Covas desaloja mais de mil famílias para transformar terreno ocupado em parque

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Da passagem das retroescavadeiras, sobraram pedaços de madeira que antes serviam de moradia, toneladas de entulhos e apenas um barraco em pé.

É ali onde Antônio Nogueira das Chagas, 87, mora há mais de 30 anos. O primeiro morador da Chácara da Esperança, terreno de 15 mil metros quadrados no bairro Jardim Peri Alto, na zona norte de São Paulo, conta que nunca negou um pedaço de terra a quem como ele, sem dinheiro para pagar aluguel, apareceu ali para montar seu barraco.

Ao longo dos anos, a ocupação no entorno da pequena chácara onde sua família ainda cria cabras, galinhas e cavalos se estendeu pelas margens do córrego do Bispo dando origem à favela do Sapo, alvo de ação de reintegração de posse da Prefeitura de São Paulo desde a última segunda-feira (6). O local era ocupado de forma irregular por cerca de 1.360 famílias.

De acordo com a gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB), a retirada das famílias obedeceu a uma ação judicial que classificou o terreno como “área de risco muito alto” por se tratar de uma área de preservação ambiental, próxima ao Parque da Serra da Cantareira.

Entre as famílias removidas, 946 vão receber R$ 400 mensais da prefeitura como auxílio aluguel por um ano, segundo a administração. Apontado como um dos gargalos do orçamento da política habitacional na cidade, o benefício é concedido, atualmente, a 30 mil famílias ao custo de R$ 118,4 milhões por ano. “O que um pai de família faz com R$ 400 por mês? Precisamos de moradia digna”, diz José Barbosa, 66, vizinho de Antônio, um dos que perderam a moradia na ação.

No sofá do barraco onde mora a filha e parte dos 33 netos, Antônio conta que seu barraco não foi derrubado devido a liminar da Justiça que lhe concedeu a posse provisória. A decisão, porém, pode ser revogada a qualquer momento. “Vou para onde me levarem, estou no fim da vida”, diz ele, que sofre de mal de Parkinson, tem dificuldade de locomoção e não enxerga.

Parte do terreno onde foram derrubados quase 2 mil barracos pertence à CTEEP (Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista), que havia instalado ali uma linha de transmissão de energia.

O restante, de propriedade pública, foi mapeado pela gestão Covas para fazer parte do projeto de parceria público-privada destinado a construir 13 mil moradias populares com investimento de R$ 2,2 bilhões em seis terrenos diferentes espalhados pela cidade.

A área a ser usada para erguer os empreendimentos no Jardim Peri Alto fica a poucos metros do cenário de devastação deixado após a reintegração de posse, e é ocupada por uma série de casas de alvenaria. Fica na parte “urbanizada” da favela, com comércio estabelecido, ruas asfaltadas e placas com os respectivos nomes dos logradouros.

Onde ficavam as moradias irregulares recém-derrubadas está prevista a criação de um parque linear às margens do córrego do Bispo que será integrado ao Horto Florestal, ali perto.

Questionada, a gestão Covas não comentou a relação entre a ação de reintegração de posse, o projeto de moradia popular e a criação do parque linear.

No âmbito da parceria público-privada municipal, os apartamentos serão construídos pela iniciativa privada em terrenos oferecidos pela prefeitura e destinados a famílias com fonte de renda comprovada e sem dívidas, realidade distante da maior parte das famílias removidas. Uma vez prontos, os empreendimentos vão ser comercializados pelas construtoras contratadas a preço de mercado. “Estamos sendo tratados como invasores”, diz Francisca da Silva Barros, 66, que vivia há mais de 20 anos no terreno e conta que teve a casa derrubada sem ter a chance de resgatar documentos e objetos pessoais.

Com uma sacola vermelha nas mãos, na tarde desta quarta, ela ainda procurava algo aproveitável na montanha de entulho onde antes era sua casa. Foi embora sem encontrar nada.

A montanha de entulhos ainda era cavucada na tarde desta quarta-feira (8) por vizinhos em busca de pertences dos antigos moradores. Pedaços de ferro e esquadrias de metal eram os objetos mais procurados por terem valor de venda em pontos de reciclagem. Mas, havia também quem comemorava ter encontrado itens como capas de celular, roupas e brinquedos quebrados.

Da FSP