Cresce 18% o número de mortos por policiais. Foram 6.160 pessoas só em 2018
O Brasil teve no ano passado 6.160 pessoas mortas por policiais – 935 a mais que em 2017. No mesmo período, 307 policiais foram assassinados – número menor que o do ano anterior. É o que mostra um levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.
O número de vítimas em confronto com a polícia cresceu 18% em um ano. A alta vai na contramão da queda de mortes violentas no país, que foi de 13% em 2018. Já o número de policiais mortos caiu 18% – foram 374 oficiais assassinados em 2017.
Os dados, inéditos, compreendem todos os casos de “confrontos com civis ou lesões não naturais com intencionalidade” envolvendo policiais na ativa (em serviço e fora de serviço).
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O levantamento revela que:
- O Brasil teve 6.160 pessoas mortas por policiais no ano passado – um aumento de 18% em relação ao ano anterior, quando foram registradas 5.225 vítimas
- A taxa de mortes pela polícia subiu de 2,5 para 3 a cada 100 mil habitantes em um ano
- O Rio de Janeiro é o estado com a maior taxa de mortes por policiais: 8,9 a cada 100 mil
- O país teve 307 policiais assassinados em 2018 (menos que em 2017, quando 374 oficiais foram mortos)
- O Rio Grande do Norte tem a maior taxa de policiais mortos do país: 2,7 a cada mil
Para Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, quando a sociedade e as instituições flexibilizam o controle sobre a violência policial, uma parte do efetivo aproveita essa licença para matar para defender seus próprios interesses pessoais e financeiros. “O crescimento da violência policial é muito preocupante, porque a história tem mostrado que a tolerância a ela é a semente das milícias no Brasil. E esse é o maior risco para as instituições democráticas. O controle da violência policial deveria interessar sobretudo aos comandos das corporações dispostos a evitar a contaminação de suas instituições por milicianos e por criminosos”, diz.
Segundo Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de mortes por policiais deve ser alvo de atenção dos gestores da área. “Uma polícia sem controle e que faz da força letal uma prática comum no enfrentamento do crime caminha, ela própria, em direção ao crime”, dizem. “Quem defende que a polícia tenha liberdade para matar está defendendo que Estado decida, ao arrepio da lei, quem pode ou não viver.”
Para eles, preocupa também o número de policiais vítimas de homicídio, na medida em que há um agravamento da situação do policial em folga. “Em meio a esse cenário de pânico e guerra, é trágico constatar a força da hipocrisia política que estimula a espiral de violência que ainda toma conta do Brasil e que se contenta em amontoar corpos, quase todos negros e jovens como a soldado PM Juliane (morta na favela de Paraisópolis).”
Das 6.160 mortes cometidas pela polícia em 2018, a maioria (90%) aconteceu com policiais em serviço. Os 10% restantes são vítimas de policiais civis e militares na ativa, mas que não estavam trabalhando no momento.
O Rio de Janeiro é o estado com a maior taxa e o maior número absoluto de pessoas mortas em confronto com a polícia: 1.534 vítimas, o equivalente a 8,9 assassinatos a cada 100 mil habitantes. O dado representa 1/4 do total de mortes pela polícia no país. A taxa é a mais alta registrada no estado desde 1998.
O garçom Rodrigo da Silva Serrano, de 26 anos, é uma das vítimas. Ele foi morto por policiais militares quando subia a pé o Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, na Zona Sul do Rio, no ano passado. Rodrigo era morador da comunidade e tinha combinado de se encontrar com a mulher e os filhos, que subiam o morro com as compras do supermercado de kombi.
De acordo com a família, os PMs confundiram o guarda-chuva que ele carregava com um fuzil. Já a Polícia Militar diz que agentes faziam patrulhamento quando foram alertados de que havia criminosos na região, o que levou ao confronto.
As testemunhas ouvidas pela Auditoria Militar do Ministério Público do Rio do Janeiro confirmaram que não havia tiroteio no momento em que Rodrigo foi baleado. Rodrigo era casado havia sete anos e tinha dois filhos: um de quatro anos e outro de dez meses.
A mulher de Rodrigo, Thayssa de Freitas, chegou a ouvir os disparos de dentro da kombi. “Foi na hora em que a gente desceu, eu desembarquei, estava aquela correria, o pessoal estava meio confuso, nervoso pelo que tinha acontecido [o barulho dos disparos]. E o pessoal falou que alguém tinha sido baleado. Na mesma hora, eu já pude imaginar… Parece que alguma coisa falou assim ‘é ele que está ali’. Aí eu comecei a ligar para o celular que ele estava usando. Peguei um telefone de uma conhecida e fiquei ligando. Chamava, chamava e ninguém atendia”, conta.
