ABJD protocola representação na PGR sobre escândalo de Moro
A Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD) protocolou nesta segunda-feira (10/06) uma representação na Procuradoria-Geral da República para apuração acerca da divulgação da reportagem da revista eletrônica The Intercept denominada: “Exclusivo: chats privados revelam colaboração proibida de Sérgio Moro com Deltan Dallagnol na Lava Jato”.
O conteúdo revela as relações de procuradores da operação Lava Jato, em especial o procurador Deltan Dallagnol, com o juiz Sérgio Fernando Moro, atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, fora dos autos, em ações ilegais para determinar os rumos das investigações e das ações penais perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, da qual o ministro era titular.
“Em um Estado Democrático de Direito, o centro de qualquer processo idôneo e justo, reside no princípio da imparcialidade do juiz. O princípio é uma garantia de justiça para as partes, inseparável do órgão da jurisdição. A primeira condição para que o juiz possa exercer sua função dentro do processo é a de que ele se coloque entre as partes e acima dela. Portanto, a imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual seja válida”, diz o documento protocolado pela ABJD.
A peça prossegue afirmando que o juiz Sérgio Moro foi acusado, diversas vezes, de agir como inimigo de investigados e réus, com especial destaque para o caso do ex-presidente Lula. E sempre negou. “Nada obstante, o teor dos assuntos tratados entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol não deixam quaisquer dúvidas acerca da agressão aos incisos II, IV do art. 145, do CPC (Código de Processo Civil) e inciso IV, do art. 254, do CPP (Código de Processo Penal) haja vista ter o magistrado não apenas aconselhado uma das partes do processo, mas conduzido a investigação, indicando interesse particular no seu deslinde”.
A Associação de Juristas solicita que a Procuradoria-Geral da República tome todas as providências necessárias, no sentido de que seja instaurado procedimento de investigação, para apuração dos fatos noticiados, e condutas ilícitas apontadas, a fim de que se efetive a tutela dos mais relevantes interesses da sociedade brasileira. “Os fatos são extremamente graves e dão mostras de desvios de conduta não apenas éticos e morais, mas de indícios criminosos, a exigir uma investigação rigorosa e séria por essa Procuradoria-Geral da República, com vistas a apurar responsabilidades e verificar a possibilidade de ajuizamento de ação judicial”, conclui.
EXMA SRA. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE
REPRESENTAÇÃO
Para apuração acerca da divulgação, no dia 09 de junho de 2019, dos conteúdos da reportagem da revista eletrônica The Intercept denominada: “Exclusivo: chats privados revelam colaboração proibida de Sergio Moro com Deltan Dallagnol na Lava Jato”, em que são reveladas as relações de procuradores da operação Lava Jato, em especial o procurador Deltan Dallagnol, com o juiz Sergio Fernando Moro, atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, fora dos autos, em ações ilegais para determinar os rumos das investigações e das ações penais perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, da qual o ministro era titular.1
Síntese dos Fatos
No dia 09 de junho de 2019, o Brasil e o mundo foram surpreendidos com a divulgação, no portal The Intercept, de diversas conversas travadas entre procuradores da República vinculados à Força Tarefa da Operação Lava Jato, com especial destaque para o procurador Deltan Martinazzo Dallagnol, com o juiz responsável para julgar os casos, Sérgio Fernando Moro, atualmente ministro da Justiça e da Segurança Pública.As informações divulgadas nos documentos obtidos pelo jornalista Glenn Greenwald e sua equipe revelam que o juiz e o procurador trocaram mensagens de texto, que extrapolam em muito o que é legal nas funções de cada um. O juiz Moro sugeriu ao procurador Dallagnol que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em novas operações, deu conselhos estratégicos e pistas informais de investigação, antecipou decisão, criticou e sugeriu recursos ao Ministério Público, incluindo quem deveria inquirir réus em audiências públicas.
Em palestra organizada pela Unafisco Nacional, em 17 de março de 2016, em Curitiba, no seminário Combate à Lavagem de Dinheiro, o juiz Sérgio Moro disse:
“Eu não tenho estratégia de investigação nenhuma. Quem investiga ou quem decide o que vai fazer e tal é o Ministério Público e a Polícia. O juiz é reativo… identifique em meus atos judiciais um ato em que eu determinei a produção de alguma prova….”
