meu amor será eterno por todos vocês. Perdão por não aguentar, meus filhos. VOCÊS TERÃO MILHARES DE MÃES NO MUNDO INTEIRO. Minhas irmãs e irmãos na dor e no amor, cuidem deles por mim… Eu sempre disse que era só uma pequena fagulha. Nada mais. Só pó de estrelas como todos. USEM A SUA PRÓPRIA VOZ. A SUA PRÓPRIA VONTADE. TOMEM AS RÉDEAS DE SUAS PRÓPRIAS VIDAS E ABRAM A BOCA, NÃO TENHAM VERGONHA! ELES É QUEM PRECISAM TER VERGONHA. Não aguento mais. Todas as provas, evidências, sistemas de apoio, redes organizadas e sobretudo, meu legado e passagem por aqui está entregue ou chegará às mãos corretas. As REDES DE APOIO AOS BRASILEIR@S FORAM CRIAD@S E SE EXPANDIRÃO NA VELOCIDADE DA LUZ! Não se desesperem. Dessa vida só levamos o mais bonito e o aprendido. Paulo Pavesi, eu sinceramente sinto muito pela morte do seu filho. Tenha certeza, que se eu soubesse da sua história na época, implicaria minha vida e segurança como fiz com centenas de pessoas. Damares, eu sei que você não teve tratamento psicológico quando deveria e teve sequelas, servindo de marionete neste sistema de merda que te cooptou, acolheu e com o qual você se sente em dívida o resto da sua vida. Não tenho dúvidas que você amou e cuidou da sua “Lulu” como gostaria de ter sido cuidada e protegida na sua infância, mas ela nao é uma bonequinha bonita que você poderia roubar e sair correndo… Giulio Sa Ferrari, eu te considerei um irmão e você sabia de todas as minhas rotas de fuga… eu vi em você a pureza de um menino que nunca foi notado por uma sociedade neurotípica que não entendia os neuroatípicos, mas reputação é algo que se constrói e não é de um dia ao outro. Gabriela Manssur, muito obrigada por me fazer ter esperança de que elas serão ouvidas e atendidas em suas necessidades. João de Deus, Prem Baba, Gê Marques, Ananda Joy, Edir Macedo, Marcos Feliciano, DeRose Pai, DeRose filho, todos os padres, pastores, bispos, budistas, espíritas, hindús, umbandistas, mórmons, batistas, metodistas, judeus, mulçumanos, sufis, taoístas, meus familiares, Marcelo Gayger, Jorge Berenguer, eu desconheço a sua infância e a sua criação pelo mundo, mas sei no meu íntimo que TODO MENINO NASCEU PURO e foi abusado, corrompido, machucado, moldado, castrado, calado, forçado a fazer coisas que não queria, até se converter talvez, cada um à sua maneira, em tiranos manipuladores (em maior ou menor grau) que ao não controlar os próprios impulsos, tentam controlar a quem consideram mais frágil e assim praticam estupros, pedofilia, adicções diversas… Eu sei, eu sinto, eu vi. Mas ainda assim, preferi SEMPRE ficar do lado mais frágil nesta breve existência: mulheres, crianças, idosos, jovens, povos originários, afrodescendentes, refugiados, ciganos, imigrantes, migrantes, pessoas com deficiência, gays, pobres, lascados, fudidos, rebeldes e incompreendidos… Essa vida é uma ilusão e um jogo de arquétipos do bem e do mal, de dualidades… desde que o mundo é mundo. Vivo num outro tempo desde que nasci e sempre senti que vivia num mundo praticamente medieval. Volto pro vazio e deixo minha essência em PAZ. Aos meus amigos, amadas e amantes, nos encontraremos um dia! Sintam meu amor incondicional através do tempo e do espaço. SIM e FIM.”
O grupo Vítimas Unidas a qual Sabrina pertencia também se manifestou: “Comunicamos com pesar o falecimento de Sabrina de Campos Bittencourt ocorrido por volta das 21h deste sábado, 02 de fevereiro, na cidade de Barcelona, na Espanha, onde vivia atualmente.
A ativista cometeu suicídio e deixou uma carta de despedida relatando os porquês de tirar sua própria vida. Pedimos a todos que não tentem entrar em contato com nenhum integrante da família, preservando-os de perguntas que sejam dolorosas neste momento tão difícil.
Dois dos três filhos de Sabrina ainda não sabem do ocorrido e o pai, Rafael Velasco, está tentando protege-los. Ainda não temos informações sobre o local do velório, nem mesmo onde ela será enterrada. A luta de Sabrina jamais será esquecida e continuaremos, com a mesma garra, defendendo as minorias, principalmente as mulheres que são vítimas diárias do machismo”.
No Facebook, Sabrina relatou que estava sofrendo perseguição e sendo vítima de Fake News que envolviam o nome dela a crimes e ao uso de drogas.
No sábado, Sabrina também se manifestou sobre a prisão de Sandro Teixeira de Faria, filho de João de Deus, em Anápolis (GO). Ele é acusado de coagir testemunhas que denunciam os abusos sexuais do pai.
“Confirmo que Sandro Teixeira tem ameaçado nossas testemunhas, coagido, entrado na casa das pessoas, proíbe que falem comigo, Maria do Carmo Santos e Vana Lopes, do Grupo Vítimas Unidas. Estamos protegendo várias destas vítimas e testemunhas”, disse ela.
Sobre a morte da ativista, a antropóloga Debora Diniz postou no Twitter: “Sabrina Bittencourt não se suicidou. A mataram — esgotou a coragem de sobreviver ao denunciar João Deus. Ela nos deixou sua força para seguir”.