Livro traça panorama da situação do crime de colarinho branco no país

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Escrito pelos delegados da Polícia Federal Jorge Pontes e Márcio Anselmo, um dos principais da Operação Lava Jato, “Crime.gov: Quando Corrupção e Governo se Misturam” traça um panorama da situação do crime do colarinho branco no país e estabelece o que seria uma nova modalidade de delito, o “crime institucionalizado”.

A PF nunca esteve tão presente no noticiário e tão influente sobre os rumos da política quanto agora, sendo de interesse público e objeto de curiosidade saber como funciona a cabeça de seus delegados. Nesse sentido, o livro é uma contribuição bem-vinda.

Embora o coautor Anselmo seja um dos principais delegados da Lava Jato, o leitor que buscar detalhes reveladores ou bastidores sobre a maior investigação sobre corrupção do país poderá se frustrar.

O objetivo central do livro é estabelecer o suposto novo sistema criminal. O “crime institucionalizado” ganha o acrônimo Incrim, em referência a Orcrim (organização criminosa), expressão presente em muitos inquéritos da PF para designar um grupo criminoso.

Os delegados comparam o Incrim a uma baleia, uma “nova espécie da fauna criminal”, que “até pouco tempo atrás se mantinha submersa e desconhecida”, abaixo do radar das investigações. Os autores resumem o Incrim da seguinte forma: “É um sistema de fraudes abençoado pelo poder central do país e sustentado por uma rede de apoio que percorre os Três Poderes”.

Ele “desvirtua e corrompe práticas ordinárias da sociedade e dos governos —desde a contratação de uma empreiteira para construir uma ponte até uma refinaria, ou ainda negócios permanentemente renováveis, como a limpeza urbana, por exemplo”.

O Incrim “pode controlar todo o processo criminoso, desde a formulação de uma política pública enviesada (voltada a práticas espúrias), sua implementação, seja legislativa ou executiva, os mecanismos de controle e até mesmo o julgamento de sua legalidade e imunidade à Justiça criminal”.

À luz de tudo o que foi descoberto pela Lava Jato, é difícil discordar dos autores sobre a existência de tal rede de crimes e proteção. As generalizações, contudo, podem ser recebidas como a negação da política e das práticas e garantias democráticas.

O livro afirma, por exemplo, que o braço do sistema criminoso no Judiciário se revela quando ele julga “de forma benevolente os envolvidos que são pegos pela polícia e pelo Ministério Público”. Em outro ponto, afirma que “a atividade política se tornou o esteio do crime institucionalizado”.

Esse tipo de enfoque generalizante, embora calcado em pedaços da realidade, é colocado em xeque quando se observa que a própria Lava Jato foi desencadeada com apoio decisivo do Judiciário ou quando se vê o papel do Legislativo na investigação sobre o escândalo do Mensalão, por meio de uma CPI, de 2005 a 2006.

Estender decisões e posições individuais de juízes e políticos para o resto do Judiciário e do Legislativo contribui para a condenação da democracia como sistema político. Perguntas desse tipo são cada vez mais necessárias em todos os aspectos da produção cultural, ainda mais num livro que trata do combate à corrupção: haveria Lava Jato numa ditadura?

Na parte das proposições, o livro apresenta trechos pouco claros, como “o ideal seria remover do Poder Executivo a atribuição de nomear um diretor-geral” da PF sem dizer como se daria essa nomeação.

Flerta com teorias complicadas de responsabilização penal, como quando diz que “precisamos rastrear, conhecer e responsabilizar as autoridades políticas que assinaram a nomeação do gestor encarregado de fraudar e desviar os recursos públicos”. Se essa noção prosperasse, seria a instituição da teoria do domínio do fato para todos os aspectos da vida pública brasileira, criando, na prática, um Estado de desconfiança e delação.

O livro contém pequenas e poucas imprecisões, como chamar ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de “desembargadores” ou dizer que o delegado Leandro Daiello foi o mais longevo da história da PF —foi o coronel Moacyr Coelho (1974-1985); Daiello foi o mais longevo desde a redemocratização—, mas que não chegam a comprometê-lo.

Todo somado, o resultado é positivo para a transparência pública: que venham mais livros de investigadores federais, o país precisa conhecer suas ideias, erros e acertos.

Da FSP