OAS tinha cargos como ‘gerente de caixa dois’ e ‘área internacional de caixa dois’
“Fazer caixa dois no Brasil estava ficando impraticável, uma vez que os controles e órgãos do Estado estavam cada vez mais robustos e por ser tributariamente muito caro.”
A revelação do ex-executivo da empreiteira OAS Mateus Coutinho em depoimento de delação expõe uma rotina de busca por artifícios dentro da construtora para viabilizar lavagem de dinheiro e pagamentos ilegais para políticos.
A OAS é uma das principais empreiteiras do país e enfrenta dificuldades desde que se tornou alvo da Lava Jato, em 2014. Entrou em recuperação judicial em 2015, quando tinha estimados 100 mil colaboradores diretos e indiretos, e hoje tenta firmar um acordo de leniência.
Em cerca de 180 páginas de depoimentos obtidas pela Folha, um grupo de ex-funcionários da empreiteira relata missões em outros países para estruturar o caixa de propinas e uma rotina de reuniões com o topo da hierarquia da construtora para anotar pedidos de repasses, além do dia a dia de burocracias para administrar essa contabilidade paralela. A delação abrange principalmente o período pré-Lava Jato, até 2014 (governos Lula e Dilma Rousseff).
Recrutados de áreas como planejamento tributário, em sua maioria de perfil jovem e de carreiras como economistas e contador, eles se identificaram aos investigadores da Lava Jato com ex-ocupantes de cargos como “gerente de caixa dois no Nordeste” ou responsável pela “área internacional de caixa dois”.
O grupo se define como operacional dentro da estrutura da empresa, sempre agindo sob ordens de líderes das divisões da empreiteira, sem ter o conhecimento da maioria dos beneficiários finais dos pagamentos. Um dos principais alvos das acusações deles é o herdeiro da OAS César Mata Pires Filho, preso em 2018 e liberado após pagar fiança de R$ 29 milhões.
“Quem detinha poderes para requisição de caixa dois eram os presidentes [da companhia], vice-presidentes, diretores superintendentes, diretores corporativos e líderes”, afirmou Coutinho.
Além desse grupo operacional da construtora, o ex-presidente da empreiteira Léo Pinheiro, preso desde 2016, manteve em paralelo negociação com autoridades e firmou neste ano compromisso de colaboração com o Ministério Público, que ainda está pendente de homologação na Justiça e não teve seu conteúdo divulgado.
Conforme a Folha mostrou em março, o grupo de ex-executivos delatou um esquema de “caixa três”, em que doações eleitorais da OAS eram disfarçadas por meio de contribuições oficiais feitas a seu mando por empresas fornecedoras e prestadoras de serviço.
A empresa, porém, não conseguia atender todas as demandas de pagamentos com recursos no Brasil e, diante de motivos como a alta carga tributária citada por Coutinho, partiu em busca de lavagem no exterior.
Na delação, os ex-executivos descrevem périplos por países vizinhos em busca de negócios, que na verdade eram assumidos mais por serem oportunidades de lavar recursos do que pela lucratividade.
A lógica era parecida com a do Brasil: superfaturar contratos de prestadores de serviço e, com isso, legalizar recursos que na verdade abasteciam o caixa dois da empreiteira. Lá fora, a empreiteira tinha uma empresa formalizada com sede nas Ilhas Virgens Britânicas.
Os delatores se referem sempre à contabilidade paralela como “caixa dois”, expressão que no contexto da delação define tanto o pagamento de propina a políticos e agentes públicos quanto o repasse não contabilizado a campanhas eleitorais.
Até o Haiti, país devastado por um terremoto em 2010 e no qual a OAS tinha um contrato para construção de uma rodovia, está na lista da linha de produção do caixa internacional. Um contrato fraudulento com uma empresa de locação de equipamentos no país caribenho proporcionou US$ 9,5 milhões para a contabilidade paralela da empresa.
Os ex-executivos listam ainda operadores da lavagem que já haviam sido alvo da Lava Jato anteriormente, como Jorge Davies, denunciado pela força-tarefa do Rio, e os hoje delatores Roberto Trombeta e Rodrigo Morales.
O esquema de pagamentos descrito pelos delatores repete, com menores dimensões, técnicas de repasses que já tinham vindo a público na delação da Odebrecht.
Delatores falam em entregas de dinheiro em hotéis de grandes cidades com senhas e codinomes, técnica celebrizada nos relatos da Odebrecht.
“Não costumavam entregar valores muito altos, raramente superando R$ 500 mil, por questões de segurança”, disse o delator José Linhares Neto. Ele afirmou que chegou a transportar quantias de R$ 250 mil a R$ 400 mil em malas de rodinha de um endereço de Trombeta com uma sala-cofre, em São Paulo, até a sede da OAS.
Em um dos capítulos da delação, cujo detalhamento não foi inserido nos demais depoimentos, os delatores falam sobre um suposto acerto de contas da OAS com a Odebrecht —as duas empresas têm origem na Bahia e são acusadas de integrar um cartel na Petrobras.
Em comum com a maior empreiteira do país também estava o papel de Alberto Youssef, doleiro que foi o pivô da operação em seu início, cinco anos atrás.
Quando Youssef foi preso, há cinco anos, ele ainda tinha consigo um saldo da OAS, disse o delator José Ricardo Nogueira Breghirolli. A prisão do doleiro, aliás, levou a OAS a reorganizar seus negócios ilícitos em 2014, primeiro ano da Lava Jato.
Segundo os delatores, executivos mudaram de postos, missões foram encerradas e houve até uma mudança de rota para priorizar o caixa um, ou seja, doações legais de campanha, em detrimento de repasses não contabilizados que configuram um crime eleitoral.
Meses depois, com a prisão de Léo Pinheiro, então presidente da companhia, após a eleição de 2014, todo o setor ilícito foi desativado, de acordo com os relatos.
O receio das investigações, disseram, já vinha desde anos antes, quando a Operação Castelo de Areia, posteriormente anulada nas instâncias superiores, atingiu em cheio a empreiteira Camargo Corrêa.
Procurada pela reportagem, a OAS disse apenas que conta com uma nova gestão que tem contribuído com a Justiça, “prestando todos os esclarecimentos que se façam necessários”.
Diz ainda que o objetivo é “concluir os acordos de leniência e seguir com os negócios de forma ética, transparente e íntegra”.
Da FSP