Carta da Terra, escrita por movimentos sociais, chega ao Congresso
Na tarde desta quarta-feira (12), representantes dos movimentos e organizações do campo que se reuniram no Seminário Terra e Território: Diversidades e Lutas, entre os dias 6 e 8 de junho, em Guararema (SP), entregaram ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a “Carta da Terra”, documento final do encontro redigido e aprovado pelas entidades.
A “Carta Terra” reúne denúncias de retrocessos promovidos pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sete compromissos firmados pelas 50 organizações presentes no evento. Entre os debates apresentados durante o seminário, que são suscitados pela carta, estão os modelos de ocupação de terras e a defesa do meio ambiente.
A carta foi definida como “uma plataforma de ação, de debate, de luta, que caminha para a construção de um grande projeto de como deve ser o campo brasileiro”, conforme explicou José Damasceno, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), em entrevista ao Brasil de Fato.
Confira na íntegra a carta entregue para Rodrigo Maia.
Carta Terra, Território, Diversidade e Lutas
“Ao povo brasileiro,
Nós, movimentos populares e sindicais do campo, águas e florestas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, pesquisadores e pesquisadoras, organizações não governamentais, ambientalistas, representantes de governos progressistas, lideranças partidárias e parlamentares, reunidos entre os dias 06 e 08 de junho de 2019, na Escola Nacional Florestan Fernandes (Guararema, São Paulo), considerando os desafios atuais denunciamos que:
1. Estamos em tempos de crise do capitalismo, o que resulta no aumento das desigualdades, injustiças, exclusões e violência contra os povos. A fúria insana do capital em busca de sua manutenção aprofunda a exploração e eleva o desemprego dos trabalhadores e trabalhadoras, assalta os recursos públicos e os bens da natureza;
2. Isto vem sendo feito com a destruição de direitos, retrocesso de conquistas populares do último século e a privatização e destruição dos bens comuns da natureza. O capital se apropria ilegítima e ilegalmente das terras, água, biodiversidade, minérios, petróleo e outras fontes de energia, resultando inclusive em crimes socioambientais como os cometidos pela Vale em Mariana e Brumadinho;
3. Para implementar a agenda ultraliberal, o capital financeiro e a classe dominante, entreguista e antinacional, impediram a participação de Lula no processo eleitoral e atuaram para eleger o governo Bolsonaro, manipulando a vontade popular por diversos meios, especialmente a disseminação de fake news e a pauta de ódio. Os interesses antinacionais, privatistas e a favor dos Estados Unidos ficam evidentes na entrega da Base de Alcântara, da Embraer, do Pré-Sal e da Amazônia, e nas ameaças de venda do Banco do Brasil, Correios, Caixa Econômica Federal, subsidiarias da Petrobrás, entre outras empresas públicas;
4. As principais consequências socioeconômicas da agenda ultraliberal são: aumento do desemprego, diminuição dos salários, retirada de direitos trabalhistas, precarização do trabalho, aumento do trabalho escravo, corte de políticas de proteção social e de renda mínima como o bolsa família, paralisação dos programas de moradia, de defesa dos direitos das mulheres e da juventude, cortes na educação pública e brutal ataque à previdência social;
5. Atendendo os interesses do agronegócio, os governos Temer e Bolsonaro promovem o desmonte das instituições e da legislação de direitos humanos, ambiental, fundiária, e de soberania e segurança alimentar, como o fechamento do MDA, Ministérios do Trabalho e da Cultura, a reformulação da Secretaria de Aquicultura e Pesca, o sucateamento do INCRA, FUNAI, IBAMA, ICMBio, Fundação Palmares e a extinção dos conselhos de participação social, a exemplo do CONSEA, CONDRAF, Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais;
6. Isso resulta no aumento do desmatamento, do ritmo de exploração dos bens naturais, da liberação e uso de agrotóxicos, da violência contra as mulheres (aumento do feminicídio) e contra a população LGBT, do genocídio da juventude negra e da violência no campo. Ao mesmo tempo, resulta também no fim das ações de reforma agrária, de demarcação de territórios indígenas, de titulação de territórios quilombolas, de reconhecimento de terras tradicionalmente ocupadas, na reconcentração de terras, legalização da grilagem, redução de áreas protegidas, recategorização de áreas de conservação fragilizando a proteção ambiental, retirada de direitos das pescadoras e pescadores artesanais, além da destruição de políticas públicas destinadas aos povos do campo, águas e florestas.