Em uma conversa de 7 de dezembro de 2015, Sérgio Moro passou uma pista sobre o caso de Lula para que a equipe do MP investigasse. “Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é séria”.
No dia 21 de fevereiro de 2016, Sérgio Moro mandou uma “ordem” ao MP por meio de Dallagnol: “Olá! Diante dos últimos desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas.” No dia seguinte, ocorreu a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.
Mais que deliberar acerca da produção de prova, o juiz determinava o ritmo e a forma das investigações. E possuía um apelido entre os procuradores, que o chamavam de “Russo”. Em diversos dias e trechos, Deltan Dallagnol afirma: “falei com o Russo!”
No dia 10 de maio de 2017, o diálogo aconteceu da seguinte forma: o procurador diz ao juiz que pediu oitivas mas que ele pode indeferir, ao que o juiz responde que o fará:
Dallagnol: “Caro, foram pedidas oitivas na fase do 402, mas fique à vontade, desnecessário dizer, para indeferir. De nossa parte, foi um pedido mais por estratégia.” Moro: “Blz, tranquilo, ainda estou preparando a decisão mas a tendência é indeferir mesmo”.
Segundo a The Intercept, as conversas entre Moro e Dallagnol compreendem um período de dois anos entre 2015 e 2017. São muitos diálogos e decerto não caberia transcrevê-los todos, mas apenas o suficiente para demonstrar ações de servidores públicos com ânimo de usar o sistema de justiça e o Poder Judiciário apenas como pano de fundo de uma ação política coordenada, sem escrúpulos e sem nenhum compromisso com o país.
Com efeito, são atos de verdadeiro escárnio e deboche com as instituições republicanas.
Do Direito
Aprovado em 2008 pelo Conselho Nacional de Justiça, o Código de Ética da Magistratura Nacional determina que juízes devem atuar norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade e do segredo profissional, entre outros.Acerca do dever de imparcialidade do juiz, o art. 8º do Código de Ética da Magistratura prevê:
“Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.”2
Em um Estado Democrático de Direito, o centro de qualquer processo idôneo e justo, reside no princípio da imparcialidade do juiz. O princípio é uma garantia de justiça para as partes, inseparável do órgão da jurisdição. A primeira condição para que o juiz possa exercer sua função dentro do processo é a de que ele se coloque entre as partes e acima dela. Portanto, a imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual seja válida.
Nesse sentido, foram criados dois importantes institutos nas legislações processuais tanto civil quanto penal: o impedimento e a suspeição. O primeiro caracteriza situação objetiva, em que é absolutamente incompatível o julgamento da causa por parte do magistrado em razão de seu envolvimento concreto com um dos participantes do processo ou com a causa em debate. Por exemplo, casos em que é parte o próprio juiz, ou seu cônjuge, ou parente até terceiro grau. Já a suspeição, ocorre em casos mais subjetivos, em que as máximas experiências demonstram não ser conveniente que o juiz julgue determinada causa. Por exemplo, juiz é amigo ou inimigo das partes; juiz é credor ou devedor.
No Código de Processo Civil a suspeição encontra-se no rol do art. 145:
“Art. 145. Há suspeição do juiz:
I – amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;
II – que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;
…………………………………………………………………………………
IV – interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.” (grifamos)
No Código de Processo Penal, a suspeição está mencionada no art. 254, que prevê, verbis:
“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
……………………………………………………………………………….
IV – se tiver aconselhado qualquer das partes;
……………………………………………………………………………….”
O juiz Sérgio Moro foi acusado, diversas vezes, de agir como inimigo de investigados e réus, com especial destaque para o caso do ex-presidente Lula. E sempre negou. Nada obstante, o teor dos assuntos tratados entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol não deixam quaisquer dúvidas acerca da agressão aos incisos II, IV do art. 145, do CPC e inciso IV, do art. 254, do CPP, supratranscritos, haja vista ter o magistrado não apenas aconselhado uma das partes do processo, mas conduzido a investigação, indicando interesse particular no seu deslinde.
Seus atos consistiram em um posicionamento vinculado e ativo em relação ao que estava sendo discutido e mesmo antes que os inquéritos lhes fossem apresentados.
Não havia espaço para o livre convencimento do juiz diante da apresentação de indícios e provas, haja vista que toda a instrução probatória restou comprometida por sua interferência e direcionamento. Ao oposto, os colóquios indicam que o juiz deu acesso privilegiado à acusação e ajudou o Ministério Público a construir casos contra os investigados.
