Já existem os quatro elementos necessários para o impeachment de Jair Bolsonaro
O cientista político Octavio Amorim Neto, da Ebape/FGV, no Rio, nota que, em poucos mais de cinco meses, o governo de Jair Bolsonaro já está às voltas com os quatro elementos clássicos (ou pelo menos o risco de que ocorram) que a literatura acadêmica revela serem as condições para impeachment ou outras formas de destituição de presidentes na América Latina: manifestações maciças de rua, recessão econômica, posição frágil e minoritária no Congresso e algum escândalo importante.
É cedo, porém, para considerar que o início de um processo de impeachment é iminente, na visão de Amorim Neto. Uma das razões é que as manifestações apenas começaram, e não se sabe se continuarão e crescerão. “Foram muito expressivas, mas ainda não diria que foram maciças”, diz o acadêmico.
Quanto à recessão, é igualmente uma ameaça, mas não um fato consumado. O escândalo, por sua vez, atinge diretamente o filho do presidente, Flávio Bolsonaro, e não Jair Bolsonaro. A única condição que já está plenamente preenchida, segundo Amorim Neto, é a posição minoritária e frágil do governo no Congresso, comprovada por uma série de derrotas, como a convocação pela Câmara do ministro da Educação, Abraham Weintraub.
Mas evidentemente os três fatores que ainda não se materializaram plenamente podem piorar: as manifestações, a recessão e o escândalo de Flávio, neste caso pela extrema proximidade política do presidente com seus filhos.
“Para citar uma pessoa de quem os bolsonaristas não gostam, o Chico Buarque, eu diria que já vemos ‘tijolo com tijolo num desenho lógico’ de impeachment; alguns tijolos ainda estão na olaria sendo preparados, mas podem ir para a parede daqui a algum tempo”, diz Amorim Neto.
O cientista político nota que “apesar de os objetivos de Bolsonaro não estarem nada claros até agora, às vezes parece que lhe interessa o caos administrativo e na relação com o Congresso”. Em relação a este último ponto, o pesquisador acrescenta que “este parece ser o padrão de governança desse novo populismo de extrema-direita que varreu várias partes do mundo”.
Outras vezes, entretanto, na visão de Amorim Neto, Bolsonaro dá sinais de entender o papel adequado ao chefe de Estado de uma república democrática. O cientista político ainda não vê um ponto de não retorno, e pensa que a eventual aprovação de uma reforma da Previdência significativa não só ajude a economia (neutralizando um dos elementos de risco de destituição), mas incline Bolsonaro a dar mais ouvido aos participantes mais racionais do seu governo.
O problema, porém, é justamente que tipo de reforma da Previdência pode sair (se sair) de um ambiente político conturbado e de um governo fragilizado como se veem hoje.
Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências, que vê uma grande e precoce perda de capital político por Bolsonaro, diz que o que sustenta alguma viabilidade da reforma da Previdência é a percepção mais geral, incluindo o Congresso, de que ela é absolutamente urgente a sua não realização pode parar o setor público.
O problema, ele acrescenta, é que “esse movimento espontâneo do Legislativo, que tem a participação dos presidentes do Senado e da Câmara, especialmente deste (Rodrigo Maia), acaba reduzindo a ambição da reforma”. A razão é que falta a ação centralizadora do Executivo para empurrar os parlamentares a irem mais ousadamente na direção muitas vezes contrária aos interesses específicos que defendem, com a promessa de um ganho coletivo coordenado pelo governo central.
A projeção da Tendências é de aprovação em outubro de uma reforma com economias fiscais de R$ 640 bilhões em dez anos, mas o viés é negativo, especialmente em relação ao prazo, que pode se estender. A turbulência política está agravando a gestão do timing de uma série de medidas urgentes para o governo, como a MP da reforma ministerial, o que gasta o tempo e a energia política que poderiam estar sendo mobilizados para a reforma da Previdência.
Não há a menor dúvida de que Bolsonaro está vivendo o seu pior momento desde o início do governo. Como o presidente e seu entourage mais íntimo parecem não aprender com os erros, seria insensato não se preparar para o pior a esta altura do campeonato.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/5/19, quinta-feira.
Do Estadão.