A viúva afirma que, passado um ano da morte do marido, ainda espera por uma indenização do estado e pela conclusão das investigações. O filho mais velho, conta, passa por tratamento psicológico devido à saudade que sente do pai. “Ele estava tendo dificuldades no aprendizado por conta disso, dificuldade de adaptação. O pai dele foi embora e ele tem medo que eu deixe ele sozinho na escola e vá embora também”, diz.
Na época, os moradores da comunidade protestaram e pediram esclarecimentos sobre a morte de Rodrigo.
Questionada sobre o alto número de mortes em 2018, a Polícia Militar do Rio diz que as operações da corporação são pautadas por planejamento prévio e executadas dentro da lei e que, nas ações em áreas conflagradas, a missão é primordialmente a prisão de criminosos e apreensão de arma e drogas. “Muitas vezes, no entanto, os criminosos fazem a opção pelo enfrentamento, dando início ao confronto. Quando a operação policial resulta em mortes ou feridos, um Inquérito Policial Militar é aberto para apurar as circunstâncias do fato”, informa.
Em apenas um ano, o número de pessoas mortas por policiais teve variação superior a 50% em cinco estados: Roraima, Mato Grosso, Pará, Goiás e Sergipe. Em Roraima, por exemplo, oito pessoas foram mortas por policiais em 2017. Em 2018, esse número foi três vezes maior: 25 mortos por policiais.
Na comparação de 2017 com 2018, o número de pessoas mortas por policiais mais que dobrou em um ano em Mato Grosso: saltou de 34 para 76.
Já no Pará os dados de letalidade policial também são surpreendentes: 372 em 2017 e 612 em 2018. Um dos mortos foi Adriano da Silva Brandão, considerado um dos maiores assaltantes a banco do país, baleado em troca de tiros com a polícia em dezembro de 2018. Ele estava com um fuzil AK-47, segundo a polícia, e reagiu à prisão.
Em Goiás, foram 265 pessoas mortas por policiais em 2017. Em 2018, foram 425. No mesmo período, os números de Sergipe pularam de 90 para 144.
Já em relação aos policiais civis e militares da ativa que morreram no ano passado no país, a maior parte estava fora de serviço no momento da morte (cerca de 75% do total).
O Rio Grande do Norte é o estado com a maior taxa de policiais mortos: 2,7 mortes a cada mil policiais. O soldado da Polícia Militar João Maria Figueiredo da Silva, mais conhecido como Figueiredo, de 36 anos, entrou para as estatísticas do estado em dezembro de 2018, após ser morto por criminosos em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal.
Segundo a Polícia Militar, o soldado foi abordado por dois criminosos que chegaram a pé. Os criminosos dispararam contra Figueiredo, que foi atingido no ombro. Ele ainda tentou correr, mas foi alvo de outros três disparos na cabeça. O soldado morreu no local.
Figueiredo ingressou na Polícia Militar em 2009 e era lotado no pelotão da PM em Taipu. Também fazia parte da equipe de segurança de Fátima Bezerra, eleita governadora do Rio Grande do Norte em outubro de 2018. “Figueiredo era um companheiro agregador, era um companheiro altamente humilde, um companheiro compreensivo, alguém que estava sempre muito presente”, diz o delegado e amigo Fernando Alves.
“Quando ele era criança, ele disse que o sonho dele era ser policial. E conseguiu ser. Ele amava demais. Ele deu a vida dele por essa farda”, acrescenta Maria do Carmo, tia de Figueiredo.
Falta de padronização e transparência
O levantamento do G1 durou mais de um mês para ser realizado. Os dados foram solicitados via Lei de Acesso à Informação (sob a mesma metodologia utilizada nos anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e também foram pedidos às assessorias de imprensa das secretarias da Segurança. O resultado: informações desencontradas e incongruentes, assim como no ano passado.
Em alguns casos, o mesmo pedido, feito da mesma forma, foi respondido, sem explicação, de forma diferente. Para parte dos estados, o G1 teve de cruzar os dados com os já recebidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que prepara seu anuário, para sanar as disparidades e chegar aos dados finais, dando uma confiabilidade maior à estatística.
Quatro estados (Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro e Sergipe), por exemplo, não possuem os dados de morte separados por policiais em serviço e fora de serviço.
Apenas um estado não informa o efetivo das duas polícias: Goiás (o que inviabiliza o cálculo de uma taxa). Minas Gerais também não passa o número de policiais civis no estado.
Em Goiás, a Secretaria de Segurança Pública diz que a distribuição e a alocação estratégica de recursos humanos das forças policiais estão classificados pela portaria nº 750/2016 como “grau reservado”. “O sigilo de dados é uma garantia constitucional devidamente observada pela SSP. A portaria tem respaldo na lei federal n° 12.527, de 18 de novembro de 2011 e na lei estadual nº 18.025, de 22 de maio de 2013”, afirma.
Já a Polícia Civil de Minas Gerais esclarece que, por questões estratégicas de segurança, não divulga o efetivo da instituição.
De G1