Os participantes do seminário reafirmam a luta:
a) Em defesa das políticas agrárias de Estado, cumprindo a Constituição Federal: a desapropriação para fins de reforma agrária das terras que não cumpram função socioambiental, a demarcação de territórios indígenas, a titulação de territórios quilombolas e o reconhecimento de terras tradicionalmente ocupadas;
b) Em defesa das políticas socioambientais, igualmente garantidas pela Constituição: direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida;
c) Pela manutenção e ampliação das unidades de conservação, garantindo direitos de povos e comunidades tradicionais;
d) Em defesa dos territórios, terra, água, sementes, bens da natureza, cultura, modos de vida e do bem viver;
e) Pela soberania alimentar, hídrica, territorial, ambiental, genética, energética e mineral;
f) Pelo direito ao trabalho decente, salário, renda, emprego, renda mínima cidadã, contra a precarização e o trabalho escravo;
g) Contra a reforma da previdência e aposentadoria, que ataca especialmente as mulheres, os assalariados e assalariadas rurais, segurados especiais e professores e professoras. Defendemos a manutenção do sistema de previdência pública de caráter solidário e o direito à aposentadoria;
h) Em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, em todos os níveis, para toda a população brasileira, destacando a importância da educação e das escolas do campo;
i) Contra o retrocesso nas políticas públicas duramente conquistadas pela classe trabalhadora e povos do campo, águas e florestas;
j) Contra a violação dos direitos humanos, a violência, a liberação da posse e porte de armas, o racismo, o machismo, a pregação de ódio e todas as formas de discriminação;
k) Em defesa do SUS, por uma saúde pública, gratuita e de qualidade;
Diante disso nos comprometemos:
a) Com a soberania popular, os territórios dos povos e os interesses da nação brasileira, nos somando ao conjunto da classe trabalhadora na defesa das empresas estatais, dos serviços públicos como um direito de todos e não mera mercadoria, e contra a submissão do governo Bolsonaro aos interesses dos EUA;
b) A denunciar a seletividade, falta de transparência e participação social no sistema de justiça, e a parcialidade de setores do poder judiciário, que resultam em violações de direitos e impunidade;
c) A construir um novo projeto para o campo, com centralidade nos sujeitos – em especial as mulheres, jovens e negros – terra e territórios, educação, soberania alimentar, cooperação e agroecologia;
d) A produzir alimentos saudáveis a preços justos para o povo brasileiro;
e) Com a conservação da natureza e contra a espoliação depredatória do agro-hidro-minero-negócio, denunciando retrocessos ambientais e resistindo a uma economia devastadora;
f) A defender companheiros, companheiras e organizações que sofrem criminalização e violência, denunciando toda injustiça em qualquer parte do país;
g) Pela liberdade do Lula, como expressão de respeito aos direitos constitucionais e democráticos de todas as pessoas.
Reafirmamos a luta unitária pela construção de uma sociedade justa, igualitária e democrática. Conclamamos o povo brasileiro a resistir e lutar, participando das próximas grandes mobilizações populares, da Greve Geral de 14 de junho e da Marcha das Margaridas em 13 e 14 de agosto.
São Paulo, 8 de junho de 2019″.
Assinam o documento:
Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais – ADERE
Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA
Articulação Nacional de Agroecologia – ANA
Articulação Nacional de Agroecologia da Amazônia
Associação Brasileira de Agroecologia – ABA
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
Associação Brasileira pela Reforma Agrária – ABRA
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Central UNIcatadores
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Confederação Nacional dos trabalhadores rurais Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG
Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – CONTRAF
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
Escola de Ativismo
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE
Fórum dos Gestores e Gestoras Responsáveis pelas Políticas de Apoio à Agricultura Familiar do Nordeste
Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
Fundação Perseu Abramo
Grupo Carta de Belém – GCB
Movimento Camponês Popular – MCP
Movimento Ciência Cidadã
Movimento Interestadual de Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçú – MICQB
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento de Pescadores e Pescadora Artesanais – MPP
Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo – MTC
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
Movimento por Trabalho e Direitos – MTD
Slow Food Brasil
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Projeto Brasil Popular
Terra de Direitos
União Nacional das Organizações Cooperativas Solidárias – UNICOPAS