Em entrevista, Heleno diz: “nossos jovens não têm o país na cabeça. Têm ideologia, têm mandamento”
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, afirma que um desdobramento das manifestações de domingo consideradas bem sucedidas a favor do governo deverá ser a busca de “um denominador comum”, para que a reforma da Previdência possa avançar. “Vamos apressar isso”, conclamou. Em entrevista ao Valor, concedida em seu gabinete ao meio dia de ontem, o ministro avaliou que a manifestação “foi a favor das metas do governo Bolsonaro”. Mas negou participação do presidente na definição dos temas que traziam críticas violentas ao Legislativo e ao Judiciário.
O general fez uma distinção entre a manifestação do dia 26 e a do dia 15, quando estudantes foram às ruas protestar contra os cortes de verbas para a educação. Numa, a de anteontem, ele viu bandeiras do Brasil; na anterior identificou a ausência do símbolo nacional. “As pessoas foram às ruas, nesse domingo, pelo Brasil, e naquele outro domingo foram para satisfazer suas posições ideológicas”.
Segundo disse Augusto Heleno, o Brasil precisa se unir “para sair do buraco”. Muitos, segundo disse, torciam para que Bolsonaro “quebrasse a cara” e ficaram desapontados com o alegado sucesso da mobilização. A avaliação ele resume em uma frase: “Foram expressivas em quantidade e significativas em mensagem”.
A seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual a sua avaliação das manifestações de apoio ao governo?
Augusto Heleno: Eu acho que as manifestações foram expressivas, pela quantidade, e significativas, pela mensagem. Estava todo mundo torcendo para ser um fracasso, eu sei disso.
Valor: Todo mundo quem?
Heleno: Vai gastar cinco blocos, não preciso dizer nomes.
Valor: Quais são os desdobramentos dela, o que muda na estratégia política do governo?
Heleno: Hoje, ela está viva, pode ser trabalhada para mostrar que precisamos conversar, vamos buscar um denominador comum para que as coisas aconteçam rapidamente. É bobagem ficar retardando isso aí, tem que chegar a um acordo, o problema é o Brasil, não é ciclano ou beltrano.
Valor: O governo quer aprovar a reforma da Previdência e é Rodrigo Maia, presidente da Câmara, quem a está levando adiante. Não é contrassenso convocar um protesto contra Maia, o Congresso e os que estão empurrando a reforma?
Heleno: Vamos por partes. O presidente não participou da convocação para a manifestação…
Valor: Não? Só não esteve de corpo presente, mas ele e o partido se envolveram.
Heleno: Todo o tempo ele disse que não havia participação do governo nisso. Segundo, não houve nenhuma intenção de fazer alguma coisa, principalmente da parte dele, de fazer alguma coisa contra o Legislativo, contra o Rodrigo Maia. Pelo contrário, eles têm uma relação muito boa. Tanto ele, quanto o Davi Alcolumbre [presidente do Senado] têm uma relação muito boa, bem como com o presidente e o Dias Toffoli [presidente do Supremo Tribunal Federal]. Então, os Poderes estão perfeitamente em harmonia. É claro, cada um tem as suas maneiras de pensar que não são idênticas.
Valor: Mas então não é um contrassenso considerar que foi um sucesso do governo um movimento contra o Congresso?
Heleno: Não foi contra o Congresso. Onde é que estava escrito isso?
Valor: Nas faixas, por exemplo.
Heleno: Mas faixas são outra coisa. Havia algumas faixas contra o Congresso, havia muitas pedindo pela reforma da Previdência, pela Nova Previdência, e havia muitas pedindo pelo [Sergio] Moro. Então, foi uma manifestação espontânea de um país democrático. Se o cara quiser sair com faixa a favor do Vitinho para centroavante do Flamengo, sai. É uma manifestação absolutamente democrática, autêntica, palavra que esta na moda agora, republicana. E nada foi pensando antes, “vamos fazer uma manifestação contra o Congresso”. Não houve nenhuma referência a um alvo prioritário. O alvo era uma manifestação a favor das metas do governo Bolsonaro, isso sim.
Valor: De apoio ao governo?
