Retórica do governo Bolsonaro contra universidades estimula psicopatas

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Era meio da tarde da quarta-feira, dia 10, quando o conteúdo de uma postagem feita em um fórum na internet viralizou em grupos de troca de mensagens de alunos e professores da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Na postagem, alguém identificado como “Sanctvus” dizia que iria “abater o maior número de aidéticos, vagabundas e pretos” na universidade.

Estudantes e docentes resolveram deixar o campus localizado na área central de Curitiba (PR) com medo do suposto ataque. Nos dois dias seguintes, apesar de a direção da UFPR não ter cancelado nenhuma atividade, alguns alunos preferiram não comparecer às aulas.

O ataque não se concretizou. Mesmo assim, PF (Polícia Federal), Abin (Agência Nacional de Inteligência) e Polícia Civil do Paraná foram acionadas para investigar a ameaça. O reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, foi a público pedir sensatez e equilíbrio. Anunciou também um reforço na segurança e no policiamento nos campi. “É um momento difícil e deve ser de união da comunidade universitária”, afirmou.

O próprio reitor Fonseca lembrou que a UFPR não foi a primeira universidade do país a sofrer com ameaças recentemente. Segundo levantamento do UOL, desde o dia 13 de março, quando dois jovens invadiram uma escola em Suzano (Grande São Paulo) e mataram oito pessoas, ao menos 18 instituições de Ensino Superior detectaram alguma ameaça de atentado em suas instalações.

Em alguns casos, as ameaças que chegaram às universidades citaram explicitamente o ataque à escola de Suzano. Em outros, como na UFPR ou na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e na UFG (Universidade Federal de Goias), mensagens de ódio a mulheres, negros ou homossexuais chegaram junto com as ameaças.

Em nenhuma instituição de ensino consultada pelo UOL a ameaça se concretizou. As direções de algumas universidades, aliás, consideram até que uma parte das mensagens que assustaram alunos e professores possam ser apenas brincadeiras de mau gosto. Os fatos, contudo, estão sendo investigados. A preocupação de reitores e diretores é real. “Não se pode ignorar as ameaças.

Temos que reforçar a nossa segurança e investigar”, afirmou Edward Madureira, reitor da UFG, universidade que recebeu um email ameaçador no último dia 1º (leia mais abaixo). “Existe um ambiente de instabilidade e ódio galopante em nossa sociedade. Esse ambiente e as ameças acenderam uma ‘luz amarela’ nas universidades.”

Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, era esperado que, após o ataque em Suzano, ameaças a outras instituições de ensino surgissem. “É o que chamamos de efeito repetição”, explicou. “Quando alguém comete um atentado, outros dizem que vão fazer o mesmo ou até fazem.”

Lima disse que grande parte dos que dizem que farão, na verdade, quer mesmo tumultuar ambientes aproveitando-se do temor geral criado por ataques. O pesquisador e professor, entretanto, lembrou que o risco de atentados existe e precisa, sim, ser levado em consideração.

Na opinião do presidente do Fórum de Segurança, as ameaças a universidades também têm a ver com o momento político do país. Para ele, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem estigmatizado as universidades como um espaço de doutrinação, de “dominação comunista”. Isso acaba tornando as universidades mais suscetíveis a ameaças.

“O atual governo elegeu as universidades como um alvo para sua batalha retórica”, criticou Lima. “Num ambiente polarizado como o de hoje, isso acaba descambando para ameaças.”

O Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) informou em nota que também vê conexão entre as ameaças e o “clima beligerante na sociedade brasileira que se intensificou no período eleitoral e persiste com a posse do novo governo”. O sindicato, contudo, destaca que o crescimento de grupos de extrema-direita já há alguns anos também pode ser a causa do problema.

Na Unb (Universidade de Brasília), por exemplo, ameaças contra unidades acadêmicas ou professores têm ocorrido desde 2017. Segundo a universidade, as ameças que chegam estão sempre relacionadas a crimes de ódio, “pois costumam se direcionar a pessoas da comunidade acadêmica que atuam em defesa dos direitos humanos e da liberdade de pensamento e expressão”.

Procurado pelo UOL para comentar as ameaças a universidade e seus motivos, o MEC (Ministério da Educação) informou que “essas questões são de competência dos órgãos de segurança pública”.

As ameças recebidas por universidades causaram a suspensão de aulas em algumas instituições. Todas as atividades programadas para as unidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) na Baixada Santista, por exemplo, foram canceladas no último dia 28 por conta de uma mensagem ameaçadora publicada numa rede social.

O mesmo aconteceu na Uni-Facef (Centro Universitário de Franca) e Faculdade de Direito de Franca no dia 22 de março.

Lima, do Fórum de Segurança, disse que a suspensão de aulas deve ser avaliada caso a caso. Quando órgãos de inteligência considerarem a ameaça preocupante, o cancelamento de atividades é prudente. Quando não, o ideal é manter a rotina para evitar dar notoriedade a quem ameaça.

“Quem comete ou fala em cometer um atentato quer notoriedade”, explicou o pesquisador. “Se você divulga que houve uma ameaça de um grupo x e por isso as aulas são suspensas, mesmo sem ter cometido nenhum ato, esse grupo já ganhou divulgação e causou um tumulto.”

“É sempre complicada esta avaliação”, complementou Edward Madureira, da UFG. “Daqui a pouco, um aluno que não quer fazer prova manda uma mensagem desta para tentar suspender as aulas.”

A PF, a Abin e policias estaduais foram acionadas em casos em que ameças chegaram às universidades. Investigações estão em curso para identificar autores e até uma possível conexão entre um caso e outro.

Procurada pelo UOL, a Polícia Federal informou que não se pronuncia sobre investigações em andamento.

Do UOL