Desembargadora critica duramente o pacote anticrime de Moro, em evento, no Rio: “inacreditável”
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é tido como um homem sofisticado, que frearia abusos do presidente Jair Bolsonaro (PSL). No entanto, a justificativa do ex-juiz para a ampliação das hipóteses de legítima defesa para policiais é pior do que aquela frequentemente veiculada pelo capitão reformado do Exército. Essa é a opinião da desembargadora Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES).
O pacote anticrime de Moro (Projeto de Lei 882/2019) cria hipóteses de legítima defesa para policiais. O texto estabelece que está em legítima defesa o policial que, em conflito armado, em risco iminente de conflito armado ou em caso de vítima mantida como refém, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de terceiro. Além disso, a proposta amplia as situações de redução ou não aplicação da pena se o excesso em legítima defesa e demais excludentes de ilicitude decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Na justificativa do PL 882/2019, Moro diz que as mudanças são necessárias porque policiais que atuam em favelas frequentemente não têm “possibilidade de distinguir pessoas de bem dos meliantes”.
“A realidade brasileira atual, principalmente em zonas conflagradas, mostra-se totalmente diversa da existente quando da promulgação do Código Penal, em 1940. O agente policial está permanentemente sob risco, inclusive porque, não raramente, atua em comunidades sem urbanização, com vias estreitas e residências contíguas. É comum, também, que não tenha possibilidade de distinguir pessoas de bem dos meliantes. Por tais motivos, é preciso dar-lhe proteção legal, a fim de que não tenhamos uma legião de intimidados pelo receio e dificuldades de submeter-se a julgamento em Juízo ou no Tribunal do Júri, que acabem se tornando descrentes e indiferentes, meros burocratas da segurança pública. As alterações propostas, portanto, visam dar equilíbrio às relações entre o combate à criminalidade e à cidadania”, argumenta o ministro.
Para Simone Schreiber, a justificativa do ex-juiz consegue ser pior do que a do presidente. “Moro é tido como um homem sofisticado, que poderia conter abusos de Bolsonaro. Mas [para justificar a ampliação de hipóteses de legítima defesa] ele vem com um discurso pior do que o de Bolsonaro. Bolsonaro diz que ‘apenas’ bandidos devem ser atingidos por policiais. Já Moro está legitimando a atuação indiscriminada do policial porque ele não consegue diferenciar bandidos de pessoas ‘de bem’. É inacreditável”, criticou a desembargadora nesta quarta-feira (15/5). Ela participou de evento em homenagem ao ministro Sebastião Reis, do Superior Tribunal de Justiça, no Instituto dos Advogados Brasileiros, no Rio de Janeiro.
A magistrada também apontou que já há uma política de justificação das mortes causadas por policiais – os autos de resistência. Com eles, policiais quase nunca são punidos por seus excessos, destacou. E os abusos vêm subindo: ela citou que, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio, no primeiro trimestre deste ano, foram registradas 434 mortes provocadas por policiais, aumento de 17,9% em relação a igual período de 2018 (368 mortes) e o número mais alto registrado nos últimos 16 anos.
Sem eficácia
Simone Schreiber também criticou as diversas medidas do projeto para aumentar penas e tempo na prisão. De acordo com ela, o aumento do encarceramento – que vem ocorrendo há décadas no Brasil – não melhorou a segurança pública.
E o Supremo Tribunal Federal declarou o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro, lembrou a magistrada. Só que essa decisão, declarou, está sendo “sumariamente ignorada” por governantes, juízes e pelo próprio Sergio Moro.
De Conjur