Heleno: Isso aí ficou claro. Não contra Congresso. Até porque essa estrutura da democracia, a harmonia entre Poderes, independência entre Poderes, isso aí é absolutamente intocável. O próprio presidente já falou isso várias vezes. Muita gente quer levar isso aí para o lado da radicalização, da tentativa de implantar uma ditadura. Isso é uma bobajada, de gente que não tem o que fazer, que fica jogando boatos que não os atingem, então os boatos atingem o presidente da Republica. Então, às vezes o cara bota uma bobajada dessa no jornal, numa coluna, e ficam discutindo. Isso jamais passou pela cabeça do presidente.
Valor: Se a cada dificuldade, e a aprovação de uma reforma é uma negociação dificílima, o ministro da Economia ameaça sair e o presidente chama os eleitores para a rua…
Heleno: Ele não chamou o povo para a rua. Ele gravou um ‘post’ dizendo que ia haver uma manifestação, ele não fez nenhuma convocação. Pelo contrário. Todo tempo ele disse “eu não quero participação”. Ele sugeriu aos ministros que não participassem. Para ele era muito fácil dizer aos ministros “compareçam e arrastem quem vocês puderem”. Ao contrário, na reunião ministerial, ele sugeriu que os ministros não participassem. Sugestão do presidente é ordem.
Valor: Mas se elas não tivessem sido o sucesso que foram, seria ruim para o governo?
Heleno: Mas, aí é outro problema. Aí nós vamos partir para o “se”, que é perto do talvez. Lógico que a expectativa e o desejo de muita gente era de que ele quebrasse a cara. E ele ia quebrar a cara porque iam debitar na conta dele o fracasso. E muita gente quebrou a cara porque a participação foi muito significativa.
Valor: Quando o senhor fala sobre os que desejam o fracasso de Bolsonaro está falando da oposição, de um partido, do quê?
Heleno: Não vou carimbar ninguém não. É muita gente. Uma das coisas que ficaram demonstradas na manifestação é que existe uma grande parcela do povo brasileiro que foi para a rua com a bandeira do Brasil. Na manifestação dos estudantes havia pouquíssimas bandeiras do Brasil. Isso para mim é um absurdo, é fruto de toda essa doutrinação ideológica que foi feita nos últimos 20 anos. Então, nossos jovens não têm o país na cabeça. Têm ideologia, têm mandamento que botaram na cabeça deles, mas o Brasil não está na cabeça de boa parte da nossa juventude. Infelizmente, esse é um erro gravíssimo, eu acho que uma grande parte da nossa juventude acordou e participou ativamente da campanha e da eleição do nosso presidente. Mas uma grande parte continua contaminada pelo que ouviram nos colégios que frequentaram, nas universidades que frequentam.
Valor: E o que seria??
Heleno: Você vê uma manifestação de jovens, devia perguntar em primeiro lugar: Essa manifestação é para quê? É para eles satisfazerem seu lado ideológico, pessoal? Ou é uma manifestação para o Brasil e eles acham que o que está sendo feito é errado para o Brasil? Qualquer manifestação desse tipo tem que ter em primeiro lugar o país. aí depois vem partido, agremiação, vem universidades. Essa manifestação de ontem deixou claro que o pessoal foi para a rua pelo Brasil. E eu tenho apelado para o senso patriótico dos nossos congressistas e até do nosso pessoal do Judiciário e obviamente o Executivo tem obrigação de fazer isso, eu tenho apelado para o senso patriótico, porque determinadas coisas são necessidades iminentes do Brasil.
Valor: Uma união em torno do quê?
Heleno: Unir para sair do buraco. Esquecer que o presidente é o Jair Bolsonaro e, portanto, esquecer essa bobagem de que se a reforma da Previdência passar, com economia de R$ 1 trilhão em dez anos, Bolsonaro será reeleito.
Valor: A reforma está andando, será votada logo na Comissão Especial, passou na CCJ e já, já estará no plenário, com a liderança do presidente da Câmara que demonstra querer aprovar a Previdência. Em Brasília não se reúne uma multidão sem que a metade seja funcionário público, que sempre foi contra a reforma. O senhor acha que agora eles estão a favor?