Sérgio Moro foi, como demonstram as conversas divulgadas, um juiz que agia como parte nos processos. Mais que isso, sua motivação estava ligada a interesses direcionados a determinadas pessoas, previamente escolhidas. Seus atos de julgar e decidir em nada se vinculavam à ideia de justo, legal, mas ao que já tinha combinado antecipadamente com o membro do órgão acusador, o que não apenas afeta a relação processual, mas torna todos seus atos anuláveis ou nulos de pleno direito, porque eivados de ilegalidades flagrantes.
Por outro lado, as discussões levadas a cabo no grupo de procuradores da força tarefa, mostram debates que em nada se diferenciam dos grupos de pessoas com posições politicas claras e bem definidas agindo em disputa com adversários. Seria normal e comum não se tratasse de servidores públicos com poder de investigação, e que a toda evidência o usaram de forma indevida contra cidadãos e coletivos pré-determinados. A conversação com as tramas para impedir a entrevista do ex-presidente Lula no período eleitoral “por medo do Haddad ganhar” se assemelha a roteiro de filme de espionagem, tamanhas as tramoias sugeridas. São diálogos deploráveis que apontam para a total ausência de conduta ética, que deveria nortear suas atitudes, como ensina o célebre professor Hely Lopes Meirelles:
“O dever de conduta ética decorre do princípio constitucional da moralidade administrativa e impõe ao servidor público a obrigação de jamais desprezar o elemento ético de sua conduta. De acordo com o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil Federal, “a dignidade, o decoro, o zelo, a eficácia e a consciência dos princípios morais são primados maiores que devem nortear o servidor público”. O dever de honestidade está também incluído na conduta ética” (Hely Lopes Meirelles nos ensina em sua obra “Direito Administrativo Brasileiro” 24ª ed. Página 418)
Na condição de servidores públicos lato sensu já merece todo repúdio as atitudes das procuradoras e dos procuradores, verificados pelas suas próprias falas, tramando arranjos de toda ordem para atingir finalidade política. A transgressão se amplia por serem membros de uma instituição como o Ministério Público, que deveria ser exemplo de integridade e lisura moral no desempenho de sua função pública.
É indiscutível que a ética deve estar presente na vida de qualquer indivíduo, seja um profissional ou não, mas, acima de tudo, deve fazer parte das atitudes e decisões daqueles que lidam com as liberdades e os interesses das pessoas, como é o caso dos juízes e dos membros do Ministério Público. São vergonhosas as atitudes de alguns mau agentes públicos que, lamentavelmente, são investidos na função pública, exercendo seus ofícios por vias oblíquas, disfarçados de estarem agindo no interesse da sociedade, porém, praticando os mais terríveis atos, ferindo frontalmente o direito e a decência, de modo a satisfazerem seus egos e caprichos.
Os textos publicados apresentam servidores que se aproveitam de suas funções públicas para promoções exibicionistas e irresponsáveis, prestando um desserviço ao direito e à credibilidade das instituições, sem vínculo com o interesse social.
Nesse sentido, mostra-se absurda, abusiva e inaceitável a resposta ofertada em nota pelos membros do Ministério Público da Força Tarefa que, a par de não negar a autoria dos diálogos, tentam conferir-lhes uma aparência de legalidade e legitimidade, atacando a divulgação.3
Os fatos são extremamente graves e dão mostras de desvios de conduta não apenas éticos e morais, mas de indícios criminosos, a exigir uma investigação rigorosa e séria por essa Procuradoria Geral da República, com vistas a apurar responsabilidades e verificar a possibilidade de ajuizamento de ação judicial.
Do Pedido
Por todo o exposto, solicita-se a V. Exa. que tome todas as providências necessárias, no sentido de que sejas instaurado procedimento de investigação, para apuração dos fatos aqui noticiados, e condutas ilícitas aqui apontadas, sem prejuízo de outras relacionadas à matéria, a fim de que se efetive a tutela dos mais relevantes interesses da sociedade brasileira.
Por oportuno, requer que todas as futuras publicações e intimações sejam realizadas em nome dos advogados RAIMUNDO CEZAR BRITTO ARAGÃO, OAB/DF 32.147 e PAULO FREIRE, OAB/DF 50.755, nos termos do art. 272, § 2° c/c art. 280, ambos do NCPC, sob pena de nulidade.
P. deferimento