‘Coitados de nós, neste país onde os inocentes pagam pelos errados’, diz viúva de músico morto por militares

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Nove militares que receberam alvará de soltura na noite de quinta-feira, após decisão do Superior Tribunal Militar (STM), deixaram a cadeia na manhã desta sexta-feira, e responderão em liberdade pelo fuzilamento do carro de uma família em Guadalupe , na Zona Norte do Rio, que terminou na morte do músico Evaldo Rosa e do catador de latas, Luciano Macedo . A família de Evaldo diz estar com medo. De acordo com Luciana Nogueira, viúva, o filho do casal, Davi, de apenas 7 anos, está com medo, chorando, e, nesta sexta-feira, não quis ir para a escola de jeito nenhum.

– Meu filho não quer sair de casa de jeito nenhum. Está desesperado, com medo. Ele sabe de tudo, coitado do meu filho – contou Luciana, muito emocionada. Ela enviou uma foto do menino aos prantos à reportagem.

Ela diz que, desde a prisão dos militares, eles se sentiam um pouco mais seguros. Agora, ela diz que a liberdade dos agentes tira novamente a paz da família.

– Coitados de nós, neste país onde os inocentes pagam pelos errados. Já me mudei de casa, já troquei meu filho de escola… Já fiz de tudo. Medo… medo… – concluiu.

Quem também reagiu à decisão da Corte foi Jane Maria Rosa, de 41 anos. Ela é irmã do meio de Evaldo e diz que jurou no caixão do irmão que conseguiria justiça para ele.

– Estamos indignados. Meu sobrinho está achando que, se for para a escola, eles vão vir mata-lo. É uma criança, que viu tudo. Ele diz: ‘mataram meu pai e vão vir matar a gente!’. É um caso de segurança. Estamos inseguros. A nossa mãe está magrinha, arrasada, perdeu muito peso. Minha cunhada (Luciana) está fazendo psicólogo, assim como meu sobrinho. Ninguém procurou a gente para nada. Está todo mundo muito abalado. O que eu espero é justiça. Eu não vou descansar enquanto ela não for feita. Eu jurei no caixão do meu irmão morto que a justiça vai ser feita. Eu creio que a justiça ainda será feita. Vou até o fim – desabafou.

Ela diz que está em depressão desde a morte de Evaldo, quando parou de assistir de TV, rádio ou qualquer tipo de noticiário. Ela define tudo como um ‘pesadelo’.

– Parece que estamos em um pesadelo. Me pergunto: que país é esse? Que o certo é o errado e o errado é o certo? Estou me perguntando. Meu irmão não era bandido, era uma pessoa de bem. Eu não posso julgar, mas vem na minha cabeça… será que é porque somos pobres, negros? O quartel não vai lá na Barra ou em Copacabana dar mais de 80 tiros num carro e fica por isso – disse.

Ela diz que, até hoje, ainda acorda achando que irá encontrar Evaldo, que ela define como um apaixonado por festar e por reunir parentes e amigos.

– É muito difícil. Não estamos tendo mais vida. Às vezes, eu acho que vou na casa do meu irmão, e ele estará lá, me esperando. Ele gostava muito de reunir o pessoal, era festeiro, adorava um churrasco… ele chamava todo mundo… é uma ferida que vai custar a fechar. E estes caras soltos, é pior ainda para a gente. Eles debocharam da cara da minha cunhada, e agora, soltos, vão debochar ainda mais. Só queremos que a justiça seja feita – conclui Jane.

Deixaram a prisão nesta sexta-feira os militares: terceiro-sargento Ítalo da Silva Nunes Romualdo, terceiro-sargento Fabio Henrique Souza Braz da Silva, e os soldados Gabriel Christian Honorato, Gabriel da Silva Barros Lins, João Lucas Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Marlon Conceição da Silva, Matheus Sant’Anna Claudina e Vitor Borges de Oliveira. Todos respondem em liberdade por tentativa de homicídio, duplo homicídio qualificado e omissão de socorro, conforme denúncia feita pelo Ministério Público Militar (MPM), e aceita pela Justiça Militar.

O Superior Tribunal Militar ( STM ) mandou soltar os nove militares acusados de matar em abril o músico Evaldo Rosa e o catador de papel Luciano de Barros Goes. O carro onde estavam Evaldo e mais quatro familiares, entre eles uma criança, foi cravejado por 83 tiros em Guadalupe, na cidade do Rio de Janeiro. Luciano tentou ajudar a família e também foi atingido pelos disparos. Depois, os militares divulgaram a versão de que houve uma troca de tiros, que foi desmentida posteriormente. Predominou o entendimento de que eles não podem ser presos agora porque ainda não houve condenação.

Foram dez votos pela liberdade de todos e dois pela imposição de algum tipo de medida cautelar. Houve também um voto para manter apenas a prisão do tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, único oficial envolvido na ação, soltando os outros. Dos 14 ministros, apenas Maria Elizabeth Rocha votou para manter a prisão de todos. O STM tem 15 ministros, mas o presidente, Marcus Vinicius Oliveira dos Santos, vota apenas em caso de empate.

Dos 15 ministros do STM, quatro são do Exército, três da Marinha (sendo um deles o atual presidente), três da Aeronáutica, e cinco civis. Dos nove militares que participaram do julgamento, oito foram favoráveis à liberdade total e um pela imposição de medidas cautelares. Dos cinco civis, dois votaram pela liberdade total, um por medidas cautelares, um pela prisão apenas do tenente, e uma pela prisão de todos.

Após o julgamento, o advogado Paulo Henrique Pinto de Mello, que defende os militares, comemorou.

— É o resultado que a defesa esperava. É a correta aplicação da lei penal. A defesa pacientemente esperou por 50 dias — afirmou o advogado.

De O Globo