Heleno: Qualquer conclusão desse tipo será precipitada, porque há classes que obviamente não estão completamente de acordo com a reforma, porque vai atingi-los. Então é óbvio e natural que haja um certo repúdio a que sejam mexidos alguns parâmetros que fazem parte da carreira e que vão ser mexidos. Mas não há dúvida de que ou aprova a reforma da Previdência ou todos nós vamos para o buraco. O Brasil está à beira do abismo.
Valor: O que seria esse abismo na sua visão?
Heleno: Subida violenta do dólar, queda abrupta das ações das empresas brasileiras, desabastecimento. Vamos virar uma Venezuela! Vamos disputar arroz no tapa, vamos disputar feijão no tapa! Venezuela é um exemplo típico que continua a ser a menina dos olhos de algumas pessoas nesse país. Isso não dá para entender. Desabastecimento foi uma das principais causas do regime militar. Eu vivi isso porque eu já era nascido, tinha 16 anos, estava no colégio militar. Minha mãe ia para fila às 5 da manhã para comprar 3 quilos de arroz. aí quando estava na fila há 3 horas avisavam que não era mais no mercado Mundial, que o arroz ia chegar na Casas da Banha. Saia todo mundo correndo para o outro mercado. Vivemos uma crise de desabastecimento seríssima no país, e até hoje os caras querem esconder isso, contar uma história diferente.
Valor: O ministro da Economia ameaçou ir embora umas três vezes se a reforma da Previdência não passar ou se passar uma reforminha. A última vez foi neste fim de semana, em entrevista à revista “Veja”. Se a reforma está andando, do que tem medo?
Heleno: Claro que está com medo. Ele tem um compromisso com o país de tirar o país do buraco. Ele já condicionou isso a ter uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Pode duvidar? Pode. Pode passar para R$ 900 milhões, R$ 800 milhões, pode. O que ele está avisando é o seguinte: “Isso aí não é uma brincadeira”. Nós fizemos um cálculo sério, com economistas da melhor qualidade. Muita gente está discutindo a previdência não pelos méritos, nem tem dados de economia para discutir. Apenas o sujeito quer fazer alguma coisa contra o governo. Chega a um ponto que todo mundo começa a sacar todas as armas.
Valor: Então o que se quer, no fim, é apressar a tramitação?
Heleno: É tão evidente a premência do final deste filme para que a gente possa ter uma segurança econômica, que comece a atrair investimentos nacionais, investimentos estrangeiros. Nós estamos com um nível de desemprego… o próprio presidente sempre diz que esse nível anunciado aí, de 13 milhões de desempregados, está abaixo da realidade, tem mais gente desempregada.
Valor: Chega a 20 milhões se considerado quem desistiu de procurar emprego….
Heleno: Isso é uma barbaridade!
Valor: O próprio ministro da Economia já disse que a Previdência não vai resolver tudo…
Heleno: Tem outras reformas na área. O governo recebeu o país com zero de recursos, praticamente zero. Imagina você assumir uma casa em que a família saiu e deixou aos pedaços, teto furado, a piscina quebrada. Vamos imaginar uma casa bacana, o Brasil é uma casa bacana. Vamos imaginar que ela esta destruída e você pensa em consertá-la e vai ver quanto tem de recursos e não tem nada.
Valor: Não tinha dinheiro em caixa?
Heleno: Claro que não! Dinheiro em caixa de quem? Depois dessas pedaladas todas ia ter dinheiro em caixa como? O aumento que houve de salários do funcionalismo em geral foi criminoso. Recebemos o Brasil numa situação caótica, e só vai sair dessa situação caótica na hora que os investidores brasileiros ao invés de botar dinheiro no mercado financeiro ou fora do Brasil resolverem empreender, botar dinheiro na indústria, no setor real, para gerar empregos.
Valor: Indústria que cada vez empregará menos.
