Onda de antissemitismo se expande pela Europa e EUA

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Suásticas foram pichadas em um cemitério judaico na França. Uma campanha de antissemitismo foi desencadeada pelo governo de extrema direita da Hungria. Na Grã-Bretanha, membros trabalhistas do Parlamento abandonaram o seu partido alegando um antissemitismo entranhado.

A quantidade de incidentes na Europa e nos Estados Unidos revela o renascimento de um preconceito antigo no século 21. O atual surto ocorre em um contexto de crescente incerteza econômica global, de ênfase na raça e na identidade nacional, e de uma polarização cada vez maior entre a esquerda e a direita na Europa e nos Estados Unidos a respeito do conflito entre Israel e os palestinos.

“Existe um padrão ideológico comum”, disse Günther Jikeli, especialista em antissemitismo europeu na Indiana University. “A situação mundial é considerada ruim, e o que impede que ela melhore são os judeus”.

O antissemitismo tornou-se uma parte do diagrama político de Venn (organizador gráfico, a representação das relações de união e interseção entre diferentes conjuntos) em que a extrema direita pode intersectar partes da extrema esquerda, a franja islamista radical da Europa, e até mesmo políticos dos dois principais partidos dos Estados Unidos.

Esta confluência é nova, afirmam os especialistas, assim como a emergência de um governo israelense que se aproximou de aliados de extrema direita que elogiam Israel enquanto vendem com o preconceito antissemita em casa.

As pesquisas de opinião sugerem que é possível que as atitudes antissemitas não estejam mais difundidas do que no passado. Apesar disso, os fanáticos aparentemente se tornaram mais descarados, criando um clima que tornou o antissemitismo muito mais admissível e perigoso.

Em 2018, a França informou um aumento de 74%, em relação ao ano anterior, de incidentes antissemitas, com mais de 500 casos. O presidente Emmanuel Macron definiu-o como o pior nível de antissemitismo desde a Segunda Guerra Mundial.

Na Alemanha, no mesmo período, ataques violentos contra judeus – 62 deles – cresceram 60%, enquanto todos os crimes desta natureza aumentaram quase 10% para 1.646, mostram as estatísticas oficiais. Depois da Segunda Guerra Mundial, o antissemitismo esteve restrito principalmente às margens do espectro político, mas já não é assim. Agora, ele está sendo mais utilizado para fins políticos, segundo especialistas.

“Hoje, os políticos tradicionais da Europa e da América do Norte, até mesmo presidentes, primeiros-ministros e premiês, não hesitam em flertar ou concordar abertamente com as mensagens e os memes antissemitas.”, afirmou David Nirenberg, diretor da Divinity School da Universidade de Chicago.

Os partidos de extrema direita muitas vezes descrevem os judeus como uma ameaça cosmopolita à identidade nacional. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orban conseguiu apresentar o bilionário judeu George Soros como um instigador secreto da imigração muçulmana. O governo israelense, de uma direita cada vez mais radical, liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, é um ponto de divergência das diferentes correntes do antissemitismo contemporâneo.

Personalidades políticas de extrema direita como Orban, se aproximaram de Israel, enquanto os antissemitas de esquerda o desprezam. Mas ambos fazem isto pela mesma razão: eles veem Israel como um país que se esforçou ao máximo para preservar o seu caráter étnico e religioso às custas de uma minoria muçulmana.

O presidente Donald Trump personifica as contradições do momento. Ele cortejou abertamente os nacionalistas brancos, afirmando que entre eles “ há pessoas muito boas”, enquanto faziam a saudação nazista com o braço estendido e gritavam slogans como “Os judeus não nos substituirão”.

Ao mesmo tempo, gabou-se do seu estreito relacionamento com Netanyahu e ofereceu amplo e caloroso apoio a Israel. Este apoio mais estridente, agora, foi saudado com uma oposição mais estridente, mais obviamente da deputada Ilhan Omar de Minnesota, uma das duas primeiras muçulmanas eleitas ao Congresso.

Ela foi em grande parte condenada, segundo os críticos, por tentar vender estereótipos antissemitas – motivo pelo qual ela pediu desculpas publicamente. Ilhan foi criticada também por seu suposto questionamento da lealdade dos judeus americanos aos Estados Unidos, e por comentários que, na opinião de alguns, foram uma referência à influência indevida do lobby judeu.

Assim como os judeus foram o perfeito bode expiatório em eras anteriores de grande ansiedade, voltaram a sê-lo hoje, disse Stefanie Schüler-Springorum, a diretora do Centro para a Pesquisa do Antissemitismo em Berlim. “A globalização e principalmente a crise de 2008 fortaleceram a sensação de estarmos à mercê de mecanismos que não compreendemos, e muito menos controlamos”, afirmou Stefanie. “Dali, falta apenas um pequeno passo para as clássicas teorias da conspiração, que sempre constituíram o cerne do antissemitismo”.

Do Estadão