Heleno: Sim, isso é outra coisa que os países de nível médio tecnológico ainda não avaliaram: o que vai acontecer com o fim de algumas profissões? Houve uma imposição dos fatos e eu deixei de ter trocador de ônibus, frentista de posto de gasolina, caixa de supermercado. São profissões que estão acabando. Há, nos EUA, um monte de mercados em que só duas ou três senhoras vão no caixa pagar. Os demais passam os seus produtos e já pagam. A Amazon tem lojas que você pega o produto, mostra o cartão no início e no final está pago. É um negócio sensacional, mas é óbvio que isso em termos de emprego é muito ruim. E há profissões que são muitas vezes desprezadas, a área técnica, por exemplo, e que vão ter valor. O mecânico de automóvel vai ter valor, ele vai ter que se adaptar a uma serie de maquinários avançados, que dependem de computador, mas eu posso formá-lo. As escolas técnicas podem formar. Agora, se eu gastar metade do tempo que o aluno passa na escola para fazer doutrinação, não se forma ninguém. Aí você forma um monte de inocentes úteis.
Valor: Quando o governo fala da doutrinação nas salas de aula, há pesquisas sobre isso, levantamentos, relatórios?
Heleno: Nossa senhora! Tem muita coisa, só WhatsApp e vídeo no YouTube tem uns 300. Recebi várias fotos de várias universidades mostrando o estado de depredação em que elas se encontram, depredação que não foi fruto de vendaval ou furacão, foi depredação por livre e espontânea vontade dos alunos. Agora, vai na academia militar sem avisar, cada papel no chão que você encontrar eu te dou R$ 100. Você não vai encontrar nenhum papel no chão. E essa doutrinação… o professor bota o aluno em sala de aula e conta a história que ele acha que é história. Se entrar outro professor ali, de outra linha de pensamento, vai contar outra história. Os dois estão absolutamente errados. O livre pensar é fundamental no nível superior. Tem que ter o livre pensar.
Valor: Mas o livre pensar vem também do ensino de filosofia, sociologia…
Heleno: Claro! Mas você não tem que ser comunista, nem fascista. Pode estudar isso ao longo da sua vida inteira e não adotar nenhuma posição extrema. O livre pensar é exatamente você deixar que cada um adote a postura que for mais conveniente. Agora, se eu boto um professor ou vários para doutrinar um adolescente, eu levo ele para esse lado. Adolescente de direita hoje não consegue nem falar nas universidades…
Valor: Na semana passada o presidente falou de uma proposta que poderia arrecadar mais do que a economia com a reforma da Previdência….
Heleno: Não me aprofundei. Não sei detalhes. Nosso direito tributário é um cipoal.
Valor: Até onde foi possível entender, seria cobrar uma taxa sobre a valorização antecipada do valor de aquisição de imóveis. O senhor sabe de quem é essa proposta?
Heleno: Não. Pode ser que ele tenha ouvido de alguém, mas ele não entrou em maiores detalhes. Isso aí as vezes é uma falta de experiência, ele tem cinco meses de mandato, e não cinco mandatos.
Valor: O ministro Paulo Guedes disse, em entrevista à revista “Veja”, que em setembro não haverá mais dinheiro para as Forças Armadas e, para as universidades, isso ocorrerá entre julho e agosto. Por isso é necessário apertar o contingenciamento
Heleno: Sempre houve contingenciamento. O que faz o país ter dinheiro é os empresários terem lucros e pagarem impostos. Se eu diminuo a atividade econômica e reduzo a capacidade de arrecadar, chega-se a um ponto que…. Não foram dois anos. Foram 15 anos a 20 anos de irresponsabilidade fiscal. Já houve anúncio de que o Brasil estava independente do petróleo. Mentira! Já se disse que não tínhamos mais a classe pobre. A Dilma [ex-presidente Dilma Rousseff] anunciou isso. Acho que liberdade de imprensa é fundamental. Se não houver liberdade de imprensa não tem nem sintoma de democracia, mas a imprensa tem que ter uma coisa básica que é honestidade intelectual. Se eu sei que uma coisa é mentira eu não vou publicar. Para desfazer uma mentira publicada por alguns órgãos de imprensa é muito difícil. E o presidente da República tem que ter, obrigatoriamente, honestidade intelectual.
Do Valor